Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997 |
6) DOENÇAS ORGÂNICAS QUE GERAM DISTÚRBIOS MENTAISEncarar a conduta aberrante como doença é relativamente recente. Somente no século XII é que a custódia dos alienados de responsabilidade da igreja para a nascente Psiquiatria. Hoje é sabido que a postura oficial é medicalização, mas ainda hoje coexiste outra concepção.Dentro da Psiquiatria houveram correntes técnicas que estiveram influenciando. Nos anos setenta, teve uma corrente anti-psiquiatra, que dizia que a doença é meramente uma fabricação ou uma rotulação da pessoa cuja conduta desvia da ordem estabelecida. Para a Psicologia Experimental, conduta aberrante seria o resultado de aprendizagem inadequada, podendo ser igualmente corrigida com técnicas de condicionamento.A corrente Psicanalítica influenciou a Psiquiatria durante a primeira metade deste século e enfatizou os dinamismos intrapsiquicos. A corrente da orientação social, décadas 60 e 70, a ordem social imperfeita seria a causa das doenças mentais. Havia certas doenças que eram consideradas unicamente como doenças mentais e hoje sabe-se que tais doenças têm causa orgânica ou hereditária e como sintomas apresentam desajustes psíquicos. É o caso da pelagra, doença de Parkinson, fenilcetonúria e paralisia geral progressiva.
Hoje a Psiquiatria não se preocupa com tais doenças pois tem causas definidas e tratamento apropriado. São patologias orgânicas com manifestações psiquiátricas. No caso da esquizofrenia, não há patologia clássica e nem há lesão definida, embora estudos recentes têm encontrado alterações morfológicas, como a redução do tecido nervoso e desorganização neuronal, e alterações neuroquimicas, como diminuição do número e da sensibilidade de moléculas receptoras do neurotransmissor glutamato. Seria uma explicação neuroquímica no lugar de uma anatomopatológica. Para distúrbios de ansiedade, seria mais difícil aplicar o conceito de doença, a psicopatologia considera plausível que o ser humano possa reagir de modo padronizado a sinais de perigo, peculiar da espécie e o exagero de tais reações possa estar na raiz de medos emocionais e fobias. No que se refere à doença, há uma idéia de múltipla causalidade, muito difundida, não há gene ou carácter algum que expresse em 100% dos casos. Estudo sobre a esquizofrenia mostram uma hereditariedade de no máximo 70%. No distúrbio de ansiedade generalizada o fator genético pesa pouco. Na esquizofrenia a análise multifatorial não parece favorecer a Psicanálise. As evidências mais recentes sugerem que a esquizofrenia deve-se a um desvio do desenvolvimento neural precoce provavelmente durante o segundo semestre de gravidez, que leva à alteração da organização cerebral no adulto, como podem atuar fatores genéticos e também infecções viróticas, deficiências nutricionais e outros fatores ambientais, porém não necessariamente psicológicos. A organização cerebral distorcida geraria desequilíbrio funcional entre os dois hemisférios cerebrais caracterizado por um hiperfuncionamento defeituoso no hemisfério esquerdo, levando a uma disfunção na esfera do pensamento. Essa determinação não psicológica pode explicar o relativo insucesso da psicanálise no tratamento de esquisofrênicos. Porém o estresse psicológico pode agravar ou precipitar surtos de esquizofrenia. Paradoxalmente, o fato de haver alterações funcionais orgânicas ou até causa orgânica, não significa que o tratamento deve ser orgânico. Se existem causas psicológicas não quer dizer que o tratamento deva ser psicológico. Na ansiedade e depressão há disfunção orgânica mas isso não significa que a causa seja orgânica. Birman (1983), psicanalista, expôs pontos que um psiquiátra clínico discorda, como divisão dos transtornos mentais em neuroses e psicoses, onde o primeiro teria causa psicológica e tratamento psicológico e o segundo, teria causas orgânicas, e tratamento pelo psiquiátra e com medicamentos. Essa divisão acabou na Psiquiatria moderna. Até mesmo o uso dessas palavras foram abolidos por causa da conotação dúbia. A cura das doenças mentais entendida como restabelecimento de um equilíbrio prévio é uma definição médica e não existe em psiquiatria. Falar de cura na Psiquiatria é mais problemático do que qualquer campo da medicina. Na ansiedade e depressão, com o lítio e os antidepressivos obtêm-se remissão de 2/3 dos casos. Já na esquizofrenia diferentes níveis de melhora podem ser alcançados, mas não a recuperação total. Na Psicanálise a cura é problemática por causa dessa idéia de restauração do estado anterior ao acontecimento. O que ela propõe para o indivíduo é que se torne mais flexível com maior capacidade de superar obstáculos que se impõe. |