Em artigo publicado neste jornal (O TEMPO, 16/02/00), intitulado "Construindo um novo Estado’, abordei o tema dos conselhos municipais. O que motivou citação em artigo do economista e conselheiro municipal Gladstone Avelino (O TEMPO, o1/03/00), questionando a natureza dos conselhos, se consultivos ou deliberativos. Os conselhos consultivos apenas respaldam as ações dos políticos profissionais, uma vez que esses conselhos são destituídos de poder para questioná-los. Assim, para superação desse limite, os conselhos devem ter gestão, portanto, deliberativa.
Mas o avanço mais importante que os conselhos podem realizar está por vir. Atualmente, os conselhos são imagem e semelhança do Estado. Tende-se a criar um conselho para cada secretaria de governo, o que na maioria das vezes acaba por reproduzir a lógica do Estado e não sua reforma. De tal sorte que se inviabiliza a efetiva participação da sociedade e principalmente mantém as coisas como estão. Portanto, não realizando mudanças estruturais, que só aconteceriam com a territorialização dos conselhos , ou seja, sua vinculação à comunidades (bairros).
O Estado, quando organizado de forma departamentalizada e desvinculado das comunidades, torna-se um fim em si mesmo, pairando sobre a sociedade, estando assim desconectado, de cada cidadão. E o que é pior, acaba por eleger territórios e grupos para os quais vai conceder seus favores. Tal lógica, denominada de clientelismo, contraria a condição de igualdade entre as pessoas, lhes subtraindo a cidadania. Nesse sentido, os conselhos devem buscar uma reforma do Estado que esteja sintonizada com a necessidade de restituir a cada comunidade sua gestão, contribuindo para o seu fortalecimento e autodeterminação e não a transformação do Estado em empresa e o cidadão em cliente, como preconizam as reformas neoliberais.
A viabilização dessa reforma ocorrerá na medida em que os atuais conselhos (departamenlizados) deixarem de se vincular de forma dependente à secretarias (departamentos) da burocracia estatal e fundarem um novo conselho, vinculado à comunidade, que assuma a função de cada uma das secretarias, formulando soluções integrais que estejam sintonizadas à realidade da cada família. Esse conselhos territoriais devem controlar um equipamento público único, organizado de forma transdiciplinar, dotado de recursos humanos e materiais suficientes para buscar solução para todos os problemas de cada comunidade (bairro). O conselho territorial deve ser formado por moradores eleitos no bairro e por técnicos (professores, médicos, psicólogos, sociólogos, entre outros) que exerçam sua função no equipamento público do bairro. Esse equipamento deve subsumir, integrar, os atuais equipamentos públicos departamentalizados (escola, posto de saúde, associação de bairro, praça esportiva, entre outros). Sua gestão deve estar a cargo da comunidade, que deve gozar de autonomia política e financeira. Os conselhos territoriais do município devem estar organizados em rede, a fim de estabelecer as diretrizes gerais e formular as políticas públicas comuns ao conjunto dos bairros da cidade.
Atualmente, já estão disponíveis ferramentas poderosas de gestão territorial (espaço) como sistema de Informação Geográfica (GIS) e Bancos de Dados Distribuídos, que podem fornecer ao conjunto dos conselhos informações valiosas para tomada de decisão, o que viabiliza a descentralização requerida pela territorialização dos conselhos. Experiências interessantes, como a reorganização da rede educacional de Salvador, a partir da especificidade do território, demonstram como essas tecnologias podem articular diferentes informações e conhecimentos na soluções integrais.
As escolas públicas indicam uma pista em direção à territorialização os conselhos, à medida que começam a organizar colegiados (pais, professores, aIunos e comunidade), ampliam a relação com a comunidade, incorporam outras
funções (múltiplos serviços), além de gerir de forma autônoma sua administração e orçamento. Esse processo de fortalecimento das comunidades está se ampliando a cada dia, mas sua concretização será resultado de um crescimento lento e gradual da participação dos cidadãos em detrimento da organização departamentalizada do Estado. Portanto, os conselhos devem ser deliberativos como também territoriais.
*sociólogo, Membro consultor da Consultoria em Políticas Públicas (CPP)