Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Panorama do sono e dos sonhos

2 - AS FASES E A ESTRUTURA DO SONO
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  • "Devemos examinar, à propósito do sono e da vigília, aquilo que eles são de fato; se são próprios à alma e ao corpo ou, ainda, se são comuns a um e outro(...)". (Aristóteles)
  • Para falarmos sobre as fases do sono é coerente começarmos pelo adormecer, que se caracteriza por ser o momento de transição entre o estado de vigília e a primeira fase do sono que seria uma vigília descontraída. Tanto esta fase de transição como as seguintes só puderam ser distinguidas e analisadas através de um critério padronizado, incluindo registros de ondas cerebrais pelo eletroencefalograma (EEG). O EEG durante a vigília mostra "atividades cerebrais não sincronizadas, inconstantes e rápidas, de baixa voltagem, flutuando rapidamente entre 20 e 25 ciclos por segundo" 4, 5. Esta fase vai ser sucedida pela vigília descontraída, que é caracterizada pelo ritmo alfa, ondas cerebrais com uma amplitude relativamente grande e uma freqüência de 8 a 13 ciclos por segundo. Quando adormecemos a amplitude das ondas vai aumentando e o rítmo vai caindo para 4 a 6 ciclos por segundo, e neste momento podemos passar então para o adormecimento propriamente dito, onde teremos uma diminuição progressiva do ritmo alfa e o aparecimento gradual de ondas "teta", de mais baixa freqüência. Num segundo estágio superficial do sono, ocorre diminuição progressiva do ritmo intercalados com "fusos": "rajadas de ondas de maior amplitude, indicando que grupos de células corticais dispararam em uníssono"5 e seguidas de ondas "alfa".

    Para que o indivíduo chegue a este estágio é necessário que o ambiente esteja propício para ocorrer o sono, ou seja, com um mínimo de ruído possível, temperatura e iluminação adequada etc, pois até este momento o limiar de despertar conserva-se baixo. Durante até essa fase de sono lento, o tônus muscular é mantido e o indivíduo ainda se encontra receptivo às informações do meio exterior.

    Estas duas fases são como uma preparação para que o indivíduo possa então passar para os terceiro e quarto estágios, conceituados como sonos profundos, onde através do EEG teremos registros majoritários de grandes amplitudes e lentas ondas delta, ondas de 3 a 4 Hertz. Do ponto de vista físico estes são os estágios mais reparadores.

    Aqui se encontra a fronteira que "separa" o sono REM (Rapid Eyes Movements) ou MOR (Movimentos Oculares Rápidos) dos outros. Dois fenômenos que neste momento vão ocorrer, uns tônicos e outros fásicos. Cabendo aos fenômenos tônicos: a responsabilidade sobre as ondas cerebrais que vão representar uma atividade cortical e subcortical rápida, contínua e de baixa voltagem, atividades essas que se assemelham às encontradas no estado de vigília, significando também intensa atividade cerebral não reiterativa. Mas surpreendentemente, neste momento de EEG ativado, o limiar de despertar do indivíduo é muito elevado, por isto é também denominado sono paradoxal. Aí há também um desaparecimento total do tônus muscular. Estas ocorrências caracterizam uma grande isolação do ser humano do ponto de vista motor e sensorial, à exceção da audição, nossa última guardiã da nossa segurança.2

    Com relação aos fenômenos fásicos, "são representados por espículas de altas voltagem que começam na altura da ponte encefálica, nas proximidades dos núcleos oculomotores, passam pelo corpo geniculado lateral e atingem o córtex occipital, por isto o nome de atividade Ponto-Genículo-Ocipital (PGO). Estes fenômenos fásicos centrais são responsáveis pelos fenômenos fásicos/periféricos, tais como os movimentos oculares".1, 4, 5, 6

    Podemos sintetizar os estágios do sono apresentando suas características:5

    CARACTERÍSTICAS DOS ESTÁGIOS DO SONO NREM OU NMOR 1, 4, 5, 6

    Estágio 1 - É observado após a vigília e dura poucos minutos. O ritmo alfa da vigília, torna-se descontínuo e é substituído por atividade de baixa voltagem, de freqüência entre dois e sete ciclos por segundo, ondas "teta". O tônus muscular é menor do que em vigília, e os movimento oculares ocorrem aleatoriamente.

    Estágio 2 - considerado ainda o estágio de sono leve, onde fusos de 13 a 16 ciclos por segundo aparecem com duração de pelo menos meio segundo e predominam em regiões centrais e frontais, seguidos de ondas alfa e aumento de ondas "teta".

    Estágios 3 e 4 - Sono de ondas lentas propriamente dito, com acentuada presença de ondas delta. O sono é mais profundo, ou seja há limiares altos para acordar. Estes predominam na primeira metade da noite, diminuindo ou desaparecendo nas últimas horas.

    CARACTERÍSTICAS DO SONO REM, MOR OU PARADOXAL

    A freqüência do EEG acelera-se e é semelhante ao da vigília.

    Há uma diminuição notável ou perda completa do tônus muscular, mas ocorrem movimentos oculares rápidos. 95% dos sonhos ocorrem neste estágio.

    A cada noite então percorremos sucessivamente todos os estágios do sono, partindo do mais leve (adormecer) até o mais profundo (sono MOR). Este ciclo dura em média 1,5 a duas horas. A primeira ocorrência do sono paradoxal aparece em média 100 minutos após o adormecer e dura aproximadamente 10 minutos e caracteriza o primeiro sub-ciclo do sono. Em seguida sobrevem um segundo sub-ciclo, que vai terminar com uma fase MOR de 15 a 20 minutos. Em adultos, o sono noturno é composto de quatro a seis ciclos infradianos, ou sub-ciclos. Ao final da noite o sono paradoxal terá constituído 29% da duração total do sono, ou seja, cerca de 150 minutos.3

    Isto nos leva a pensar e levantar uma proposição de caráter funcionalista. O processo do sono então caracteriza-se por uma seqüência que sugere uma regularidade e que vai culminar justamente com o sono MOR. Neste estágio, o indivíduo se encontra num estado ativo de recuperação mental e psicológica, abrigado por um profundo relaxamento do tônus muscular e desconectado das informações sensoriais presentes no meio externo, exceto a audição. Neste instante se pode então mergulhar nos sonhos. Neste estágio vão aflorar um oceano de emoções e então se pode perceber e se conscientizar do seu verdadeiro eu, detectando assim os problemas que precisam e podem ser trabalhados através dos sonhos.

    Racionalmente, o homem conseguiu fazer um grande percurso, no entanto, emocionalmente ainda somos primitivos, como nos afirma Daniel Goleman: "Nos dias de hoje, é flagrante a crise que a humanidade atravessa. Crimes hediondos, suicídio, abuso de drogas são sinais alarmantes de uma sociedade emocionalmente doente. Tudo isso é reflexo de uma cultura que só apostou no intelecto, relegando ao esquecimento o lado emocional do indivíduo" 7.

    O controle das emoções, como o do sistema visceral é de difícil acesso e percepção. É nesse momento que se apresenta a importância dos sonhos, como a dádiva que a natureza, a fim de que pudéssemos, através das experiências vivenciadas a cada noite, entrar em contato conosco mesmo e desta forma aprendemos a lidar com nossas emoções, profunda e obscuramente entranhadas em nosso organismo.