III) MEDICINA DO TRABALHO

 

III.1) EFEITOS SINCRONIZADORES E PERTUBADORES DO RUÍDO

    A percepção de Schopenhauer previu há mais de um século as provas científicas de hoje ao afirmar: "O barulho é a tortura do homem de pensamento". O sono possui nobres funções como psicológicas, intelectuais, de memória, de humor e de aprendizagem. O sonho parece ser o período mais fecundo para consolidar traços mnemônicos e geradores de criatividade. Prejuízos causados a êle diminuem a capacidade das funções superiores do cérebro, condenando suas vítimas a cidadões de segunda classe (Jouvet, 1977; De Koninck et al, 1989; Pimentel-Souza, 1990 e 1991a).

    No sono há rítmos circadianos e os ultradianos nos seus estágios, daí a necessidade de ser regular. Assim, o aumento do período de vigília tende a reduzir o período de sono no mesmo dia, para manter o rítmo circadiano, mas no período seguinte o sono tende a recuperar sua duração. Há compensações na duração do sonho também, quando pára a sua privação (Cipolla-Neto et al, 1989; Pimentel-Souza, 1989). Quando se dorme menos do que a sua média, potencialmente o cérebro fica mais apto para funcionar com certos mediadores químicos que deveriam ter sido usados no sonho, ocorrendo curiosa compensação por ficar físicamente mais ativo durante o dia, mas reagindo menos intelectual e criativamente, e vice-versa (Jouvet, 1977; Santos e Carlini, 1983).

    O contínuo atraso do sono pelos horários de trabalho, viagens e variações do rítmo das atividades sociais, facilitadas pelo uso da luz elétrica e atrações noturnas, pode levar à constante insônia. É mais facil atrasar a fase do sono do que avançá-la, o que complica a regularização (Czeiler et al, 1981). Na síndrome de fusos horários das viagens internacionais, sob "jet lag effect", recomenda-se não tomar alguma decisão importante, até recuperar o humor e a capacidade mental ou não competir antes da readaptação fisiológica. Os operários de turnos e noturnos geralmente possuem um sono de má qualidade no período diurno, devido aos conflitos sociais e excesso de ruído diurno, provocando aumento da sonolência no período de trabalho noturno, muitas vêzes incontroláveis e responsáveis pelo maior número de acidentes entre 3 e 5 horas da manhã (Cipolla-Neto, 1989; Fischer et al, 1989a e b). O ruído é um grande sincronizador ou pertubador do rítmo do sono. Distúrbios do rítmo do sono produzem também sérios efeitos na saúde mental.

    O sono de todos indivíduos é sensível ao ruído. Vallet et al (1975a e b) e Friedmann e Chapon et al. (1972) encontraram, até 2 km de auto-pistas e aeroportos, em pessoas há vários anos "adaptadas", uma redução média de 35% na parte mais nobre do sono, os estágios profundos e paradoxal, quando o ruído médio aumentou de 43 para 55 dBA internos ou 77 dbA externos. Há uma queda linear no sono profundo na variação de 35 a 75 dBA, chegando a 79% de perda, com ruído branco em laboratório (Terzano et al, 1990). No mundo avançado cerca de 5% das insônias são causadas por fatores externos, principalmente pelo ruído, 10% são devidas à falta de higiene para o sono sobretudo nas duas horas que o precedem, isto é, comportamento inadequado para o sono sobretudo nas duas horas que o precedem, e 15% são resultantes da internalização no cérebro dos fatores pertubadores externos através do mecanismo de condicionamento aprendido involuntáriamente (ASDA, 1990). Um dos indicadores da m  qualidade de vida ambiental no Brasil foi revelado por Braz (1988) na cidade de São Paulo, onde 14% das pessoas atribuem suas insônias a fatores externos, das quais 9,5% exclusivamente ao ruído. O ruído através do estresse diurno e noturno deve causar também menor  higiene do sono, cujos efeitos são traiçoeiramente desapercebidos das pessoas por não terem efeitos imediatos e não deixarem rastro visível, num mundo moderno predominantemente visual, cujas informações são estimadas em 90% do nosso universo atual.

    O Centro de Estudos de Pertubações e de Energia, CERNE (1979) na França reconheceu que o ruído de baixos níveis permite adaptação. Mas, após vários anos, os déficits no sono, sob níveis de ruído de até 55 dB(A) internos, são cumulativos, mudando a estrutura do sono como fossem de pessoas envelhecidas precocemente. Pessoas de 35 anos estudadas estavam dormindo como se fossem de 55-60 anos não expostas ao barulho. Enfim, dormir e desempenhar mal não é necessariamente causado pela idade.

 

III.2) EFEITOS DO RUÍDO URBANO NAS ATIVIDADES DE VIGÍLIA

    Em qualquer horário o ruído elevado é pertubador. Um pulso de som de 90dB de apenas 20s desenvolve constrição periférica nos vasos sanguíneos quatro vêzes mais durável. Há perda de 30% da audição nos que usam "walkmen", toca-fita ou toca-disco 2 horas por dia a níveis próximos de 100 dB (Guilherme, 1991). Dr. Cataldo de BH tem constatado surdez súbita e irreversível em pessoas que assistem concertos de rock a mais de 100 dB, por efeito de vaso-espasmos no ouvido interno. A perda orgânica da audição pode ser causada não só por ruído industrial, mas também por ruído da vida diária como em jogos e lazer. Calcula-se que 10% da população do país possua distúrbios auditivos, sendo a rubéola respons vel por 20% dos casos (Melnick, 1980; Miziara, 1991; Celani et al, 1992). É comum encontrar-se o nível de 70 dB(A) no meio urbano, onde o brasileiro é obrigado a falar 30 vêzes mais elevado que o necessário, o que dificulta a comunicação, além de causar surdez ambiental (Pimentel-Souza, 1991b; Fiorini et al, 1992).

    64% das pessoas tinham queixas de ruído ou vibrações na França em 1976-1977 (CERNE, 1979), época em que Paris possuia valores cerca de 10dBA menores do que em BH de hoje. Entretanto, A França depois disso tem adotado medidas rigorosas para combater o ruído adotando normas europeias mais rígidas, comuns na Inglaterra e Alemanha, tornando seus veículos automotores mais silenciosos e outras medidas, inclusive como resultado das pesquisas de um órgão, o CERNE, criado no Ministério de Transporte para dedicar parte substancial de seu trabalho aos efeitos da Poluição Sonora (Briet, 1992). 2/3 da população da Alemanha sente-se incomodada pelo ruído do trânsito e mais da metade pelo dos aviões (Lukassowitz, 1991). àsses valores são da mesma ordem de valor encontrado pela SMMA em BH, onde o nivel médio de ruído diurno embora maior, 70 dB(A) em 1988, encontra uma população mais tolerante (Alvares e Pimentel-Souza, 1992), enquanto as pessoas no exterior parecem mais sensíveis a níveis mais baixos, inclusive por necesidades ocupacionais mais delicadas e modernas.

    Cantrell (1974) mostrou que descargas sonoras de 85 sôbre 70dB de fundo, nos períodos diurnos em forma de pulsos durante somente 3% do tempo, e só 50dB de fundo no período noturno, desencadearam, durante os 40 dias de experimento, um aumento do colesterol de 25% e do cortisol plasmático de 68%. Os pacientes eram jovens saudáveis de 20 anos, portanto os menos susceptíveis aos efeitos nocivos. Alguns efeitos do hipercortisolismo são diminuição dos linfócitos, do tecido linfático e da antitrombina e alta de trombócitos. Pelas reações fisiológicas conhecidas, a OMS considera então a 55 dB(A) o início do estresse auditivo (WHO, 1980). O estresse em estágios iniciais pode até ser usado beneficamente na medida em que funciona como excitante ocasional (Tufik, 1991). Mas, quando se torna crônico, êle começa a degradar o corpo e o cérebro, conduzindo à exaustão rapidamente (Bonamin, 1990). Nos trabalhadores tem sido constatado nesses últimos casos: efeitos psicológicos, distúrbios neuro-vegetativos, náuseas, cefaléias, irritabilidade, instabilidade emocional, redução da líbido, ansiedade, nervosismo, perda de apetite, sonolência, insônia, aumento da prevalência de úlcera, hipertensão, distúrbios visuais, alto consumo de tranquilizantes, pertubações labirínticas, fadiga, redução da produtividade, aumentos do número de acidentes, de consultas médicas, do absenteísmo etc (OIT, 1980; WHO, 1980; Gomes, 1989).

    O excesso de colesterol produzido pelo ruído justifica resultados como os do recente Congresso na Alemanha em que populações, submetidas a níveis entre 60 e 70 dB(A), tiveram 10% a mais de infarte e entre 70 e 80 dB(A), 20% (Babisch, 1991). Infelizmente, este é mais um fator de risco da maioria das pessoas dêsse país, agravando doenças cárdio-vasculares e infecciosas, a recuperação dos enfermos em geral e tornando mais fácil o adoecer dos sãos. O estresse crônico e distúrbios do sono, provocados pela Poluição Sonora, se realimentam mutuamente, aumentando a nocividade de ambos. Mas há casos dramáticos, que nem podem mais esperar. Dentro dum Centro de Tratamento Intensivo (CTI) em uso com janelas fechadas do Hospital das Clínicas da UFMG um de nós verificou mais uma vez em dezembro de 1990 um nível de ruído excessivo de 60 dB(A) às 17h antes do máximo de Poluição Sonora. Até os médicos residentes do turno se queixavam. Esta é a condição de muitos CTIs da capital. Infelizmente, este é mais um fator de risco da maioria das pessoas dêsse país, agravando doenças cárdio-vasculares e infecciosas, a recuperação dos enfermos em geral e tornando mais fácil o adoecer dos sãos. O estresse crônico e distúrbios do sono, provocados pela Poluição Sonora, se realimentam mutuamente, aumentando a nocividade de ambos. Haveria necessidade de baixar pelo menos 20 dB(A) para se chegar aos 40 dB(A) recomendados. A mais eficiente solução seria reduzir as fontes sonoras de 120 vêzes. -Mas, como?

    -Até que ponto parte dos 68% das infecções hospitalares em BH em 1989, considerados irredutíveis devido à queda da resistência imunológica, segundo Grupo Técnico de Infecções Hospitalares da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, podem ser atribuidos à Poluição Sonora? Como há maior susceptibilidade a gripes e dores de garganta sob estresse psicológico também deve-se esperar no auditivo (Cohen et al, 1991).
 

III.3) FONTES DE RUÍDO URBANO E SUGESTÕES PARA EVITÁ-LOS

    Ao contrário, criar barulho aqui é muito mais fácil. Os nossos veículos automotores são a maior causa de Poluição Sonora. O CONAMA está para adotar normas internacionais avançadas na produção automobilística para ganhar cerca de 12 dBA nos veículos novos. Ter-se-ia que inspeccionar eficazmente os escapamentos dos veículos usados, sua fluidez e congestionamento no trânsito. Centrais de carga deveriam ser criadas na periferia das metrópoles. Na Cidade só circulariam caminhões leves, mais silenciosos e em horas adequadas. A pavimentação das ruas e estradas poderia produzir menos ruído (Rapin, 1992).

    São também excessivamente ruidosos nossos aparêlhos elétricos e mecânicos, que ecoam pelos prédios, por isso não basta o "SELO DE RUÍDO" do INMETRO. Alguns setores industriais e boêmios estão mal localizados nas zonas residenciais. As atividades de algumas pessoas e autoridades desconsideram a questão, promovendo eventos ruidosos de dia e até pela noite. Alguns pais de nossa geração, para o psicólogo Gykovate (1990) se tornaram libertários, perdidos nos seus complexos, deixando também seus filhos desorientados e ambos desrespeitosos dos direitos alheios. É comum achar subjacente uma rude idéia, de que o homem teria de se adaptar a todas as mudanças do meio artificial, mesmo as hostis, em nome de uma marcha inelutável para um duvidoso "progresso". É uma ingenuidade, digna da famosa sátira de Voltaire (1949), pensar em solução mágica, contra milhões de anos de evolução biológica.

    -Não seria outro o diagnóstico, senão a precária saúde do Brasileiro, inclusive das classes mais abastadas? Como consequência, as cidades mais barulhentas do mundo são Rio e São Paulo (Azevedo, 1982, 1990) e, numa projeção o hiper-centro BH ficaria em quinto (Junqueira, 1990). O ruído diário de vias urbanas e nas casas frequentemente ultrapassam 90dB(A), mantendo um nível contínuo tão elevado quanto 60-80 dB(A) e trazendo para a maioria de seus habitantes avançados níveis permanentes de estresse. O nível de distúrbio de sono e suas consequências parecem comprovar a má qualidade ambiental sonora.

    O atraso de nosso urbanismo e construção civil e o ônus, muitas vêzes excessivo, ou a impossibilidade de remanejar prédios e cidades constituem grandes obstáculos para se defender bem do ruído (IPT, 1988). Os países avançados desistiram há muito da aglomeração urbana, em particular nas grandes cidades, fixando rígido controle de equipamentos e aumentado a fiscalização das atividades públicas e privadas. As paredes paralelas de residências e prédios, muito comuns em nossas cidades, aprisionam o ruído e constituem verdadeiras caixas de ressonancia (Gerges, 1991). Pisos flutuantes nos prédios evitam a propagação do som para os outros andares (Silva, 1991; Stortini y Giullano, 1992). Baring recomenda janelas especiais para melhor vedação do ruído e a Câmara e a Prefeitura de São Paulo esforçaram para criar rígida legislação para assegurar o direito do cidadão (Pena, 1991). Não há um plano diretor para as metrópoles do Brasil, exceto Curitiba, para ordenar os futuros crescimentos urbano e arquitetônico descentralizados, preventivos e eficazes para não piorar o que já existe de errado, que não é de fácil conserto. Em Dusseldorf, e em outras cidades da Alemanha, foram criadas pequenas áreas urbanas homogêneas, os "biótopos" refletindo a micro fauna e flora, para definir e conservar a sua vocação local, aperfeiçoando a qualidade de vida humana e não destruindo o que já está pronto (Landeshauptstadt, 1987).

    A Câmara Municipal e a Prefeitura de BH já reconheceram parcialmente a necessidade de limitar o ruído interno através da Lei Ambiental 4034/1985, decreto 5893/88, mas que ainda não são satisfatórios. Por exemplo, a zona residencial segunda mais beneficiada, que congrega bairros nobres da zona sul, só tem teoricamente a garantia do conforto auditivo, até o máximo de 50 dBA, entre as 22 e 7h, no interior das residências, quando a ABNT recomenda o máximo de 45dBA nos dormitórios de qualquer zona residencial. A situação torna-se grave porque, aqui ainda não se obteve a parceria de muitos cidadões na auto-disciplina, das indústrias na produção, dos comerciantes nas suas atividades, das autoridades na fiscalização, dos políticos e sindicalistas nas suas campanhas etc.

    É indispensável a participação e conscientização dos planejadores urbanos e da classe médica como vanguardeiros na campanha para melhorar a qualidade da saúde em geral e do sono, através da redução da Poluição Sonora, sobretudo em nossas cidades, e ajudando a denunciar os danos físicos, mentais e psicológicos. É importante mostrar que as profissões liberais, que somos capazes de praticar aqui, muitas vêzes não é de melhor qualidade também pelas deficiências ambientais, que transcendem em muito a esfera específica de atuação das categorias. O problema tornou-se também de saúde pública, por atingir a maioria da população brasileira, hoje 80% concentrada nas cidades (Smith, 1983; Gomes, 1989, Pimentel-Souza, 1990b), e possuir o direito até constitucional de sossêgo para uma vida orgânicamente saudável, intelectualmente fecunda e emocionalmente equilibrada. A questão pode também ser assumida pessoalmente por cada um que tenha vontade de se tornar de fato um cidadão. Mas, a efetiva ação pressupõe a disposição política e social de sacrificar os "bezerros dourados da liberdade total" em prol de uma vida de qualidade. Individualmente não se consegue comprovar a gênese de danos, que só aperecem a longo prazo, a não ser por estudos amplamente controlados e epidemiológicos.

    Apesar da crise econômica, para os empresários vale a pena investir contra a Poluição Sonora na sua emprêsa e na cidade, onde moram seus empregados e êles próprios. Seus quadros pouparão imediatamente desde energias física e cerebrais, acidentes no trabalho e na cidade, desperdícios etc e poderão ganhar em produtividade, humor, criatividade, melhor relacionamento etc, pois tudo começa no sono bem dormido e no conforto ambiental em todo espaço, onde vivem. Mas exigências de investimentos para proteção de barulho feitos em empresas geralmente terminam lá onde a capacidade de produção comercial e a concorrência podem diminuir o espaço (Lukasozitz, 1991).

    A sociedade civil poderia participar da campanha educativa. As TVs e Rádios dariam flashes a partir das 22 horas, solicitando para reduzirem os sons nas suas residências e a elas competia também não aumentar o som dos "bips" e comerciais e passar seus melhores programas mais cedo, como se faz no Japão e Suécia. As entidades patronais poderia apoiar melhor organização da vida urbana dos cidadãos, por exemplo ajudando a limitar o horário dos estabelecimentos e ônibus urbanos para que a maioria dos cidadãos trabalhadores não percam segurança, pontualidade, produtividade e criatividade no dia seguinte. Nas grandes cidades organizadas dos países civilizados há uma noção de limite. Em Paris e em Londres, o metrô, a condução mais importante, praticamente deixa de circular antes da meia-noite e os trabalhadores e funcionários encerram antes o trabalho, mesmo nos bairros mais boêmios, corroborrando assim com Ferreira (1989) que diz que o homem, em harmonia com a sua natureza, é um ser essencialmente diurno.

    O estudo epidemiológico do sono na cidade de São Paulo, assim como as medições de Poluição Sonora amostradas nas metrópoles brasileiras, principalmente nos pontos mais críticos, podem servir de base para construir hipóteses científicas de que os dois problemas já atingem proporções de saúde pública, ao envolver a maioria da população urbana. Além dos próprios leitores, são suas famílias e amigos, majoritariamente desapercebidos, que estão degradando e adoecendo. São os Brasileiros que não terão condição de modernizar, mesmo se atingirem outras condições básicas de saúde e educação, pois a aprendizagem, criatividade e competitividade estão profundamente comprometidas. Cabe a uma categoria de técnicos e administadores, não só planejar avaliações e campanhas, como também assessorar-se de cientistas, juristas etc para criarem e fazerem cumprir a lei, que no espírito venha garantir o direito mais sagrado do cidadão, que é a sua qualidade de vida. Diante dessas dificuldades, infelizmente serão a saúde dos cidadãos e o Estado que deverão pagar ainda a conta da omissão, sobretudo em momentos de crise econômica. Mas, a Alemanha já gasta hoje 28 bilhões de marcos por ano no tratamento integral da questão do barulho e a França 500 milhões de francos só na Seguridade Social (Weinberger, 1991; Barraqué, 1991). A OIT estima que os EUA gaste U$200 bilhões com problemas referentes ao estresse profissional em geral e a Grã-Bretanha 10% do seu PIB (JB, 1993).

 
III.4) PRINCÍPIOS DE LEGISLAÇÃO PARA A POLUIÇÃO SONORA

    A Constituição Federal e as leis derivadas. como o Código Penal, afirmam o direito à saude e ao sossêgo, no trabalho e no lazer, a todos os cidadãos. Como transformar o texto em realidade social nos centros urbanos que já concentram mais 70% da população do país? Creio que deveria haver dois modos de atuação: um preventivo, que medisse as tendencias, estabelecesse normas e supervisionasse os setores e atividades inerentes, e outro de atendimento direto ao público pertubado, que recebesse as denuncias de violação e garantisse esse direito aos cidadãos.

    Seria da alçada do serviço preventivo o controle e a regulamentação da Poluição Sonora máxima permitida, que deveria ser diferente em função de suas atividades-fim como: em ambientes de trabalho de natureza intrinsicamente ruidosa, como nas fábricas, nas estradas, nos aeroportos e nos eixos de circulação urbana; em ambientes onde o nivel de ruído pode ser facultativamente limitado, como no trânsito urbano local, no comércio, nos clubes e em casas noturnas; em ambientes onde a saúde do cidadão deve ter prioridade, como nos hospitais, nas escolas e nos prédios residenciais. Nessas ultimas áreas, a Lei do Uso e Ocupação dos Solos deveria respeitar o direito pleno do cidadão de ter condições ambientais para desenvolver sua melhor saúde nas 24 horas do dia, limitando dràsticamente as condições locais de trânsito, de instalações fabris, de funcionamento de clubes, de casa noturnas e particulares e de quaisquer atividade ruidosas. Além dos países mais adiantados, podemos citar Portugal como já possuindo uma rêde de monitoração (Coelho, 1992).

    O crescimento e o saneamento de certas regiões urbanas deveriam ser limitadas a uma densidade demográfica máxima e só permitidas instalações novas de atividades pouco barulhentas, cujas consequencias não levassem ao aumento excessivo do ruído em algum dos setores críticos naquela área. A lei de posturas municipais deveria prever exigencias de isolações acústicas adequadas em prédios residenciais, bem como definir em que condições poderiam ser autorizadas instalações de salões de festas ou qualquer outro dispositivo barulhento no mesmo.

    Seria de alçada do serviço de atendimento o controle da Poluição Sonora sob demanda. Qualquer cidadão ou entidade poderia acioná-la prontamente para atingir, por exemplo, o sucesso de um repouso salutar sobretudo do sono e sua higiene, no intervalo das 20 h às 7h da manhã, e nos fins de semana, quando aumentam as frequências de festinhas e noitadas. Tais medidas garantiriam condições minimas ambientais para preparar as pessoas ao trabalho, que deverão exercer durante o expediente normal dos dias úteis. O objetivo desse serviço seria tambem mediar o conflito de interesse do cidadão de hábitos egoista ou em lazer com aquele de compromissos urbanos, que se tornaram mais complexos e exigentes, mas que precisam ser civilizados e salutares.
 

III.5) RECLAMAÇÕES DOS CIDADÃOS

    A pertubação pelo ruído constitue a maioria das queixas junto à SMMA (53% do total) e Polícia Militar (PM). Os níveis externos e internos vistos anteriormente eram elevados demais e estavam acrescidos de suas variações, as maiores responsáveis pela sensação de incômodo (Griffith & Langdon, 1968), tornando insalubre o interior dos cômodos de Escolas, Hospital e Residência. A Figura 1 mostra as variações internas mais recentes, 1991, mantidas persistentemente elevadas. O cidadão portanto pode se basear na lei municipal 4034/85, decreto 5893/88 e evidentemente artigo 42 do Código Penal, para formular sua queixa.

    As reclamações em BH cresceram tanto que acionar a PM (telefone 190) se tornou quase inútil (Álvares e Pimentel-Souza, 1992). Chegaram a receber mais de 25 chamadas diárias no início de 1991, só atendiam algumas, quando se resumiam a lavrar um ato de ocorrência por não possuir equipamentos de medição e deixam para posterior ação da SMMA, onde depois um fiscal pode ser designado para medir o ruído, mas que muitas vêzes já não existe mais. A maioria dos processos judiciários nem siquer começavam. As reclamações à SMMA estavam sendo bem menores, porque concentram-se no expediente diurno de dias úteis, mas em 1992 houve um elevado aumento nas reclamações na SMMA, 3 por dia, na medida em que se tornaram mais eficazes. As vistorias dobraram e as multas triplicaram em relação a 1991 (Figura 2). Os danos à saúde e ao trabalho não eram ainda acionados pela Procuradoria e sua gravidade era subestimada pelos juizes, que estavam desatualizados, assim como os próprios médicos. O trabalho deficiente realizado até o momento deteriorava a imagem das instituições e categorias profissionais envolvidas.

    A PM era o único órgão que mantinha regularmente plantão para reprimir a Poluição Sonora nas horas mais aflitivas de repouso, à noite e fins-de-semana, quando ocorria a maioria das transgressões. Em 1992 as autoridades enfim aceitaram uma das sugestões de um dos autores para realizarem ação conjunta da SMMA e PM nas noites dos fim-de-semana, quando concentravam a maioria das reclamações (JC, 1992).

    Apesar de muitas autoridades e pessoas procurarem minimizar as ocorrências e abafá-las, mesmo assim separamos algumas notas da imprensa local e internacional sôbre cenas de morte, conflitos sociais, problemas de saúde etc devido ao incômodo do ruído (EM, 1980; DT, 1989; JC, 1991; DT, 1991; Pimentel-Souza, 1992; Tenenbaum, 1992; DT, 1992; Briet, 1992b). Na realidade êles devem ser mais frequentes do que se noticia. Os bebês, embora possam não falar parecem bastante prejudicados, pois calcula-se que saiam de 30 dB(A) no útero materno para serem colocados muitas vêzes em inferninhos de mais de 80 dB(A) de incubadeiras (Lichtig et Maki, 1991; Veja, 1991; JB, 1991; Parrado et al, 1992).

    Os incômodos registrados pela SMMA podem ser distribuidos segundo a origem da fonte emissora, notando-se a predominância de pertubações de bares, restaurantes e locais de música ao vivo e de atividades religiosas, esportivas e semi-industriais, localizadas nas áreas residenciais. Cerca de 50% das reclamações são provenientes de moradores da Administração Regional Centro-Sul (Queiroz, 1991), que possuiam um nivel externo de mais de 2 dB(A) do que a média da cidade.

    Pelos níveis médios de ruído e pelos TNI medidos, só devido ao trânsito, em BH os incômodos devem estar atingindo o grau leve em cerca de 100% da população segundo estimativa de Ollerhead (1973) e chegariam a classificação de "elevado", em cerca de 50% da população segundo Schultz et al (1976). Por isso o nivel de reclamações junto à SMMA e PM, embora crescentes, estão ainda sub-avaliados e não indicam o verdadeiro grau de incômodo e danos causados à população.

 
RESUMO 3: O ruído atrapalha o sono e a saúde em geral direta ou indiretamente através do estresse ou pertubação do rítmo biológico. Em vigília, o ruído de até 50 dB(A) (Leq) pode pertubar, mas é adaptável. A partir de 55 dB(A) provoca estresse leve, excitante, causando dependencia, e levando a dur vel desconforto. O estresse degradativo do organismo começa a cerca de 65 dB(A) com o aumento da frequência do estresse provocando desequilíbrio bioquímico, aumentando o risco de morte por todo tipo de doença degenerativa. Provavelmente a 80 dB(A) já libera morfinas biológicas no corpo, provocando prazer e completando o quadro de dependencia. Próximo de 100 dB(A) pode haver perda irreversível ou total da audição. Por outro lado, o sono, a partir de 35 dB(A), vai ficando superficial, à 75 dB(A) atinge uma perda de 70% dos est gios profundos, restauradores orgânicos e cerebrais. Em BH reclamações na PM, depois de atingir níveis mais elevados em 1991, começaram a cair e as da SMMA a aumentar, indicando sua ação mais eficiente. Principais fatores do ruído urbano no Brasil, com dados de BH, foram discutidos e foram sugeridas algumas medidas legais e educacionais para reduzi-los.