Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997 |
2.1) Doença de adaptaçãoA todo instante estamos fazendo atividades de adaptação, ou seja, tentativas de nos ajustarmos às mais variadas exigências, seja do ambiente externo, seja do mundo interno, atingindo este vasto mundo de idéias, sentimentos, desejos, expectativas, sonhos, imagens, que cada um tem dentro de si. Selye demonstrou, em trabalhos publicados a partir de 1936, que o organismo quando exposto a um esforço desencadeado por um estímulo percebido como ameaçador à homeostase, seja ele físico, químico, biológico ou mesmo psicossocial, apresenta a tendência de responder de forma uniforme e inespecífica, anatômica e fisiologicamente A esse conjunto de reações inespecíficas na qual o organismo participa como um todo, ele chamou de Síndrome Geral de Adaptação. Esta síndrome consiste em três fases: Reação de Alarme, Fase de Resistência e Fase de Exaustão. Não é necessário que a fase se desenvolva até o final para que haja o estresse e é evidentemente só nas situações mais graves que se atinge a última fase, a de exaustão. A Reação de Alarme subdivide-se em dois tempos: choque e contra-choque. Parte dessa reação assemelha-se à Reação de Emergência de Cannon. Ele percebeu que quando um animal era submetido a estímulos agudos ameaçadores da homeostase, inclusive medo, raiva, fome e dor, o animal apresentava uma reação em que se preparava para a luta ou fuga. Esta reação caracteriza-se por:
Tais reações são desencadeadas por descargas adrenérgicas da medula da glândula supra-renal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares do sistema nervoso autônomo simpático Em estudos realizados com seres humanos, Funkestein descobriu que a raiva dirigida para fora estava associada à secreção de noradrenalina, enquanto a depressão e a ansiedade associava-se a uma secreção de adrenalina. Paralelamente, é acionado o eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal que desencadeia respostas mais lentas e prolongadas e que desempenha um papel crucial na adaptação do organismo ao estresse a que está sendo submetido. O estímulo agudo provoca a secreção no hipotálamo do hormônio "corticotrophin releasing hormone", que por sua vez determina a liberação de ACTH da adeno-hipófise, além de outros neuro-hormônios e peptídeos cerebrais, como as beta-endorfinas, STH, prolactina etc. O ACTH desencadeia a síntese e a secreção de glicocorticóides pelo córtex da supra-renal. Estabelece-se então um mecanismo de feedback negativo com os glicocorticóides atuando sobre o eixo hipotálamo-hipofisário. Estas reações são mediadas pelo sistema diencéfalo-hipofisário, visto que não surgem em animais de experimentação que tiveram a hipófise ou parte do diencéfalo destruídos. Se os agentes estressantes desaparecerem, tais reações tendem a regredir; no entanto, se o organismo é obrigado a manter seu esforço de adaptação, entra em uma nova fase, que é chamada Fase de Resistência, que se caracteriza basicamente pela reação de hiperatividade córtico-supra-renal, sob mediação diencéfalo-hipofisária, com aumento volumétrico do córtex da supra-renal, atrofia do baço e de estruturas linfáticas, leucocitose, diminuição de eosinófilos e ulcerações. Se os estímulos estressores continuarem a agir, ou se tornarem crônicos e repetitivos, a resposta basicamente se mantém, mas com duas características: diminuição da amplitude e antecipação das respostas. Poderá ainda haver falha nos mecanismos de defesa, com desenvolvimento da terceira fase, que é a de Exaustão, com retorno à Fase de Alarme de Cannon, dificuldade na manutenção de mecanismos adaptativos, perda de reserva energética e morte. As reações de estresse resultam, pois, de esforços de adaptação. No entanto, se a reação ao agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente e/ou prolongado, poderá haver, como consequência, doença ou maior predisposição ao desenvolvimento de doenças. Pois a reação protetora sistêmica desencadeada pelo estresse pode ir além da sua finalidade e dar lugar a efeitos indesejáveis, devido à perda de equilíbrio geral dos tecidos e órgãos e defesa imunológica do organismo. É oportuno lembrarmos mais uma vez Levi (1971): "o ser humano é capaz de adaptar-se ao meio ambiente desfavorável, mas esta adaptação não ocorre impunemente". O perigo parece ser maior nas situações em que a energia mobilizada pelo estresse psicoemocional não pode ser consumida. Aliás, Seyle nos lembra que as doenças de adaptação são predominantemente consequências do excesso de reações de submissão. As colocações acima podem ser mais facilmente comprovadas nas doenças em que notoriamente há um componente de esforço de adaptação, como, por exemplo, nas úlceras digestivas, nas alterações da pressão arterial, crises hemorroidicas, alterações inflamatórias do aparelho gastrintestinal, alterações metabólicas várias etc. O estresse pode ser físico, emocional ou misto. O estresse misto é o mais comum, pois o estresse físico (associado a eventos como cirurgias, traumatismos, hemorragias e lesões em geral) compromete também o emocional já que a dor induz a estados emocionais bastante intensos. O estresse emocional resulta de acontecimentos que afetam o indivíduo psiquicamente ou emocionalmente, sem que haja relação primária com lesões orgânicas. O estresse misto se estabelece quando uma lesão física é acompanhada de comprometimento psíquico (emocional) ou vice-versa. Öhman, Esteves e Parra (1995) apontam três categorias de acontecimentos estressantes. Na primeira categoria encontram-se aqueles que impõem grandes exigências à capacidade de enfrentamento de uma pessoa e ocorrem com pouca freqüência, como por exemplo, a morte de um ente querido, a perda de um emprego, ser aprisionado etc. Os pequenos acontecimentos estressantes, chamados de problemas do cotidiano constituem a segunda categoria e acontecem com maior frequência na vida das pessoas. Na terceira categoria encontram-se os conflitos contínuos da vida: problemas de casais, desemprego prolongado,dificuldade de educar os filhos, etc. Entretanto, as pessoas diferem quanto à sua forma de reagir aos desafios impostos pela vida. Enquanto algumas são capazes de superar uma perda altamente significativa, outros podem dar início a um transtorno psiquiátrico diante de um acontecimento estressante de menor gravidade. Assim, as variáveis individuais desempenham um papel decisivo na formação de um problema psicópatologico. Além dos acontecimentos estressantes da vida, Barlow (1993) sugere a existência de uma vulnerabilidade biológica e uma vulnerabilidade psicológica necessárias para a formação de um transtorno de ansiedade. A vulnerabilidade biológica refere-se a uma tendência herdada a manifestar ansiedade. Algumas pessoas reagem com uma ativação fisiológica maior aos acontecimentos estressantes. Mas essa resposta fisiológica é pouco específica, não determina por si só, se uma pessoa desenvolverá transtorno de ansiedade ou que tipo de transtorno de ansiedade ou que tipo de transtorno poderá ocorrer. A vulnerabilidade psicológica corresponde a uma percepção de imprevisibilidade em relação ao mundo, que é aprendida, a partir da relação familiar e das experiências de vida. Assim, se uma pessoa possui o componente biológico e desenvolve o componente psicológico, ela estará predisposta a sofrer de um transtorno de ansiedade, à partir do momento em que surgirem os acontecimentos estressantes da vida, os quais funcionam com o estímulo disparador que conduz a um transtorno de ansiedade. |