Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Sobrevôo: da ontogênese, passando pela infância e se detendo na velhice

2.2) Como se abrem as janelas da aprendizagem

        O desenvolvimento da criança obedece padrões muito mais rígidos do que se imagina. Até o primeiro ano de vida, as janelas escancaradas são as dos sentidos. "A criança está aberta para receber", contar histórias, por música na vitrola, agarrar e beijar, brincar com a fala, tudo isso são estímulos que ajudam o aperfeiçoamento das ligações neurais das regiões sensoriais do cérebro. É um processo que dura até os dois anos, quando se ligam os circuitos da compreensão, chamada de "intelectual" das frases. Nessa idade, quanto mais vocábulos a criança ouve, mais rica será a sua expressividade lingüística na fase adulta.

        Até os cinco anos, as crianças desenvolvem a percepção de formas. E os circuitos neurais da linguagem, que já vinham amadurecendo, entram em rede com habilidade motora. É quando a criança fala: "Eu vou abrir a porta", vai e abre. A linguagem organiza as ações, que passam a ser intencionais.

        A partir dos cinco ou seis anos é o momento do desenvolvimento, em que o cérebro da criança começa a se especializar. Os hemisférios direito e esquerdo passam a ocupar-se de funções diferentes e bem definidas, hoje conhecidas respectivamente como lobos da emotividade e cognição, para citar uma entre outras funções. Estão abertas as janelas do sentido de lateralidade e direcionalidade. É o momento de orientar o corpo no espaço. Dança, judô ou natação são excelentes para essa faixa etária. É o momento também em que a criança já consegue cotejar as próprias experiências, para delas extrair conclusões. Inicia-se o raciocínio lógico-formal (Pimentel-Souza,1995).

        A partir do décimo ano de vida, observa-se um predomínio das funções simbólicas sobre a motora. O pensamento abstrato torna-se independente de uma referência física ou concreta das experiências.

        Já o adolescente, é capaz de formular hipóteses a partir de fatos não concretos. Este é o instrumento mais elaborado de pensamento. Os circuitos neurais macroscópicos estão praticamente todos desenvolvidos. O cérebro do adolescente assemelha-se então ao dos adultos (Pimentel-Souza, 1981).

        Devido a alta plasticidade cerebral, o desenvolvimento cerebral continua microscopicamente pelo incremento da rêde neuronal que estabelece interconexões ao nível das sinapses, multiplicando enormemente a complexidade da rêde e sua capacidade de desempenho. Esta afirmação é justificada pelo fato de que as pessoas continuam a adquirir novas habilidades também ao longo da vida adulta. Dessa maneira, a ocorrência de um efetivo desenvolvimento microscópico dependerá de normas preventivas de preservação da saúde, exigindo uma boa qualidade de vida, e pela demanda constante de funcionamento.

        É importante ressaltar que o desenvolvimento da criança não deve ser atropelado pela ansiedade de seus pais, pois cada criança apresenta um determinado ritmo de desenvolvimento que é determindado pela sua idade. E que uma superestimulação pode ter como conseqüência desde um estresse até crises de ansiedade e de repulsa franca ao objeto, que os pais querem impor. Estimular o cérebro da criança potencializa suas aptidões. Assim como as janelas do aprendizado se fecham com o passar do tempo, as grandes potencialidades cerebrais abrem-se em épocas bem determinadas ou permanecem se as pessoas se ajustarem a um bom funcionamento cerebral.

        De nada adianta atulhar a mente de um bebê com cálculos complexos se os neurônios não estão prontos para processá-los. É preciso entender em que fase cognitiva está o desenvolvimento da criança. Um exemplo de impropriedade é a vontade de alguns pais de ver seus filhos andando o quanto antes. Bebês de sete ou oito meses são colocados no andador. Não é época de a criança começar a andar. Superestimulada, ela até consegue, o problema é que no futuro pode sofrer de pé chato ou problema de coluna. Isso deixa claro que estimular não significa queimar etapas, e sim aperfeiçoar habilidades. Para estimular os circuitos neurais responsáveis pela leitura e pela escrita, por exemplo, nada melhor do que, no tempo certo, oferecer um livro à criança, contar-lhe uma história, oferecer-lhe lápis e papel.