Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

O Estresse e as Doenças Psicossomáticas

3.1) A influência da cultura

O conjunto de práticas e as redes de significados compartilhados em grupamentos sociais formam o processo cultural. Tem permanência de tempo, tem caráter de coletividade e tem continuidade, além da vida de quem a cria (Laraia). Este processo realiza a construção social da realidade. Uma cultura adquire "conformação e caráter específicos graças à coerência e unidade de suas instituições sociais. Tais instituições possibilitam a continuidade social e constituem os instrumentos efetivos do seu equilíbrio"(Laraia).

Para Mello Filho (1988), a cultura é o resultado das atitudes, idéias e condutas compartilhadas e transmitida pelas pessoas de uma sociedade, juntamente com as respectivas transformações, isto é, invenções, métodos de investigações do ambiente e objetos manufaturados. Por isto é importante a filosofia de vida e visão do mundo que presidem a cultura, na construção do dinamismo dia a dia.

As características da cultura representam potencialidades adaptativas e estressoras, dentro da numerosa gama de possibilidades de transformações, reproduções e expressões próprias da complexidade e das riquezas humanas. Mas, existem processos culturais que limitam e moldam a expressão desta natureza sobre o que Geertz (in Laraia) afirma: "... um dos mais significativos fatos sobre as pessoas é a constatação de que todos nascem com um equipamento para viver mil vidas, mas terminam tendo vivido uma só... o homem não é apenas o produtor da cultura, mas também num sentido especificamente biológico, o produto da cultura".

Existem estudos em que a atuação da cultura sobre o biológico se torna evidente, no processo do adoecer ou do curar. Por exemplo, o surgimento ou não de sintomas de mal-estar provocados pela ingestão combinada de determinados alimentos: leite com manga. Relata-se, também, o caso de africanos removidos violentamente de seu continente, ou seja, de seu ecossistema e de seu contexto cultural, que, transportados para uma terra estranha, perdiam a motivação para continuar vivos. Os casos de curas decorrentes da "fé" no remédio ou na religião.

Os processos psicossociais são constituídos, em parte, por percepções e atitudes dos indivíduos e, em parte, por elementos culturais que direcionam os vínculos, reproduzem e recriam valores sobre vários fatos da realidade. Os critérios específicos sobre saúde, doença, indivíduo, trabalho, produtividade, força, vulnerabilidade são construídos pela cultura e transformada pelos indivíduos.

A cultura é edificada a partir do meio ambiente. O meio ambiente é o mundo externo e a realidade imediata. Realidade esta, que segundo Berger e Luckmann (1987) é decorrente da vida quotidiana, que se apresente interpretada pelos homens e é subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida em que forma um mundo coerente.

Existem estudos realizados por Wiittkower sobre estresse cultural, conforme relata Mello Filho (1983) a partir dos quais é possível relacionar respostas psicossomáticas e cultura. Neles, foram identificados aspectos culturais estressantes, como o uso acentuado de tabus, saturação de valores, instabilidade de modelos culturais, privação de vida social, rigidez de normas e condições minoritários. Assim, concluímos que as respostas psicossomáticas sofrem influências diferentes em cada cultura.