Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (I)

3.1) Mecanismos analgésicos endógenos

Até poucos anos atrás, o sistema nervoso central era concebido como um emaranhado de neurônios organizados em circuitos fechados, conectados entre si em sítios especializados de oposição da membrana sináptica e com transmissão unidirecional. Excitados, seus terminais axônicos liberariam um mediador químico único que ativaria os neurônios seguintes a que estivessem ligados. Se fosse suficientemente intenso, o estímulo provocaria, por alguns milissegundos, uma variação de voltagem, ou potencial de ação, que conduziria a mensagem ponto a ponto.

Na realidade, cada neurônio pode funcionar como um sistema neurossecretor local, liberando peptídeos, cadeias de aminoácidos, que funcionam como hormônios. Atuam a curtas distâncias, alguns milésimos de milímetro, e nisto se diferenciam as células endócrinas, que vertem suas secreções no sangue e, através dele, atingem pontos muito mais distantes. Essa nova função neuronal é um elo intermediário entre a função da célula endócrina e da célula nervosa.

Na década de 70 descobriu-se que moléculas ligadas à membrana de certos neurônios cerebrais tinham grande afinidade por substâncias analgésicas derivadas do ópio. A existência de um "receptor cerebral" para os opiáceos, substâncias vegetais de uso analgésico milenar, estimulou a especulação acerca de uma possível síntese endógena de opiáceos nos organismos animais. A busca da "morfina endógena", empreendida por vários laboratórios, culminou finalmente, em dezembro de 75, na identificação, no tecido cerebral, de encefalinas, que apresentavam grande afinidade de ligação com receptores opiáceos.

Foram isolados da hipófise a betaendorfina e a dinorfina.

Chamadas genericamente de endorfinas, morfinas geradas no próprio organismo, essas substâncias pertencem ao grupo bioquímico dos peptídeos, que são seqüências curtas de aminoácidos. A família dos peptídeos é extremamente prolífica, não só pelo número crescente de moléculas ou precursores de moléculas que reúne, como pela possibilidade quase infinita de se sintetizar moléculas análogas por meio das técnicas, automatizadas da biologia molecular.

A metionona-encefalina e a lericina encefalina têm igual seqüência de aminoácidos, à exceção do último elo. Em especial, o anel benzeno e o grupo hidroxílico acoplado (OH) do componente tirosina assemelham-se bastante com os existentes na molécula da morfina, sugerindo que estas sobunidades interagem com o receptor o opiáceo em ambos os casos.

A estrutura da betalipotrofina humana, peptídeo encontrado na hipófise e constituído de 91 aminoácidos em cadeia. Essencialmente, toda atividade similar opiácea dos estratos hipofisários deriva da presença de uma porção de 31 aminoácidos desse peptídeo, chamada betaendorfina. Os primeiro cinco aminoácidos da betaendorfina têm seqüência igual à do opiáceo natural metionina-encefalina, localizado no cérebro.