O Archaeopteryx*

 

A filogenia de um grupo seria incompleta sem o estudo de fósseis. O fóssil nos permite colocar os organismos e suas linhagens numa escala de tempo geológica para assim observarmos mudanças na diversidade e morfologia através do tempo, incluindo extinções e taxas de evolução. Archaeopteryx, por exemplo, vivendo no período Jurássico tardio, foi preservado em pedras de ‘Limestone’ do Jurássico Superior – os termos ‘recente’ (‘early’), medial (‘medial’) e tardio (‘late’) indicam períodos de tempo, enquanto Inferior (‘Lower’), Médio (‘Middle’) e Superior (‘Upper’) referem-se ao estrato da rocha.

archpterix

Dados paleontológicos também nos fornecem evidências sobre taxas de evolução, extinção, e períodos onde houve grandes inovações adaptativas.

 Todos os sete espécimens conhecidos do Archaeopteryx foram achados no ‘limestone’ de Solnhofen, região da Bavária, Alemanha. Um grande número de fósseis de outros grupos também foram incrivelmente preservados nessa rocha, os quais nos fornecem uma rara janela para o passado. São cerca de 600 espécies fossilizadas, como Crinoidea, ‘ammonitas’, peixes, crustáceos, ‘jellyfish’, lulas, insetos (30 gêneros de Odonata!, baratas, grilos e gafanhotos, besouros, cigarras, abelhas, vespas, dípteros), pterossauros (5 espécies), tartarugas, ichthyosauros, lagartos, crocodilos, um pequeno dinossauro (Campsognathus) e o Archaeopteryx.

A descoberta

1861 – Hermam von Meyer (New Year Book of Mineralogy): uma pena fóssil. Isso significava que haviam aves no período conhecido como ‘idade dos répteis’ (Jurássico). A pena tinha 60 mm X 11 mm, com o mesmo contorno de uma pena moderna.

1861- Após um mês da descoberta da pena, Meyer descreve a descoberta de um esqueleto completo. Meyer deu-lhe o nome genérico de Archaeopteryx (significando ‘asa antiga’) litographica (em relação ao tipo de pedra em que foi encontrado).

1859 – A Origem das Espécies de Charles Darwin: época áurea do império Britânico (Rainha Vitória). Sob o ponto de vista Darwinista, o Archaeopteryx seria uma forma intermediária de dois grupos taxonômicos superiores, Répteis e Aves, o que representaria o ‘elo perdido’ previsto por Darwin (evidência de evolução das espécies).

1861 – O Archaeopteryx nas mãos de um médico especulador, C.F. Haberlein, que aceita fósseis como pagamento de seus serviços médicos. Três meses após a aquisição do Archaeopteryx, já o colocou `a venda.

1861 - A corte Alemã tentou obter o espécime, mas foi desestimulada pelo professor de Zoologia da Universidade de Munique, que era anti-darwinista, J. Andreas Wagner. Publicou um artigo ‘Um novo réptil supostamente guarnecido por penas’ (Über Ein neues, augeblich mit Vogelfedern versehenes Reptil 1861). Wagner teve a petulância de dar-lhe outro nome: Griphosaurus (gryps, besta mitológica; sauros, lagarto).

1862 - Enquanto isso, na Grã-Bretanha, Sir Richard Owen, superintendente do ‘British Museum’, interessou-se pelo fóssil, mesmo sendo ele mesmo anti-darwinista, como Wagner.

Após vários meses, Haberlein vende o Archaeopteryx e mais 1.703 outros fósseis de Solnhofen por 700 libras esterlinas (o equivalente a dois anos do orçamento de compras do ‘British Museum’). Hoje o espécime é conhecido como o ‘espécime de Londres’.

1862-1863 – Iniciam-se os debates sobre o misterioso espécime. De um lado Sir Richard Owen, anti-darwinista (mas não anti-evolucionista), via o Archaeopteryx como uma ave primitiva transmutada de um pterossauro, embora ele não esclarecesse como ocorriam essas transmutações na natureza.

            Do outro lado, Thomas Henry Huxley, conhecido como o Bulldog de Darwin, colocou o Archaeopteryx como uma ave. Após comparações com um pequeno dinossauro do tamanho de uma galinha, também encontrado em Solnhofen, concluiu que tratava-se do ‘elo perdido’, ou ‘aves reptilianas’.

A ‘Pedra da Roseta’ da ciência

1877 – Notícias de um novo esqueleto fóssil de Archaeopteryx encontrado também em Solnhofen. Mais uma vez, o espécimen caia nas mãos de outro especulador, nada mais nada menos que o filho do Dr. Haberlein, Ernest Otto Haberlein.

Desta vez, os Alemães irados com a perda do primeiro Archaeopteryx para os Britânicos, compraram o fóssil após 4 anos de negociações por 20.000 marcos alemães. Hoje o espécime é conhecido como o ‘espécime de Berlin’, depositado no ‘Humboldt Museum’ em Berlim.

O espécime de Berlim é considerado por alguns o mais importante espécime de museu, comparável até, em termos científicos e mesmo monetários, a ‘pedra da roseta’. Trata-se de um espécime quase que perfeitamente preservado, uma ave que tem características anatômicas de réptil, penas, uma longa cauda típica de lagarto.

1897 – W. B. Dames, paleontologista alemão, descreveu o espécime de Berlim como Archaeopteryx siemesnsii.

1920 – B. Petronievics, colocou-o em outro gênero! Archaeornis!

Hoje – Consenso sobre o gênero Archaeopteryx, mas não sobre a existência de outras espécies.

Descobertas posteriores

1956 – O terceiro espécime é encontrado, muito mal preservado. A identificação custou dois anos de pesquisa.

1970 – J. Ostrom (Americano), estudando pterossauros, descobriu um Archaeopteryx identificado como tal. O espécime estava depositado no Teyler Museum do Haarlem, Holanda. Tratava-se de um espécime encontrado em 1955, seis anos antes da descrição do primeiro Archaeopteryx, e fora descrito como Pterossaurus crassipes por nada mais nada menos do que Hermam von Meyer, o primeiro a descrever o Archaeopteryx!

1973 – F.X. Meyer descreve um novo espécime datado de 1951, e erroneamente identificado como um jovem de Campsognathus. Trata-se de um espécime 1/3 menor do que o de Londres, o que gerou dúvidas sobre um novo gênero.

1987 – P. Wellnhofer, descreve o sexto espécime, depositado na coleção particular de um ex-prefeito de Solnhofen. O espécime é cerca de 10% maior do que aquele de Londres (até então, o maior espécime). Conhecida como o espécime ‘Solnhofen’.

1993 – P. Wellnhofer, descobre um novo espécime, com o esterno (sem quilha) bem preservado. Considerado uma nova espécie, Archaeopteryx bavarica, mas conhecido como o espécime de ‘Solnhofen Aktien-Verein’.

Características do Archaeopteryx

A ilustração abaixo mostra diferenças substanciais entre o Archaeopteryx e uma pomba moderna em termos de forma e estrutura.

Rivais do Archaeopteryx

Sem a presença de penas, a identificação de ossos das primeiras aves seria, de fato, impossível. Os esqueletos seriam considerados reptilianos. Assim, esqueletos fósseis do Jurássico e Triássico identificados como ave tem sido vistos com extremo ceticismo. Penas ou evidências ostelógicas irrefutáveis precisam estar presente.

1-      Aves do Jurássico ‘tardio’ e Cretáceo ‘recente’ encontrados na China

Aves fósseis encontradas em vária províncias da China, ainda estão sendo estudadas. São aves muito pequenas e muito semelhantes ao Archaeopteryx em várias características, principalmente o crânio e a estrutura pélvica.

Trata-se de uma grande virada na paleornitologia, pois foram achados mais de 20 indivíduos bem preservados, representando tipos morfológicos diversos. Pelo menos três tipos adaptativos são representados: limícola, terrestre e predador. Isso indica uma radiação adaptativa bem mais recente do que se supunha.

Confuciusornis sanctus, possivelmente da mesma idade que Archaeopteryx, representa a mais antiga evidência de uma ave com bico e sem dentes.

2-      A controvertida Protoavis

1986 – Sankar Chatterjee (Texas Tech University) anuncia na National Geographic Magazin a descoberta de um fóssil o qual ele apelidou de ‘Protoavis’ datada de 225 milhões de anos (Triássico tardio). Isso equivale a cerca de 75 milhões de anos antes do Archaeopteryx.

Se esse achado fosse confirmado, colocaria a origem das aves na mesma época da origem dos dinossauros.

Segundo Chatterjee, Protoavis texensis possue fúrcula (característica única das aves), um esterno quilhado, coracoides como o das aves, osso quadrado como o das aves, nódulos na Ulna onde se inserem as penas.

O material apresentado (apenas em 1991 num artigo do ‘Philosophical Transactions of the Royal Society’) é muito fragmentado, possivelmente não associado, não existe sinal de penas. A comunidade científica ainda não o aceita por falta de material convincente.

* texto cordialmente cedido pelo professor Marcos Rodrigues - Departamento de Zoologia, ICB, UFMG.

 

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