Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (I)

5) ASPECTOS COGNITIVOS E AFETIVOS DA DOR

Variados estudos psicológicos e antropológicos têm demonstrado que, pelo menos nas espécies superiores, a dor não depende exclusivamente do grau de lesão orgânica. Em vez disso, que a intensidade e o caráter da dor que se sente são também influenciados pelas experiências anteriores, as recordações que delas temos e a capacidade de compreender as suas causas e conseqüências.

As primeiras experiências do indivíduo influenciam o seu comportamento perante a dor, quando adulto. Reconhece-se, igualmente, a profunda influência das atitudes dos pais sobre a criança: algumas famílias ficam muito agitadas com pequenos golpes e contusões insignificantes, enquanto que outra têm tendência a dar pouca atenção a ferimentos de certa gravidade. As observações cotidianas levam a pensar que as atitudes perante a dor, adquiridas na infância, persistem na idade adulta.

O grau de atenção, ansiedade, distração influenciam no sistema da dor. Se uma pessoa concentra a atenção numa situação potencialmente dolorosa, tende a sentir dores mais intensas do que o normal. A expectativa da dor é o bastante para aumentar a ansiedade e conseqüentemente a dor sentida. E, quando se acalma a angústia, dizendo à pessoa que ela tem a capacidade de controlar os estímulos, a percepção dolorosa para um determinado estímulo é menor do que no estado de acentuada intensidade.

Em contraste com o efeito amplificador da atenção sobre a dor, a distração pode diminuí-la ou abolí-la. Assim se explica, pelo menos parcialmente, porque boxers, futebolistas e outros atletas sejam, por vezes, gravemente feridos durante a excitação da competição, sem se aperceberem do seu estado.

Por muito tempo, pensou-se que a informação, por si só, constituía uma preparação psicológica suficiente para reduzir a incerteza e a ansiedade associada às grandes operações. Sabe-se atualmente que a informação, por si só, não faz senão aumentar a ansiedade, por causa da antecipação da dor e outros desconfortos. O essencial consiste em proporcionar ao doente um certo sentimento de controle, ensinando-lhe técnicas redutoras da dor e ansiedade. Estudos mostram que, quando os doentes são somente informados acerca da dor prevista, tendem a fixar sua atenção nos aspectos negativos do processo, o que contribui não para a diminuição mas para o aumento da sua intensidade. Pelo contrário, o ensino dos meios de a combater, como o relaxamento ou as técnicas de distração, aliviam o sofrimento. Então, a aquisição de um sentimento de controle parece atenuar simultaneamente a ansiedade e a dor.

Ressaltamos que a informação é essencial, mas que ela não pode vir sozinha, deve ser acompanhada de outras técnicas terapêuticas. Um exemplo é o "treino Lamaze", em que pretende o parto sem dor. Ele consiste em informações pormenorizadas à futuras mães, do que irá ser sua gravidez e parto, de um treino de relaxamento para ser aplicado quando as contrações uterinas aumentam de freqüência, duração e intensidade; estratégias de adaptação para distrair a atenção da dor e exercícios de respiração.

Um outro meio utilizado para diminuir a ansiedade é o placebo, uma substância não analgésica, normalmente solução salina ou açucarada, porque o paciente acredita que está efetivamente a tratar da sua dor. Outro fator que opera na reação ao placebo é a sugestão. Quanto maior for a sugestão, implícita ou explícita, de que a dor vai ser aliviada, maior será o alívio sentido pelo doente.

Reconhecido o importante papel dos fatores psicológicos na dor, várias síndromes foram denominadas "psicogênicas", com a implicação de que a causa primária seria psicológica. O que significa supor que o indivíduo tem dor porque tem necessidade ou porque deseja.

Os dados psicológicos suportam enfaticamente uma vertente da concepção da dor, como uma experiência perceptiva cuja qualidade e intensidade são influenciadas pela singularidade do passado individual, pelo significado que o indivíduo atribui à situação produtora de dor e pelo seu "estado de espírito" no momento.

Acredita-se que estes fatores intervêm sobre os impulsos nervosos que ascendem da periferia para o cérebro e nele circulam. Nesta perspectiva, a dor torna-se uma função do indivíduo considerado globalmente, incluindo os seus pensamentos e receios atuais, bem como sua esperança no futuro.

O reconhecimento da grande influência dos processos psicológicos sobre a dor, deu origem a uma grande variedade de técnicas psicológicas para a combater. Entre outra, pode-se citar o relaxamento, a retroação biológica, biofeedback, e as novas técnicas de hipnose. Não só cada um deles produz alívio, até certo ponto, em alguns indivíduos, como o uso combinado de várias técnicas tem proporcionado um sucesso crescente na luta contra determinadas formas, das mais cruéis e das mais rebeldes, de dor crônica.