Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Sobrevôo: da ontogênese, passando pela infância e se detendo na velhice

2.3) O desenvolvimento da cognição segundo Piaget

        Enfatizaremos o papel ativo do desenvolvimento da criança e nas mudanças de suas estratégias de interação com o ambiente, ou seja, crianças de diferentes idades abordam os problemas básicos de aprendizagem de diferentes formas. As crianças pequenas aprendem mais lentamente, mas elas também parecem usar estratégias diferentes. Para Piaget toda criança nasceria com certas estratégias inatas, genéticas, para interagir com o ambiente. Estas estratégias primitivas são o ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento, mas elas se modificam gradualmente, em função da relação da criança com o meio ambiente.

        Sua teoria sugere que existam dois processos fundamentas no funcionamento intelectual de como o ser humano vai organizar suas experiências e adaptá-las ao que foi experimentado. Estes processos seriam a "adaptação" e a "organização". O primeiro em seu nível mais básico seria um processo de ajustamento comportamental ao meio ambiente, embora fisiologicamente seja usado no sentido sensorial de reação ás agressões do meio. Já a organização da experiência incluiria processos como a combinação das informações provenientes dos diferentes sentidos e a tendência a classificar ou agrupar em conjuntos ou sistemas. Hoje usamos mais o termo de processamento mental para esta função.

        Piaget pensava bem que a criança era um ser ativo, ou seja, não sofria passivamente a ação do seu ambiente e essas estratégias de interação com esse ambiente eram definidas como esquemas. Então "esquemas" seriam padrões organizados de comportamento, sendo que eles se tornam gradativamente sofisticados, na medida em que a criança progride no processo desenvolvimental. Já "esquemas" no sentido de Luria e outros autores ganha conotação de um determinado estado de percepção integrada somatosensorial. Essa modificação se dá através da assimilação e da acomodação que basicamente seriam a incorporação das novas experiências ou informações e a modificação e ajustamento das estratégias ou conceitos em função das novas informações ou experiências. Aí reside uma tentativa de explicação neurofisiológica para o que se chama metaciência de planejamento motor da ação.

A teoria piagetiana dividiu o desenvolvimento do pensamento da criança em quatro estágios, que seriam descritos a seguir:

  • Estágio sensório-motor, que vai desde o nascimento até os dois anos. Neste estágio o bebê opera quase totalmente com esquemas abertos, visíveis com ações como olhar, tocar, pegar e sugar. No inicio, quase todos esses esquemas são reflexos básicos, mas, aproximadamente com um mês, senão antes, o bebê superou estes reflexos inatos e aborda os objetos e pessoas de maneiras novas. Ora, na neurociência há uma coincidência da maturação sensório-motora, sem capacidade interpretativa que vai até os 4 anos.

  • Estágio pré-operacional, que vai dos dois aos seis anos. Este estágio se caracteriza pelo egocentrismo da criança que não consegue entender o que as outras pessoas pensem e como vêm o mundo de uma forma diferente da sua. É incapaz de perceber a reversibilidade das coisas. Apresenta um raciocínio indutivo, isto é, a criança vê que duas coisas acontecem ao mesmo tempo e supõe que uma é a causa da outra. Conseguem ainda classificar objetos através da sua similaridade, ou seja, inclusão de classes. Na neurofisiologia observa-se grande maturação de áreas sensoriais associativas, sem no entanto atingir um raciocício formal.

  • Estágio operacional concreto, que vai dos seis aos doze anos. Neste estágio a criança adquire o esquema das operações como a soma, a subtração, a multiplicação, a ordenação serial. Consegue compreender a reversibilidade das coisas e já apresenta um raciocínio indutivo. A criança neste estágio é capaz de superar a mudança imediata, visível e considerar a relação lógica envolvida, ou seja, adquiriu o esquema da conservação e constância dos objetos. Ainda apresenta dificuldade em operar com princípios abstratos quando eles estão ligados a objetos específicos. Com a gradual maturidade dos lobos frontais, dá-se início ao raciocínio formal e a maior percepção emocional.

  • Estágio operacional formal, que vai dos 12 anos em diante. A principal tarefa desse período é aprender como pensar a respeito de idéias tanto quanto de objetos. A criança deve começar a pensar sobre coisas imaginárias e ocorrências possíveis, se torna capaz de buscar a resposta de um problema de maneira sistemática e metódica. Adquire uma lógica dedutiva, mas nem todas as pessoas conseguem desenvolver o pensamento formal. Como nesta fase o desenvolvimento macroscópico do cérebro está praticamente implantado, passa a ser importante a evolução de micro-redes neurais.