Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A loucura e o controle das emoções

3) ESQUIZOFRENIA

3.1) Definição

A esquizofrenia constitui-se no mais grave dos distúrbios mentais, atingindo cerca de 1% da população, constituindo-se na principal causa de internações psiquiátricas. É uma doença crônica que se caracteriza por distúrbios do pensamento, com idéias de perseguição e perda das conexões lógicas, que também se manifestam na linguagem:

  • da percepção, na forma de alucinações auditivas e visuais;

  • dos sentimentos, com embotamento emocional e incongruência entre afeto, pensamento e ação;

  • do comportamento motor, apresentando rigidez dos movimentos, estereotipia motor e agitação, ou pelo contrário, imobilidade e da volição, com perda da força de vontade.

Como exemplo da perda das conexões lógicas, observemos a seguinte sequência de pensamentos: (A): " Está quente hoje." (B): "Eu me pergunto o que tem para jantar hoje a noite. (C): "Eu ainda não paguei meu imposto de renda." A este tipo de sequência de pensamento não se pode aplicar a sequência lógica e clara como de um indivíduo normal. O pensamento para o normal seguiria uma lógica: (A): "Está quente na aula, hoje". (B): "Queria que a janela estivesse aberta". (C): "Queria que esta conferência tivesse acabado". As associações entre A, B e C fazem o padrão de pensamento perceptível e lógico.

Os episódios esquizofrênicos dividem-se entre os períodos dos surtos, nos quais manifestam-se os sintomas positivos da doença, como as alucinações e delírios, e sua fase crônica, caracterizada pela predominância dos seus aspectos negativos, como o embotamento afetivo e perda da volição. Nesta fase há ausência de prejuízos das demais funções psicológicas.

A esquizofrenia foi caracterizada em finais do século XIX pelo psiquiatra alemão E. Kraeplin, que enfatizou seu início na juventude, assim como seu curso persistente, com progressiva deterioração da capacidade mental, chamando-a de "dementia praecox". E. Bleuler enfocou os acentuados distúrbios de várias funções psicológicas verificadas nos surtos agudos da demência precoce, principalmente a fragmentação entre o pensamento e as emoções, que o levaram a rebatizar essa condição mórbida com o nome de esquizofrenia, adotado desde então. As classificações modernas, como o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) levam em conta tanto as manifestações das fases ativas, como o sua fase crônica com progressiva deterioração mental como critérios para definir a esquizofrenia. No DSM-IV a esquizofrenia é definida nas suas características essenciais com presença de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, dissociação do pensamento, comportamento catatônico, afetividade embotada). Durante a fase ativa da doença, há descuido nas relações sociais, como de trabalho, amigos, escola, nas relações familiares e nos cuidados pessoais, com duração de no mínimo seis meses. É essencial que se descarte o envolvimento de fatores orgânicos, como doenças que apresentem sintomas similares de psicose, assim como fazer o diagnóstico diferencial entre distúrbios de humor associado a sintomas psicóticos ou distúrbio esquizoafetivo. Este último, tem duração, história familiar e evolução diferentes. De acordo com o predomínio de um ou outro sintoma, a esquizofrenia é subdividida em diferentes tipos :

  • Residual - anteriormente chamada de esquizofrenia simples, estão presentes os sinais negativos da doença: afastamento e inadequação social, comportamento excêntrico, inadequação afetiva e pensamento ilógico. Há ausência dos sintomas positivos e pruridos de outras formas de esquizofrenia. Não são observados sintomas catatônicos, delírios ou alucinações, tornando-a por isso o tipo de mais difícil diagnóstico. O quadro progride durante anos, levando lentamente à destruição da personalidade. Os indivíduos afetados demonstram, em sua fase inicial, uma falta de consideração para com seus familiares e amigos e indiferente negligência às obrigações sociais, podendo demonstrar alguma amabilidade superficial para com os estranhos, mas todos os sentimentos profundos parecem inexistir.

  • Desorganizada - chamada antes de hebrefênica, caracterizada pela incoerência, desagregação do pensamento e da conduta, afeto incongruente ou embotado. Os atingidos, por esta forma de esquizofrenia, apresentam os mesmos sintomas negativos da forma residual, mas apresentam maior desordem do pensamento que aqueles, tornando-se muitas vezes indivíduos sem destino e objetivos, num estado de devaneio permanente. Não conseguem concentrar-se numa leitura ou num trabalho, a menos que sejam supervisionados e dirigidos a cada passo. Sentem-se atraídos por idéias pseudocientíficas ou pseudofilosóficas e consideram-se capazes de realizar grandes descobertas e invenções, sem que isto seja acompanhado de nenhuma atividade ou qualquer tentativa de realizar suas pretensões.

  • Catatônica - apresenta alterações na psicomotricidade, como estupor, rigidez, excitação, negativismo e posturas bizarras. As características associadas são : estereotipias, maneirismos, mutismo e flexibilidade cérea. O estupor é caracterizado por um bloqueio transitório de certos movimentos até imobilização total do enfermo numa postura fixa. O negativismo se manifesta sob a forma de recusa de alimentos, sujar a roupa ou cama com urina e fezes, resistência a toda ordem, como para se vestir ou lavar-se. Os estados de imobilidade transitória duram desde alguns minutos até várias horas e podem vir acompanhados de medo ou alucinações, mas geralmente não têm nenhum conteúdo ou motivação psicológica. A grande variedade de estereotipia de movimentos engloba de simples comportamentos motores até complicadas hipercinesias de caráter altamente simbólico.

  • Paranóide - marcada pelos delírios, freqüentemente de natureza persecutória e pelas alucinações auditivas. As características associadas são ansiedade, violência e alterações das interações sociais. É o tipo mais homogêneo e menos variável. Os delírios primários são seguidos por interpretações delirantes, constituindo-se nos principais sintomas e, com as alucinações, podem estabilizar-se como o único distúrbio de uma psicose crônica por muitos anos.

  • Indiferenciada - com sintomas que não podem ser classificados nas categorias anteriores ou quando preenchem simultaneamente os critérios para mais de um tipo