Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (II)

10.1) A Acupuntura e sua ocidentalização

Por outra parte, podem ser feitas desde cirurgias de grande porte até analgesias de traumatismos localizados apenas com a inserção de umas poucas agulhas muito finas, flexíveis e maciças, de ouro, prata ou aço inoxidável, em pontos localizados precisamente (por uma tradição milenar que nada sabia de sofisticações tecnológicas) sobre a trajetória de linhas verticais "imaginárias" do corpo.

A acupuntura, "arte milenar de curar as doenças e promover a saúde por meio do manejo da energia do corpo", consegue produzir anestesias e analgesias que por muitas décadas permaneceram inexplicadas e inexplicáveis para a ciência ocidental. Fez-se de tudo até dissecações variadas e múltiplas de corpos em busca da existência anatomorfológica dos meridianos, os canais condutores do Chi, mal sucedidas.

O interesse cada vez mais aguçado do Ocidente em relação a esta milenar arte/ciência de curar, anestesiar e analgesiar sem recurso a nada além da mobilização da própria energia vital, o Chi, de pessoas e animais, aliado ao avanço tecnológico ocidental (que permitiu o registro de medições cada vez menos grosseiras) está se conseguindo desvendar, para a forma de pensar e apreender os fenômenos no Ocidente, alguns dos mecanismos de ação da acupuntura.
A evidência de sua eficácia anestésica/analgésica com procedimentos pouco invasivos, a torna uma das formas mais seguras, práticas e de baixo custo para proceder até às intervenções cirúrgicas de grande porte.

Os japoneses, em meados da década de 50, provaram que existe uma variação na eletrocondutividade da pele, e ela é maior nos locais correspondentes aos chamados "pontos de acupuntura" (localizados sobre meridianos) descritos pelos antigos chineses. A descoberta permitiu avaliar a energia dos meridianos com um aparelho simples: um medidor de microampères. Entretanto, por aí não se consegue uma explicação compatível com a ciência que fazemos. A acupuntura, na aplicação da ciência ocidental, funciona em caso de dor porque ela ajuda o cérebro a liberar endorfina, o analgésico natural do organismo. Isto foi comprovado experimentalmente mediante a punção de amostra sangüínea de um sujeito após tratamento de acupuntura, a qual evidenciou presenças de endorfinas, como no caso das experiências da Dra. Maria Lico na USP-Ribeirão Preto, estimulando a polpa dentária de ratos.

Descobriu-se também correlações das estimulações das agulhas com ativação das fibras grossas que fecham a porta da dor. Hoje, com suporte das novas tecnologias, a técnica sofreu alterações. Além das agulhas, utilizam-se eletrodos cutâneos através dos quais se faz circular uma corrente elétrica, ou aplicação de raio laser.

Outra alteração introduzida no uso ocidental da acupuntura, consiste na preferência do uso da técnica considerada mais rudimentar pelo acupunctures tradicionais, a saber, o uso da acupuntura local e não a sistêmica.

A local consiste em colocar o estímulo (agulhas ou eletrodos) na região dolorida ou que se quer anestesiar. No caso da ação sistêmica, mesmo a estimulação de pontos distantes do nervo correspondente à região dolorida produz o alívio da dor. Explica-se esse fato supondo que a estimulação (com ou sem agulha) exerce uma ação dupla. A primeira, local, poderia ser atribuída à liberação local de algum tipo de endorfina, pelas terminações dos nervos sensitivos. A segunda, geral, decorreria da liberação da mesma ou de outra endorfina no SNC, ativando regiões analgésicas do sistema da rafe. Além disto há a ação em locais distantes explicadas pelo efeito da teoria do portão, particularmente no caso de dor referida.
Por outro lado, sabe-se que a acupuntura não produz profunda analgesia, o que consiste uma vantagem operatória para os médicos chineses, ao ponto que podem orientar a cirurgia, mostrando os pontos mais dolorosos.