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Identificação Genética

Identificação Genética

Teste de paternidade contribui para inibir o tráfico de aves silvestres no País

O teste de paternidade utiliza marcadores à base de DNA e se assemelha ao teste de paternidade humana

Apenas 10% dos milhões de animais capturados ilegalmente por ano no Brasil chegam a ser comercializados. Os 90% restantes morrem no meio do caminho devido aos métodos utilizados pelos biopiratas: injeções de álcool, calmantes, vendas nos olhos, asas cortadas, bicos amarrados e transporte em tubos de PVC ou carrocerias abafadas e escuras. Os animais que chegam vivos ao destino final, porém, garantem um lucro astronômico. Os papagaios e sofrês estão entre as espécies mais visadas. O tráfico dessas aves movimenta aproximadamente R$ 1,5 bilhão de dólares por ano no Brasil. Uma arara-azul, por exemplo, pode valer até US$ 60 mil no mercado internacional.

A história do tráfico de aves é tão antiga quanto a do País. Em 1531, os papagaios já fascinavam os colonizadores europeus pelo dom de imitar a voz humana. Cerca de 600 animais cruzaram o oceano Atlântico rumo à França e foram boas companhias para os marinheiros. Além de causar deslumbramento pela beleza das penas verdes e azuis-celeste, os papagaios foram fonte de entretenimento para a longa e lenta travessia até o continente europeu. Claude Levi-Strauss, em sua obra “Tristes Trópicos”, conta que essas falantes e inteligentes aves já sabiam algumas palavras em francês quando desembarcaram.

A fim de auxiliar no combate ao tráfico de animais e colaborar para a construção de uma consciência ambiental, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram um sistema de identificação de paternidade com DNA para as duas espécies de aves nacionais que mais sofrem contrabando: papagaio (Amazona aestiva) e sofrê (Icterus jamacaii). O projeto é uma iniciativa do Núcleo de Desenvolvimento de Marcadores Mole-culares, centro de excelência implementado em 2006 com o financiamento da FAPEMIG, e conta com a parceria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

Sistema de identificação
A pesquisa faz parte de uma proposta mais ampla, que abrange não só a questão do tráfico de aves. “Além do teste de paternidade de papagaios e sofrês, estamos desenvolvendo outros trabalhos baseados no mesmo procedimento, como a análise de populações de peixes para a Cemig”, afirma o biólogo e coordenador do projeto, Evanguedes Kalapothakis. A equipe está produzindo diversos estudos pioneiros relacionados à manipulação de DNA com o objetivo de desenvolver marcadores genéticos para diferenciar indivíduos entre si. Com o financiamento da FAPEMIG, foi possível a compra de um seqüenciador automático de DNA, utilizado na elaboração do perfil genético de animais e seres humanos.

Atualmente, o controle do tráfico é feito através do sistema de anilha-mento, que consiste na colocação de anéis identificadores nas patas das aves. Segundo Kalapothakis, esse processo não é o suficiente para a garantia de um controle total. Estudos do Ibama apontam certa ineficiência do sistema, indicando que a quantidade de papagaios e sofrês comercializados é maior do que o número de animais da mesma espécie nascidos em criadouros legali-zados. O teste inédito de paternidade das aves representa, assim, mais um instrumento de vigilância.

A técnica desenvolvida pelos pesquisadores da UFMG é a mesma utilizada para identificação de paternidade e maternidade humana, ambas feitas por marcadores à base de DNA, conhecidos como microssatélites. Essas regiões acumulam modificações transmitidas entre gerações de indivíduos. O filhote vai ter a metade do perfil genético do pai e metade da mãe. A partir dessa análise, será feito um cadastro e criado um banco de dados com o perfil genético de todas as aves dos criadouros. Com isso, o Ibama poderá fiscalizar a origem das espécies e, conseqüentemente, inibir o tráfico. “Se tivermos o cadastro de todas as matrizes – pai e mãe –, saberemos se determinado filhote realmente veio do casal. Caso contrário, pode-se suspeitar que o animal seja contrabandeado”, afirma o coordenador.

Nos testes serão utilizados entre um e vinte microssatélites. “Tal fato reflete o aumento da qualidade da tecnologia”, conta Kalapothakis. O custo unitário por análise, estimado em torno de R$ 40, é bem acessível, considerando os objetivos do Ibama e dos criadores, que conseguem vender a ave por até R$ 1,5 mil. Será dada atenção maior à espécie Amazona aestiva. “Começamos pelo papagaio por ser uma das espécies mais visadas no comércio ilegal.”

O Ibama vai cadastrar voluntários que queiram analisar a criação. O processo é bastante simples: para que o teste seja realizado, necessita-se apenas de uma pequena amostra de tecido, como uma parte da pena, por exemplo. Posteriormente, Kalapothakis pensa na possibilidade de criar um banco de dados nacional. “Seria muito importante unir esforços dos criadores do Brasil para poder analisar matrizes de dife-rentes locais, o que seria um controle total”, assegura o coordenador.

Ao todo, participam do projeto 3 pesquisadores de mestrado e dou-torado, além de alunos da iniciação científica. Os estudos provavelmente terão extensão. “A existência de um núcleo embute a idéia de que ele continuará funcionando mesmo depois de encerrada a liberação de verba”, explica Kalapothakis. Além disso, o conjunto de equipamentos adquiridos para a pesquisa criou condições favoráveis para o trabalho de outros grupos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.

Biopirataria x comércio legal
Capturar, vender ou comprar espécies silvestres sem autorização do Estado é crime. A pena para os traficantes é de seis meses a um ano de prisão, além de multas de até R$ 5,5 mil por exemplar apreendido. Mesmo assim, todos os anos, milhares de filhotes de papagaio abastecem o comércio ilegal de animais de estimação e a internet é um dos meios mais utilizados para a venda. Para definir esse tipo de ocorrência – o contrabando de diversas formas de vida da flora e da fauna e a perda de controle dos recursos naturais pelas populações locais –, foi criado, em 1993, o termo “biopirataria”.

O Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, Tecnologia da Informação e Desenvolvimento (CIITED) conceitua a biopirataria como o ato de aceder ou transferir recurso genético e conhecimento associado à biodiversidade sem o aval do Estado ou da comunidade que o criou. A biopirataria envolve, também, a não-repartição eqüitativa dos recursos advindos da exploração comercial.

No Brasil, animais silvestres podem ser comercializados com a autorização do Ibama. Segundo a lei de Proteção à Fauna e a Lei de Crimes Ambientais, para a aquisição de um pássaro nativo nacional, o comprador deve recorrer a um criadouro legalizado. Essas leis protegem espécies para que não sejam extintas e para que outras não entrem na lista de ameaçadas de extinção. “O comércio legal é o melhor meio para a compra de uma ave e deve ser incentivado para a proteção da espécie”, afirma Kalapothakis. A maioria dos criadores credenciados desenvolve um bom trabalho, preocupa-se com a criação e investe na reprodução. Os papagaios e sofrês ainda não constam na lista de extinção, mas fazem parte do grupo de animais vulneráveis. “Se não tomarmos medidas enérgicas, essas espécies podem ser extintas e trazer danos para a natureza”, esclarece o coordenador.

As aves que chegam aos criadou-ros comerciais são provenientes dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que recebem animais apreendidos pela Polícia Ambiental e pelo Ibama. Essas aves – matrizes – são ani-lhadas e não podem ser comercializadas, somente seus filhotes (nascidos em cativeiro). Em caso de aves ameaçadas de extinção, apenas a segunda geração é comercializada. As aves recebidas passam por uma quarentena e exames laboratoriais antes de serem introduzidas no plantel.

O veterinário da Fazenda e Cria-tório Vale Verde, Rogério Venancio Donatti, afirma que muitas pessoas se surpreendem ao ser informadas sobre a possibilidade de adquirir uma ave silvestre de forma legal. O veterinário conta que vários clientes já compraram aves de origem duvidosa, mas, quando foram informados sobre os danos e riscos, conscientizaram-se e passaram a adquirir novas aves apenas de criadouros registrados. Para ele, o grande problema é a diferença de preço, o que torna a compra ilegal um grande atrativo. “Na famosa feira de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, um Amazona aestiva é vendido por R$ 200 a R$ 300”, afirma Donatti.

Carolina Jardim

Projeto: “Núcleo de Desenvolvimento de Marcadores Moleculares”
Modalidade: Programa Núcleos de Excelência (Pronex)
Coordenador: Evanguedes Kalapothakis
Valor: R$296.135,59

Amazona aestiva  e Icterus jamacaii

Mais conhecido como amazona-de-fronte-azul, o papagaio chama a atenção de todos. Além de carismático, sua habilidade de imitar sons, músicas e palavras é fonte de interesse e fascinação. Nativos de florestas úmidas ou secas, bosques de palmeiras ou em margens de rios, essa espécie pode viver entre 60 e 80 anos. São encontradas no sudoeste do Brasil, no norte da Argentina, Bolívia e Paraguai e medem de 33 a 39 cm. O papagaio é uma ave monogâmica, nome dado às espécies que acasalam com o mesmo parceiro durante toda a vida. Portanto, a aquisição de um papagaio deve ser feita de forma bem pensada. “O animal doméstico encontra dificuldade de conseguir parceiro para acasalar caso ele seja solto”, explica a estudante de iniciação científica e pesquisadora do projeto, Isabela Ferreira Penna.

Também na categoria dos vulneráveis à extinção, a espécie Icterus jamacaii, conhecida como sofrê, atinge 23 cm de tamanho. Possui cabeça e dorso negros e costas alaranjadas. Habitantes exclusivamente do Brasil, são encontrados no leste do Pará, Maranhão, Ceará e Pernambuco, estendendo-se para Goiás, Bahia e Minas Gerais. É comum em áreas da caatinga e zonas descampadas secas, onde gostam de pousar em bordas de florestas. Vivem aos pares, alimentando-se de brotos, frutas, folhas e flores, com preferência para a vegetação mais baixa. Ocupam ninhos de gravetos secos e, de vez em quando, aproveitam os dos bem-te-vis e dos joões-de-barro.

Tanto os papagaios quanto os sofrês são bastante apreciados como pássaros de estimação, seja pelo fascínio de imitar a voz humana do primeiro ou pelo canto melodioso do segundo. Tamanha admiração acaba por fomentar a compra clandestina, contribuindo para que esses animais sejam sacrificados e mortos. “É muito triste a forma como essas espécies são capturadas e transportadas, em vinte, apenas duas sobrevivem”, conta o coordenador. Kalapothakis acredita que, mesmo com a criação de um teste que poderá inibir o tráfico, uma das melhores formas de sanar os problemas do contrabando ainda é a educação. “Para a compra de uma ave, deve-se procurar um local credenciado pelo Ibama e checar se o animal tem a presilha”, afirma o pesquisador. Ele ainda completa que, em qualquer situação que possa existir o tráfico, não deixe de manifestar. Denuncie!

Teste de paternidade humana
Atualmente, o teste por DNA (ácido desoxirribonucleico) é o meio mais preciso para o esclarecimento de paternidades ou maternidades duvidosas. O resultado pode ser disponibilizado em poucos dias com uma probabilidade de, no mínimo, 99,99%, podendo chegar a 99,99999999%. A precisão do método se baseia no fato de que o código genético de cada indivíduo é único, não existindo outra pessoa com código idêntico (exceto no caso de gêmeos univitelinos).

A análise do DNA foi desenvolvida em 1985 pelo professor da Universidade de Leicester na Inglaterra, Alec Jeffreys, com a descoberta de regiões de micros-satélites do genoma humano que produziam as impressões digitais do DNA. O DNA está localizado no núcleo da célula e é composto por quatro moléculas que aparecem em seqüências variáveis. A seqüência na qual essas moléculas se situam é a chave para a verificação de paternidade.

O DNA é responsável pela transmissão das características hereditárias dos pais para seus descendentes, e é organizado em estruturas denominadas cromossomos.  A espécie humana possui 46 cromossomos, metade herdada pela mãe (através do óvulo) e a outra metade, pelo pai (através do espermatozóide). O exame de DNA permite uma resposta definitiva que exclui a suposta paternidade ou comprova a mesma (inclusão de paternidade). Isso é possível porque cada pessoa possui um conjunto único de informações genéticas herdadas de seus pais biológicos.

Os testes são feitos com a extração do DNA das amostras de dentro do núcleo das células e existem muitas técnicas diferentes. O exame pode ser feito com sangue, fios de cabelo, manchas de sangue, mucosas bucais, ossos, podendo ser realizado antes mesmo do nascimento da criança, a partir da nona semana de gestação e em qualquer espécie de animal.

Outros esforços para o combate da biopirataria

• Em 1992, durante a ECO-92 no Rio de Janeiro, foi assinada a Convenção da Diversidade Bio-lógica, que tem como principal objetivo a regulamentação do acesso aos recursos biológicos e a repartição dos benefícios oriun-dos da comercialização desses recursos para as comunidades.

• Em 1995, foi apresentado um projeto de lei para criar mecanismos legais a fim de pôr em prática as providências da Convenção da Diversidade Biológica.

• Em dezembro de 2001, pajés de diferentes comunidades indígenas do Brasil formularam a carta de São Luís do Maranhão, questionando toda forma de patenteamento originário de acessos a conhecimentos tradicionais.

• Em maio de 2002, no Acre, houve o workshop “Cultivando Diversidade”, onde participaram mais de 100 representantes de agricultores, pescadores, povos indígenas, extrativistas, artesãos e ONGs de 32 países da Ásia, África e América Latina. No evento, foi formulado o “Compromisso de Rio Branco”, alertando sobre a biopirataria e requerendo que sejam banidos o patenteamento de seres vivos e outras formas de propriedade intelectual sobre a biodiversidade e o conhecimento tradicional.