Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (I)

2) CONCEITO DE DOR

A dor convencional faz parte dum sistema de alarme do corpo. Ela nos alerta para o fato de que alguma coisa está nos machucando. Ela nos compele a solicitar ajuda quando precisamos dela. A dor nos imobiliza quando estamos feridos, de modo que possa ocorrer a cura.

Na verdade, nunca se define "dor" de forma satisfatória. Foram feitas três tentativas recentes de definição. A primeira declara que "a dor é a experiência sensitiva provocada pelo estímulo que lesa os tecidos ou ameaça destruí-los, experiência definida introspectivamente por cada um, como o que magoa", Mountcastle (1980). Essa definição é insatisfatória pois, a relação entre a dor e a lesão tecidular é tão variável que não se poderia definir a dor exclusivamente em termos de lesão tecidular, ignorando a maior parte dos fatos clínicos e psicológicos conhecidos e não considerando a dimensão afetiva, a motivação e a cognição, como partes integrantes da experiência.

A segunda definição apresenta a dor como uma abstração que designa "1°- uma sensação pessoal íntima do mal; 2°- um estímulo nocivo que assinala uma lesão tecidular atual ou eminente; 3°- um esquema de reação destinado a preservar o organismo do mal", Sternbach, 1968. Essa definição é errada nos seus três aspectos. Definir dor como "sensação de um mal" ou "estímulos nocivos" confundem a causa e a experiência, o fato físico e o processo psicológico complexo.

Uma terceira definição é melhor, sem ser totalmente aceitável. Merskey e col. 1979 vêem na dor "uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tecidular real ou virtual, ou descrita em termos duma tal lesão." O grande mérito dessa definição baseia-se no reconhecimento explícito do caráter antes flutuante da relação entre dor e lesão, e na integração da dimensão afetiva da experiência dolorosa, que se junta à dimensão sensorial. O problema está na palavra "desagradável". A dor é muito mais do que desagradável, este qualificativo não implica a miséria, a angústia, o desespero e o sentimento de urgência que fazem parte de certas experiências dolorosas.

Pelo fato de ser a dor uma sensação íntima e pessoal, impossível conhecer com exatidão a dor do outro. Assim pela diversidade das experiências dolorosas, explica-se porque tem sido impossível, até hoje, encontrar uma definição definitiva e satisfatória da dor.

A palavra dor representa uma categoria de fenômenos compreendendo uma multidão de experiências diferentes e únicas, tendo causas diversas e caracterizadas por qualidades distintas, variando segundo um certo número de critérios: somato-sensoriais, viscerais, afetivos, culturais e cognitivos.

A dor possui várias intensidades, denominadas pelo próprio indivíduo. Ela pode ser ligeira, desconfortante, desolante, horrível e atroz. Esses adjetivos servem de "marcas" para determinar a intensidade geral da dor.

A dor pode ser classificada também, em termos temporais como:

  • Transitória: dores de curta duração na qual o dano real é quase inexistente ou reparável raramente se acompanha de intensidade.

  • Aguda: caracteriza-se pela combinação de lesão tecidular, dor e ansiedade. Por lapso de tempo muito curto entre o afrontamento com a causa do ferimento e a preparação para o restabelecimento.

  • Crônica: subsiste depois que cessou de cumprir uma função necessária, não é mais um simples sintoma de ferimento, é doença. Conduz à debilidade e gera, muitas vezes, uma depressão profunda. É um problema médico grave, em si, que exige uma atenção insistente.
    Na tentativa de entender um pouco melhor a "dor", procuramos descrevê-la em alguns dos seus mais variados aspectos.