Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

O Estresse e as Doenças Psicossomáticas

2.7.4) O córtex da supra-renal

A camada cortical da adrenal secreta os corticosteróides, composição formada por três famílias de hormônios: os mineralocorticóides, os glicocorticóides e os andrógenos. Mas são os glicocorticóides (GC) que têm importância primária nos estados de estresse e na sua composição encontramos em maior quantidade o cortisol (95%), apresentando em similares como hidrocortisona, corticosterona e a cortisona.

O efeito mais pronunciado do cortisol é sua capacidade de aumentar a taxa de glicose sangüínea pela neoglicogênese, mas também tem importante ação sobre o sistema cardiovascular, sistema nervoso central, sobre outras glândulas e sobre as respostas inflamatória e imunológica.

Os GC ativam em menor grau a dissolução das gorduras em reserva no tecido adiposo, além de inibirem a lipogênese, dando lugar à formação de ácidos graxos, que serão captados pelo fígado e possibilitam o aumento do colesterol circulante, com todos efeitos de anterior clerose previsíveis. Então é bom que se lembre, que não basta fazer dieta, por que o estresse produz o mesmo efeito. Este efeito é mais pronunciado nas extremidades do corpo. Quantidades excessivas deste hormônio produzem quadros de distribuição irregular da gordura, distribuição centrípeta, com maior acúmulo na região toráxica e cervical.

Todos esses mecanismos de emergência (glicogênese, lipólise, deposição de glicogênio no fígado, aumento de colesterol etc.), em conjunto protegem o organismo da hipoglicemia e facilitam a estocagem de glicogênio. No aparelho cardiovascular agem reforçando a ação das catecolaminas, pois aumenta o tônus vascular e a força de contração do miocárdio, mas representam uma agressão ao coração. Inibe a síntese das prostaglandinas e prostaciclinas contribuindo para o restabelecimento do volume sangüíneo e da pressão arterial em casos de hemorragias.

O efeitos sobre o sistema nervoso vão desde a regulação de vários processos básicos de crescimento e diferenciação celular até alterações na atividade eletrofisiológica, além de influenciar padrões de do sistema límbico como o hipocampo a área septal, os núcleos basal e humor, motivação e aprendizagem. Ligam-se em pontos específicos do cérebro, em estruturas cortical da amígdala e o indusium griseum.

Fora do sistema límbico, os GC concentram-se a nível do neocórtex, no cerebelo, no núcleo olfatório anterior e nas lâminas III, VII e IX da substância cinzenta da medula.

Influenciam a diferenciação e o desenvolvimento dos sistemas de neurotransmissores. Agem como reguladores de sistema de catecolaminas, pois aumentam a síntese de certas enzimas relacionadas com a produção das mesmas e induzem a transformação de noradrenalina em adrenalina, portanto diminuindo a agressividade e capacidade de defesa e aumentando a passividade no quadro estressante.

Além desses efeitos sobre as catecolaminas, os GC aumentam a síntese da triptofano-hidroxilase, enzima relacionada com a produção de serotonina no cérebro e mesencéfalo, sendo que o estresse aumenta a sensibilidade dos receptores serotoninérgicos, principalmente no córtex frontal, aumentando a excitação e preparando para quadros depressores.

Os GC apresentam um grau considerável de especificidade em relação à regulação hormonal da diferenciação celular em vários tecidos. Têm um efeito negativo no crescimento do cérebro e na proliferação das células que compõem o tecido nervoso. A exposição prolongada de células cerebrais aos GC, ou a taxas altas desses, provoca decréscimo do peso cerebral e diminui seu conteúdo em DNA, sugerindo uma diminuição em seu número de células. Interfere negativamente na formação das sinapses, pois provoca um retardo no crescimento dos dendritos corticais e reduz os níveis de gangliosídios cerebrais, que são essenciais nos processos neuronais. Nessa condição, o cortisol inibe a secreção do hormônio do crescimento pela hipófise, das iodotirosinas pela tireóide, tem efeito mineralocorticóide, aumenta a secreção de gastrina e interfere na absorção eletrolítica a nível intestinal.

Na fase neonatal tudo isso tem aspectos drásticos, pois o estresse intenso pode resultar em uma variedade de déficits, como conseqüência de sérios danos a nível de sistema nervoso central, pois o processo de desenvolvimento normal deste sistema vai sofrer interferência abrangente dos GC, podendo gerar sérias mudanças neuroquímicas e neuroanatômicas. Qualquer tratamento que envolva a administração de glicocorticóide na fase neonatal ou de crescimento também terá conseqüências drásticas. Mas dependendo do tempo de administração e da dose, os GC podem acelerar ou retardar a maturação funcional.

É possível que a grande importância do aumento destes hormônios e o conseqüente aumento das respostas durante o estresse sejam possibilitar, a nível cerebral, a comutação de um estado "distrófico" (estressado) para um estado "eufórico", criando condições compatíveis com as necessidades do momento, permitindo o restabelecimento das capacidades cognitivas e que o indivíduo se torne capaz de enfrentar o estresse.

O cortisol também tem importante papel na diminuição da defesa do organismo pela sua resposta anti-inflamatória, em contraponto à reação de defesa inflamatória produzida por hormônios como aldestorerona e desoxicorticosterona. Influencia também as respostas imunológicas, bloqueando a síntese de interferon, inibindo as interleucinas o que leva à supressão das respostas mediadas por linfócitos T, a síntese de prostaglandinas e leucotrienos por inibição do ácido aracdônico, mediador das respostas inflamatórias imunes.

Nos estados de estresse as catecolaminas, cuja liberação se segue ao aumento de atividade do sistema nervoso simpático, constituem o primeiro mecanismo hormonal com que o organismo lança mão como suporte glicemico, seguido por liberação do GC em fases posteriores. Ambos são fundamentais, necessários para o desempenho das atividades, principalmente cerebrais, que são de grande importância durante a Síndrome geral de adaptação.

O nosso organismo tem mecanismos muito eficientes para nos sustentar quando somos submetidos a situações estressantes, mas esta eficiência pode falhar no caso de estimulações muito intensas ou muito prolongadas, capazes de tornar o organismo inábil em promover o seu equilíbrio. Então, surgem vários distúrbios orgânicos característicos da fadiga, como cefaléia, taquicardia, mãos frias, mudança de apetite, cansaço muscular, falhas de memória, distúrbios sexuais, má digestão, etc. As doenças psicossomáticas são muito comuns como resultado ou complicações dos estresses psíquicos. Os estressados crônicos apresentam uma variedade de distúrbios que podem culminar com quadros de complicações como: infarto do miocárdio, úlceras pepticas, doenças circulatórias, envelhecimento precoce etc.