A fusão da Evolução com a Genética (desde 1900)

Antes da síntese

1- A hipótese da seleção natural foi compreendida por poucos e aceita por ainda menos pessoas.

2- O mecanismo de herança não era compreendido: acreditava-se na herança por mistura (caracteres eram a média dos pais). Um cientista chamado Jenkins em 1867 demonstrou que de acordo com esta herança, os caracteres tendiam a se tornar homogêneos em algumas gerações nas populações. Se a seleção natural não gerava variabilidade mas dependia da variabilidade aleatória existente, então se a herança era por mistura, não haveria variabilidade suficiente para a seleção agir.

3- Acreditava-se também nas variações induzidas pelo ambiente que poderiam ser herdadas, e que também era uma crença de Darwin em algumas raras situações (desuso de órgãos em animais de cavernas) nos últimos anos de sua vida.
Em 1883, Augusto Weisman sugeriu que o plasma germinativo era completamente separado do resto do corpo (o soma), rejeitando a influência do ambiente sobre a hereditariedade, e foi atacado veementemente por Neo-Lamarckistas. Após o reconhecimento das idéias de Mendel, a idéia de Weisman foi mais aceita mas até hoje se encontram Lamarckistas sugerindo a influência do ambiente na geração de variabilidade.

Veja também: Evolução pós-Darwin



Os geneticistas mendelianos de 1900 a 1940 (a negação dos princípios de Darwin)

As primeiras tentativas de se associar teorias evolutivas aos princípios da genética foram amplamente desfavoráveis às idéias de Darwin. Essas divergências apareciam pela incompreensão da natureza dos genes e do fundamentalismo Mendeliano:

1- Os geneticistas da época consideravam que apenas os caracteres de variação descontínua (cor de olho, forma lisa e rugosa) seriam genéticos. Caracteres contínuos (tamanho) não teriam componentes genéticos. Além disto, acreditavam que poucas mutações em caracteres descontínuos seriam suficientes para gerar uma nova espécie. Deste modo a seleção natural e o gradualismo (acúmulo gradual de variações) eram desnecessários à evolução.

2- Estas idéias continuaram até o princípio da síntese moderna, e em 1940, R. Goldschmidt publicou o Material Basis of Evolution, invocando as mutações sistêmicas (que levam a grandes alterações) como a fonte de origem de novas espécies, uma teoria chamada de Saltacionismo.



A Síntese Moderna - 1930 a 1950

Na ânsia de renovar as idéias de Darwin, surgiu o Neo-Darwinismo (ou a Síntese Moderna). Esta foi a reconciliação dos dados de biogeografia, paleontologia e sistemática utilizados por Darwin no livro “Origem das Espécies” com os princípios da genética. Os principais avanços foram:
1.  demonstraram que caracteres adquiridos não eram herdados;
2.  a variação contínua tem a mesma base mendeliana mas depende da interação de muitos genes;
3.  a variação dentro e entre regiões geográficas tem base genética, e algumas delas tem sentido adaptativo;
4.  os sistematas demonstraram que as espécies não são tipos morfológicos, mas populações de formas variáveis e isoladas reprodutivamente de outras populações.

Genética de Populações

Hardy e Weinberg desenvolveram independentemente um modelo matemático representando a distribuição das frequências gênicas e genotípicas em populações.

No entanto, três grandes matemáticos e pais da estatística atual: R.A. Fisher, J.B.S. Haldane e S. Wright desenvolveram este modelo e demonstraram a ação de fatores evolutivos: Seleção Natural, Deriva Genética, Fluxo gênico, Endogamia, Mutações, etc. Estes alteravam as frequências gênicas nas diferentes gerações e o mecanismo de seleção natural foi evidenciado como o mecanismo mais efetivo nas alterações de uma geração para outra, e portanto o mecanismo principal de evolução.

Em 1937, Theodosius Dobzhanski publicou “Genetics and the Origin of Species”, onde foi feita a síntese completa da genética e evolução. Ele foi também um dos primeiros cientistas a relatar um evento de especiação (não induzida) em laboratório, a qual ele chamou de Drosophila paulistorun (porque foi coletada em São Paulo).

Os principais fundamentos deixados pela Síntese Moderna foram:

1.  Populações contém variação genética que surge ao acaso através de mutações e intensificadas (ou embaralhadas) pela recombinação;
2.  Populações evoluem (microevolução) através de mudanças nas frequências gênicas e genotípicas induzidos principalmente pela Seleção Natural. Outros fatores evolutivos atuam em menor escala: deriva genética, fluxo gênico, endogamia, mutações recorrentes, etc;
3.  Os variantes se apresentam como um contínuo de diferenças fenotípicas individuais, desde os menos aos mais adaptados e estas mudanças são graduais;
4.  Diversificação se dá através da especiação (isolamento reprodutivo);
5. Este processo de diversificação quando é acentuado e em um prazo mais longo leva à origem de taxas superiores:  famílias, ordens, classes, filos, etc.

Veja também: Evolução pós-Darwin (princípios da teoria da síntese)



Após a Síntese Moderna - novas descobertas e novos paradigmas moleculares
 

Neutralismo - Motoo Kimura  -  1968
 
Veja também: 1) Teoria Neutra, moléculas e genes (lâminas de aula)    - 2) Teoria Neutra e Genética - 3) Pós-Darwinismo: Neutralismo, Saltacionismo, Gradualismo, Equilíbrio Pontuado

Com os dados de sequências moleculares no DNA, e principalmente em proteínas, Kimura chegou à conclusão que a maior parte da variabilidade existente era neutra, isto é, não tinha qualquer influência da seleção natural pois o fenótipo não era alterado.

A conclusão óbvia seria a de que o papel da deriva genética seria muito maior do que antes imaginado porque esta era a única capaz explicar as mudanças evolutivas nas frequências de variantes neutras, onde a seleção natural não pode agir.

Evidências moleculares modernas

O genoma humano possui em torno de 3 x 109 pares de bases. De todas estas sequências de DNA, apenas 3% delas correspondem a genes (sequências do DNA que têm a informação genética levando a um fenótipo: proteína, RNA, etc.). Estes 3% do DNA humano correspondem à soma de todos os 40 a 50 mil genes que temos.

E os demais 97% ?  Uma pequena porcentagem destas sequências pode fazer parte de estruturas necessárias ao funcionamento celular tais como centrômeros e telômeros, no entanto a grande maioria se consiste em DNA não codificante e sem função aparente.
A maior parte da variabilidade encontrada entre indivíduos está com certeza dentro destas regiões sem função. Esta variabilidade neutra não pode ser modificada por efeito de seleção natural justamente porque não corresponde a um fenótipo.

Genes egoístas

Algumas sequências de DNA que ocorrem no genoma de vários animais possuem uma atividade de auto-replicação independente da replicação normal do genoma. Estes são chamados de Transposons. A existência destes tipos de elementos de DNA auto-replicantes, assim como alguns estudos que sustentam a idéia de que nós somos veículos que perpetuam a propagação dos genes levou à publicação do livro “O Gene Egoísta”  por Richard Dawkins.

Estes elementos de transposição, em especial alguns que se propagam via RNA e chamados Retroposons, podem se propagar e multiplicar no genoma indefinidamente, utilizando a formação de um RNA, que se converte em DNA por uma enzima na célula chamada Transcriptase Reversa. Este DNA se insere em outro ponto, em qualquer cromossoma. Deste modo, quando isto acontece nas células germinativas, esta inserção passa às próximas gerações. Este evento de inserção de um novo elemento se chama Retrotransposição.

Exemplos de retroposons humanos:
Alu - 300.000 a 1.000.000 de cópias no genoma humano; L1 - 100.000 cópias no genoma humano.

Algumas destas inserções aconteceram há 40 milhões de anos por exemplo, no ancestral de todos macacos do velho mundo, incluindo o homem, portanto estas espécies hoje possuem estes Retroposons nos mesmos locais. Outras inserções aconteceram há 20 milhões, no ancestral dos chimpanzés, gorilas, orangutangos e homens, e portanto nos genomas destes, no mesmo local, existe um Retroposon, inserção que não pode ser vista por exemplo nos outros macacos do velho mundo (babuínos, etc).

Alguns cientistas tentaram retratar a retrotransposição como uma evidência de Lamarckismo porque seria um carácter adquirido (se inseriu após o indivíduo nascer) mas hoje sabe-se que isto é apenas um evento mutacional que ocorre nas linhagens germinativas. Retrotransposições que ocorrem no soma, por exemplo na pele, não são herdadas.

A presença destes elementos inseridos por retrotransposição indica que evolução pode ser direcionada em algumas ocasiões. No caso dos retroposons a tendência é de que eles aumentem em número enquanto não interferem com o fenótipo e a adaptatividade do organismo onde ele reside. No entanto sabe-se que o nível de retrotransposição é regulado pelo próprio organismo, e aquelas inserções que interferem o funcionamento de genes, por exemplo, existe um L1 (um retroposon humano) inserido em alguns indivíduos dentro do gene do fator VIII da coagulação que está no cromossomo X. Os indivíduos (homens) que tém este cromossomo X, com o gene do fator VIII interrompido pelo elemento L1 são hemofílicos.
Neste caso onde o retroposon inserido gera um fenótipo diferente (hemofilia) a seleção natural pode agir.