Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Sobrevôo: da ontogênese, passando pela infância e se detendo na velhice

3.7) Perspectivas atuais e futuras da velhice

O estudo da atividade enzimática e determinação da concentração de neurotransmissores ou de seus receptores foi realizado o mais próximo possível da morte. O tempo decorrido entre a morte, a necropsia e o preparo dos tecidos para estudo pode ser crucial, pois as alterações que se processam nos tecidos após esta morte interferem nas determinações, alterando-as. Assim, os conhecimentos atuais ainda não permitem uma elucidação completa.

Várias pesquisas estão sendo feitas e o conhecimento vai evoluindo. Daqui a um tempo, teremos menos dúvidas e menos doenças incuráveis. As descobertas vão evoluindo a cada dia, acarretando a mudança de vida dos indivíduos, sobretudo nos países do 1° Mundo. As pessoas têm uma vida muito corrida e agitada devido a toda cobrança e competição da sociedade atual, do meio de trabalho, família etc. Toda a má qualidade de vida dos indivíduos faz com que o organismo tenha que se privar de certas necessidades, como por exemplo o sono. Isso gera o aumento da senilidade nos dias atuais. (Ver artigo 2.23 e monografia sobre: Panorama do sono e do sonho, neste sítio da Internet).

Precisamos pensar a velhice com uma perspectiva de totalidade sócio- biológica, mais do que só um fato biológico. A velhice é um fenômeno com várias dimensões e complexidade, incluindo por fatores políticos, sociais, econômicos e culturais. A capacidade de produzir, a questão econômica, costuma-se sobrepor todas as demais fazendo, inclusive, com que a valorização da vida humana se faça à partir de critérios meramente materiais. A pessoa humana atualmente só é importante enquanto integrada ao sistema produtivo e contribuindo para a expansão do capital. Um sistema de vida cruel e mutilador: um sistema que não oferece á imensa maioria de seus componentes o menor incentivo para viver. Que antecipa a morte das pessoas que envelhecem.

No nosso dia-a-dia estamos diante de um paradoxo: a mesma sociedade, que promove o prolongamento da existência humana, também a mata lentamente, por falta de condições adequadas de vida, muitas vezes dificultando a mera sobrevivência.

O idoso não pode ser visto como um jovem envelhecido, denegrido e despersonalizado porque destituído das propriedades e atributos que lhe eram característicos, mas sim algo substancialmente diferente, com qualidades próprias, como sujeito.

Vigora no âmago da sociedade brasileira, e de muitos outros países, pressuposto que se baseia na produção e no consumo em massa. O jovem é aí facilmente encaixado e absorvido por toda esta engrenagem, mas onde fica o velho neste contexto? Investir no velho parece ser de um retorno menor, pois ele deverá em média viver menos, mas não necessariamente. A solução mais fácil aí é excluir o velho, deixá-lo à margem desta sociedade, a fim de que sua imagem não denuncie às consciências mais despertas de alguns jovens o que o futuro lhes reserva. A velhice é um entidade abstrata que abarca em si partes que não são só suas, mas que fazem parte do mundo interno de cada um de nós.

A sociedade usa a força de trabalho do jovem. Mas, quando estas mesmas pessoas atingem uma idade um pouco mais avançada, são automaticamente excluídas do trabalho e das relações que este abarca. É como se de repente estas pessoas, outrora tão úteis e necessárias, não existissem mais. São esquecidas e relegadas à margem do mundo, à espera da morte. Ao se tornar velho, o trabalhador já não encontra lugar na Terra, porque nunca lhe foi concedido lugar algum: ele, simplesmente, ainda não havia tido tempo para perceber.

Assim a questão da velhice é menos individual e orgânica e mais social e cultural, aspecto este que é massacrado pela introjeção de tais valores externos que passam assim a fazer parte integrante de cada sujeito.

O choque entre indivíduo e a sociedade, deflagrado pela queda na produtividade, é consumado quando se cristaliza diante do trabalhador o terror mais arrasador: a aposentadoria. Esta pode ser pensada dialeticamente, como um descanso merecido após vários anos de trabalho ou como um descarte, uma exclusão devido à inutilidade. O indivíduo perde o convívio do grupo e isso acarreta a perda do amor de que tais relações dão conta e por aí seguem a solidão, a autodepreciação e a tendência à depressão. Também os vínculos sofrem alterações em suas bases: a posição de independência é trocada pela dependência. O convívio proporciona também a reciclagem dos padrões de comportamento, viabilizando a mudança e a conseqüente evolução do sujeito.

A morte é algo muito presente para o idoso, o angustia e precisa ser trabalhada. A única forma de se preparar alguém para "morrer bem", ou seja, aceitando este fato como natural, é ensinando-o a viver bem. Assim sendo, quem está ciente de ter um saldo positivo na balança da vida cujos investimentos realizados podem se reverter em ganhos significativos, pode esperar a morte com menos angústia e com a certeza de que se perpetuará na espécie, onde sua continuidade estará assegurada. Porém, aquele cuja existência está destituída de um significado, enfrenta face à morte, a angústia e o desespero de quem viveu estéril e improdutivamente.

O que vale na vida é a vida interior, são os pensamentos, são as sensações, são as esperanças. A morte não é privilégio da velhice. Morre-se em qualquer idade.

A vida é o corpo em movimento. Mesmo lento, no corpo do idoso não deixam de o perpassar por desejos, por sonhos, por fantasias, por possibilidades de viver bem etc. A velhice necessariamente não precisa impedir que a pessoa faça tudo o que sempre fez; o que importa é a qualidade do que é feito e como se faz.

Com estas preocupações admitimos que temos que sonhar para vislumbrar outra realidade mais promissora. Sonhos estes que devem ser percebidos no íntimo de diferentes pessoas, instituições, donos do poder etc, pois todos poderão passar por isto. Sonhos que possam ser traduzidos em ações, por todos aqueles que acreditam na velhice como mais outra fase realizadora na vida. Isso não custa tanto assim, é só começar cada um fazendo a sua parte.