A Poluição Sonora deve ser um dos maiores causadores de estresse na vida moderna, inclusive no Brasil (JB, 1993). Esse efeito pode ser estimado pelos resultados de pesquisas realizadas em várias partes do mundo. Segundo uma delas, Cantrell (1974) nos EUA mostrou em jovens aumentos médios de 25% no colesterol e 68% no cortisol no sangue com ruídos comuns em nossas cidades, niveis em que Babisch (1991) confirmou um prognóstico de aumento de cerca de 20% de infartes na Alemanha e Inglaterra. Para a maioria dos habitantes das cidades mais ruidosas do Brasil há um agravamento ou aparecimento de arteriosclerose, problemas de coração e de doenças infecciosas, devido à queda da resistência imunológica do organismo, etc, além de problemas mentais e psicológicos. Recente pesquisa de rua da Escola Paulista de Medicina vem confirmar que 5 entre 10 Paulistanos possuem um nível excessivo de colesterol, acima de 300mg/100ml (TV Globo, 1992).
No Estado de São Paulo, a Poluição Sonora e o estresse auditivo constituem a terceira causa de maior incidência de doenças do trabalho, só atrás daquelas devido a agrotóxicos e a das doenças articulares (Gomes, 1989; Fischer et al,1989a e b) e a primeira na França (Barraqué, 1991).
Com nível de ruído excessivo, o organismo se põe em estado de alerta, que o prepara contra o ataque de um inimigo invisível, penetrante, que não deixa resíduo e não dá consciência às vítimas do mal. Não é como a poluição da terra que se detem em limites de dispersão. O cérebro acelera-se e os músculos consomem-se aparentemente sem motivo. Em consequencia, mais sintomas cumulativos e secundários aparecem sorrateiramente, como por exemplo aumento de pressão arterial, paralisações do estômago e do intestino, má irrigação da pele e até mesmo impotência sexual.
Há alguns anos, mesmo os cientistas desconheciam o valor do sono na qualidade da vida, achando que se poderia tratar de uma mera fase passiva devido à fadiga do cérebro, onde a atividade mental estava tão reduzida a ponto de não ter importância. Entretanto, as pesquisas feitas nos últimos decênios têm mostrado o contrário, revelando ser o sono, sobretudo o sonho, uma das fases mais nobres na vida, porque nela se efetuam importantes etapas da aprendizagem, da consolidação da memória, da criatividade, do equilíbrio emocional, na recuperação do humor, no relacionamento social, na disponibilidade mental e no equilíbrio emocional etc (Jouvet, 1977; Garfield, 1977; Pimentel-Souza, 1991a).
O sono se repete entre as fases, chamadas lentas e de sonho cerca de 5 vêzes cada noite. A interrupção ou superficialização do sono, inclusive pelo ruído, conspira contra a fase dos sonhos, porque o ciclo recomeça superficial, sendo então predominante os estágios lentos em relação a dos sonhos. Acordar até 2 vêzes algumas noites pode não atrapalhar a normalidade do sono, mas acordar 8 vêzes crônica e diariamente pode levar a pessoa desestruturar rapidamente seu sono a ponto de levá-la à depressão ou a outras pertubações psicológicas (Mouret, 1982; Cipolla-Neto, 1988). Pode-se comprometer qualquer processo educacional em toda faixa etária. Uma nação, com insuficientes recursos para o tamanho da obra a empreender em educação e em saúde, não pode deixar ocorrer tantos danos pelos efeitos perversos da Poluição Sonora e Distúrbios do Sono principalmente nas cidades, que concentram hoje quase 80% da população brasileira.
Estudos feitos na Universidade de Cornell, EUA, calculam que 100 milhões de norte-americanos dormem mal, manisfestando dificuldades de sair da cama, sono durante a jornada de trabalho ou durante uma aula ou conferência. Esta queda do rendimento físico e mental levou o "Centro de Investigações sôbre o Sono" do Hospital Henry Ford, em Detroit, EUA, a considerá-lo responsável por inúmeros acidentes aéreos, automobilísticos, ferroviários e vários de proporções catastróficas como por exemplo os acidentes nucleares em Three Mile Island, EUA, e em Chernobil, URSS; na indústria química de Bophal, India, e o no superpetroleiro Exxon, no Alasca. Em consequência, há perda considerável de milhares de vidas humanas e danos à natureza, além de queda de produtividade, acidentes rotineiros no trabalho, despêsas médicas e sofrimento humano.
Cerca da metade das pessoas no 1o. Mundo dormem mal por pertubações extrínsecas, principalmente devido ao ruído, conflitos sociais e perda do rítmo biológico (ASDA, 1990). Na Alemanha Ocidental e em São Paulo, trabalhadores de turno e noturno, considerados superficialmente bem adaptados, revelaram sérios distúrbios no sono e dessincronização no funcionamento sequenciado do organismo (Fischer et al, 1989a e b). A maioria das pessoas que dormem mal hoje no Brasil deve ser também, com mais propriedade, por razões de origem externa.
Nos EUA 33% da população sofre de distúrbios de sono, enquanto em São Paulo é mais do que o dobro (74%), tendo 51% persistente insônia, apesar de somente 10% das vítimas terem consciência da causa externa ser o ruído (Braz, 1988; ASDA, 1990; Pimentel-Souza, 1990a). Extrapolando para o Brasil devemos ter pelo menos 70 milhões de pessoas afetadas. Enquete feita pela Fundação Nacional do Sono nos EUA mostrou que as pessoas insones em relação ao normal, além de correrem duas vêzes mais risco de acidentes de trânsito, sofrem mais alguns prejuízos causados pela perda de qualidade de vida, como bem estar físico 33% menos, concentração mental 25% menos, capacidade de desfrutar as relações pessoais 25% menos, habilidade nas tarefas habituais 16% menos e perda de memória 24% mais (EM, 1991a). Na França, EUA e Itália o ruído médio de 52 decibeis acústicos, no período noturno nas residências, reduziu cerca de 40% da parte mais nobre do sono (sonho e estágio IV). Com o ruído o sono das pessoas fica em estágios mais superficiais, sem acordar necessàriamente a pessoa, e reduzindo a sua produtividade (Vallet et al, 1975a e b; Terzano et al, 1988).
Excetuando-se trabalhadores de turnos ou noturnos e doentes, os mais prejudicados passam a ser os mais velhos, os bêbês, os doentes e os que realmente trabalham durante o dia, visto na optica do compromisso com a assiduidade com o horário de trabalho e com o desempenho. Mas, com o passar da idade, as pessoas vão acumulando progressivamente distúrbios sôbre o sono noturno e dificilmente conseguem dormir mais do que 6 horas de sono contínuo à noite. Em compensação passam a cochilar ao longo do dia regredindo a um sono cada vez mais fragmentado e infantil (Braz, 1988; Cruz-Campos, 1990). A primeira consequência que todo mundo conhece é a perda de produtividade em tôdas atividades. Se o seu trabalho envolve periculosidade e o mesmo não é logo aposentado, torna-se um operário, mesmo de turno diurno, de alto risco pelas distrações que o acomete.
Levantamentos estatísticos mostram que os adultos dormem nos países desenvolvidos em média 7,5 horas, variando entre 5,5 e 9,5, sem considerar a sua qualidade e sua saciedade (Cipolla-Neto, 1988). A necessidade de sono na pessoa normal e adulta varia com a saúde, tipo de atividade, personalidade ou fase da vida. Crianças, estudantes, doentes e intelectuais necessitam de mais horas de sono e sonho. Embora os Paulistanos durmam em média 0,5 hora mais, total de 8 horas-dia, mas é de pior qualidade (Braz, 1988). Pessoas deprimidas têm distúrbios do sono e vice-versa (Mouret, 1982; Cipolla-Neto, 1988) e, se ao mesmo tempo apresentam hipersonia, podem paradoxalmente aprofundar a doença dormindo mais. Portanto, há um valor ótimo de sono para cada um em função da necessidade e da qualidade do sono.
A regularidade do sono é fundamental para a saúde. Isto significa ter hora certa para dormir e levantar (Czeiler et al, 1981). Mas, nem no seu apartamento ou casa o cidadão brasileiro está livre de incômodos dessincronizadores provenientes de trânsito, vizinhos, obras, igrejas, bares, boates e outras fontes de barulho. Devido sua natureza terrivelmente invasora, o ruído ambiental sobressai-se mais à noite pela baixa do nível, e torna-se uma pertubação muito conflituosa para a maioria das pessoas por impedir um sono normal, que é restaurador físico, mental e psicológico para enfrentar nova jornada.
Milhões de pessoas no mundo recorrem a tranquilizantes, o mais comum é do tipo diazepan, ou a outros ansiolíticos, como à bebidas alcoólicas, para tentar dormir à noite. Mesmo à curto prazo podem prejudicar o sonho, além de poder apresentar efeitos secundários como intoxicação ou sedação diurna. a longo prazo, podem ser levados à dependência, à alguma tolerância e, na retirada do medicamento, à síndrome de abstinência, ou seja dificuldade de vencer transtornos terríveis na saúde para tentar se livrar da droga farmacológica ou do alcoól (Lukassowitz, 1991; Woods, 1992).
Devido ao uso em massa desses tranquilizantes, milhões comprimidos-ano no país, o Ministério da Saúde restringiu sua venda só para com consulta médica para evitar seus efeitos nocivos. A habituação de uso desses psicotrópicos de maneira permanente estabelece também um perigoso precedente de busca de sedação para outros fins e conflitos do organismo, uma vez obtido o consentimento na família pelo uso farmacológico. Assim as pessoas acabam ficando submetidas a uma forma de dopagem na intimidade, porta aberta para o uso posterior de outras drogas mais pesadas. Por consequência, pouco adiantam as campanhas contra as drogas, quando elas já abriram caminho na vida insalubre e conflituada do cidadão. A situação é mais delicada nêste momento, porque a cocaína deverá ser mais facilmente oferecida ao consumo no Brasil, que está agora na rota alternativa desta droga, devido ao combate sistemático à mesma atualmente feito na Colombia.
Favelados fazem uso diário dêsses tranquilizantes como "a solução para o sofrimento". Certamente tudo isto está denunciando a conhecida má qualidade de vida na periferia das grandes cidades. No entanto, está passando despercebido que coisa semelhante vem acontecendo junto às classes urbanas alta e média, devido ao ambiente poluido acusticamente, causando estresse auditivo, produzindo distúrbio no sono, prenunciando coisas mais graves, reduzindo, enfim, o cidadão brasileiro a uma categoria inferior por razões puramente ambientais. Nêsse ponto vemos funcionar a democracia "à la brasileira", tratando todo mundo igual, nivelando por baixo, sem nenhuma garantia dos direitos do cidadão, devido à omissão, ao vandalismo e ao espírito permissivo com que as coisas afetam fundamentalmente a qualidade de nossas vidas, tranformando um habitante desejoso de cidadania em mero transeunte pelo país. O problema transcende a uma mera explosão urbana de modelo capitalista aplicado em país subdesenvolvido (Weis e Macca, 1989; Pereira, 1990; Prandini et al, 1992).
RESUMO 1) Nunca se fez uma avaliação epidemiológica no Brasil do efeito da Poluição Sonora Urbana no sono e na saúde em geral. Provavelmente seu resultado não é favorável e não há maneiras de se projetar o progresso dado a má qualidade de vida em nossas cidades. Não se conhecem ao menos os avanços científicos dos países adiantados para orientar uma ação de saúde pública. Mas há inúmeros trabalhadores, que se vêm prejudicados pelos efeitos da Poluição Sonora na saúde em geral e no sono, como por exemplo fadiga, redução de produtividade, aumento do número de mortes, acidentes e consultas médicas, absenteísmo, dificuldades de relacionamento social e familiar no meio urbano, chegando a sérios prejuízos mentais e psicológicos.