Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997 |
3.2) A Cultura empresarialToda empresa é um conjunto sócio-cultural complexo, organizado para realização de serviços, fabricação de coisas, transformação ou extração de produtos da natureza. Segundo Lapassade (1983), constitui-se de um sistema de redes, de status e papéis. Este complexo de pessoas, com seus modos próprios, transforma e provoca transformações no trabalho que se realiza no espaço empresarial. Suas atitudes visam à satisfação de necessidades organizacionais e individuais, a partir de limites estruturais e tecnológicos, sobre as quais se processam acomodações dentro e fora do espaço empresa. Na cultura empresarial sobressaem valores objetivos e impessoais, isto é, não contando com a emoção, vê-se o indivíduo de forma incompleta, com habilidades específicas para a realização de tarefas, isolado das suas características de ser, das suas experiências de vida. Desta forma, durante a relação indivíduo-empresa, há uma cisão do comportamento: de um lado a força de trabalho com subordinação às regras da empresa, de outro o vivenciar emoções nem sempre expressas adequadamente. O processo de firmar contrato de trabalho, na verdade, caracteriza-se por acatar as normas, os valores e os procedimentos utilizados e cobrados de forma coletiva. Nas empresas brasileiras, a ação empresarial passou a ser contida a partir da Consolidação das Leis do Trabalho, que regulamenta o registro, a remuneração, o repouso, o afastamento, a validade de atestados médicos etc, no sentido de dar o mínimo de garantia ao cidadão que trabalha. No entanto, diante das novas imposições do capitalismo selvagem em voga, estas regras estão se afrouxando para dar lugar à maximização do lucro e competitividade. Ao celebrar o contrato de trabalho, a pessoa com todos os fenômenos intrapessoais e interacionais que caracterizam sua identidade, acata as normas organizacionais. A pessoa quando é admitida na empresa, traz consigo sua história, sua personalidade e uma forma de funcionar tanto orgânica como psíquica e social. E tende a produzir nas suas relações não só as expectativas, mas também sua história, que vai interagir com o sistema de organização, manutenção e de adaptação do indivíduo, do grupo e da empresa. O "homem organizacional" leva toda sua potencialidade física, as características mentais, as anatômicas, as fisiológicas e as sensitivas para a empresa. Leva também sua potencialidade social: a história de vida, experiências adquiridas, os valores introjetados e a capacidade de compartilhar. A entrada da pessoa para o sistema empresa é celebrada através da Consolidação das Leis do Trabalho, de práticas administrativas e de procedimentos seletivos específicos. Implícito a este momento, instala-se o contrato psicológico de trabalho. Este trato não é explicitado de forma direta, mas é fator determinante no processo adaptativo do indivíduo na empresa. Mas agora com a flexibilização das regras, recomendadas inclusive pelo Ministério do Trabalho, a ansiedade do trabalhador aumenta pelas incertezas e ameaças de desemprego, procurando sujeitá-lo mais ainda ao espírito empresarial. Para atuação deste "homem organizacional" apenas alguns aspectos são utilizados, estimulados e aceitos. Não se pretende o trabalho para o homem, mas o homem para o trabalho, acionando o gerenciamento da moda chamado de "reengenharia ou qualidade total", para extrair o máximo em favor da empresa. Arendt faz a seguinte reflexão sobre a autonomia da pessoa no seu trabalho: "o anormal laborans pode escapar à sua difícil situação como prisioneiro do ciclo interminável do processo vital, à eterna sujeição, à necessidade do labor e do consumo, unicamente através da mobilização de outra capacidade humana: a capacidade de fazer fabricar e produzir o que é atributo do homem faber, o qual, como fazedor de instrumentos, não só atenua as dores e fadigas do labor como erige um mundo de durabilidade". Codo destaca que "a sobrevivência de um organismo depende em última instância da capacidade física, biológica e psicológica de transformar o meio a sua imagem e semelhança, portanto, de autotransformar-se à imagem e semelhança do meio". O grupo de trabalho legítima as articulações entre interesses individuais, coletivos e empresariais. Formam-se redes de influências com processos relativos à cooperação, competição, conflitos, nível de motivação e pressões externas. Formam-se também, redes de afetos, emoções e sentimentos entre as pessoas com as quais se mantêm variada frequência e intensidade de convivência. O equilíbrio é um dos processos determinantes da dinâmica do grupo. Está associado ao contexto amplo em que está inserido. Sobre os grupos, Lewin, citado por Amado, afirma que "grupos são totalidades dinâmicas que resultam das interações entre seus membros. Estes grupos realizam formas de equilíbrio no seio de um campo de forças. É em função da organização perceptiva do espaço social que as energias postas em jogo se completam e se combatem". A reciprocidade no grupo é elemento definitivo na estrutura de grupos e na empresa. Se dentro do grupo de trabalho na empresa a regra é não quebrar ou não parar a produção, se ocorre esta quebra em função de doença, estabelece-se uma condição de suspensão da reciprocidade, atingindo-se vínculos de produtividade que existem entre os indivíduos desse grupo. Desencadeiam-se novos tipos de vínculos em função dos sintomas e a alteração de comportamento do queixoso, novos fatores da dinâmica do grupo. Para Rodrigues, esta inter-relação pessoa -empresa será mais ou menos conflituosa quanto maiores forem as diferenças de expectativas dos dois pólos ou quanto mais rígidos eles forem, com relação à capacidade de adaptação. |