Bob Forehead

Paul Krugman

 

 

Na cena de abertura de "Washington", o clássico em quadrinhos da era Reagan, de Mark Alan Stamaty, um plutocrata insone fica impressionado com o apresentador de um comercial, já tarde da noite. "Qualquer um capaz de me vender um cabide que brilha no escuro provavelmente também conseguirá  vender à América a economia do lado da oferta (supply-side economics)", afirma. E assim, sob a orientação da principal figura carismática do país, inicia-se a carreira do congressista Bob Forehead (personagem dos quadrinhos).

 

Um desempenhno marcante de Steve Forbes nas prévias eleitorais de lowa demonstra que um bom líder carismático, com um orçamento generoso, é capaz de sair-se bem, mesmo quando a matéria-prima não é das mais promissoras. Mas por que o rico editor sente a necessidade de ser o seu próprio Bob Forehead? Seria ele nada mais que um capitalista ingênuo?

Muitos comentaristas especularam sobre as motivações pessoais do candidato. E, evidentemente, é mais provável que os ricos, em geral, se candidatem a cargos públicos, em conseqüência das leis sobre o financiamento das campanhas políticas, pelas quais as pessoas de posse podem gastar a rodo na própria campanha, mas não na alheia. Mas o motivo que torna tão impotante esta restrição é o fato de Mr. Forbes estar sozinho, forçado a financiar por conta própria uma campanha do lado da oferta - pois o resto do partido não está  interessado. Afinal, quem precisa de outra cruzada, quando já  se ganhou a causa?

Considere, por exemplo, como a América no final da administração Rubin-Summers se compara com Amérlca no encerramento do mandato do presidente anterior. Em 1980, os contribuintes mais ricos enfrentavam uma aliquota marginal de 70% no imposto de renda - ou seja, ficavam com apenas US$ 0,30 de cada dólar adicional nos seus rendimentos. Agora, embolsam mais de US$ 0,60. Em 1980, os críticos sociais conservadores advertiam que as políticas de bem-estar social excessivamente generosas estavam apenas sustentando uma cultura de pobreza; nos anos 90, Bill Clinton extinguiu o bem-estar social, tal como o conhecíamos. Em fins dos anos 70, os sindicatos poderosos conseguiam enormes aumentos salariais em indústrias como a automobilística e a siderúrgica; hoje, apenas um em cada dez trabalhadores do setor privado é sindicalizado, e os remanescentes são apenas sombras do passado.

E ainda mais importante do que estas mudanças nas políticas públicas são transformações da própria economia. Em 1980, os críticos consevadores se queixavam de que as empresas não eram recompensadas; de que os preços das ações haviam declinado em termos reais, de que a América se tornava uma sociedade na qual simplesmente não mais valia a pena tentar ser rico. Vinte anos depois, após uma década que faz com que os anos 20, em comparação, mais pareçam um vagido inconseqüente, é difícil imaginar quais seriam as reivindicações adicionais dos ricos.

Assim, por que pessoas como Steve Forbes apenas não proclamam a própria vitória e vão para casa? Sem dúvida, os prósperos gostariam que os impostos fossem ainda menores – que é a promessa de George W. Bush, cuja vida se tornou ainda mais fácil, graças às receitas decorrentes de uma economia florescente (será  que ele está sendo sincero ou está  agindo dessa maneira porque‚ o que se espera dos republicanos? Quem sabe?). Mas há algo importante que o movimento do lado da oferta ainda não conseguiu e que continua sendo o seu maior anseio, o apoio dos intelectuais.

Coloquemos a coisa nos seguintes termos: os assesores econômicos de Mr. Bush, pelo menos aqueles cujos nomes aparecem na imprensa, são - para mim, é duro fazer esta afirmação – pesoas razoáveis. Em outras palavras, Isso significa que as perspectivas desses indivíduos sobre o funcionamento do mundo diferem em alguns detalhes relevantes, mas não nos aspectos gerais, da visão dos economistas convencionais como eu - ou, quanto a isso, Larry Summers. E essa razoabilidade é que leva Mr. Forbes a subir pelas paredes.

Pois Mr. Forbes, pelo menos intelectualmente é o verdadeiro herdeiro da revolução de Reagan - revolução que deveria ter varrido para a lata de lixo da História a ideia dos tipos ortodoxos de Wall Street e de Harvard.

Os verdadeiros crentes não queriam apenas o encolhimento do estado do bem-estar social, almejavam o repúdio de todo conceito de rede de segurança social. Não pretendiam que a política econômica se preocupasse menos coma gestão da demanda keynesiana e mais com os incentivos, ansiavam por uma declaração oficial de que a economia keynesiana era uma fraude. Chame-o de idealismo, chame-o de vaidade – o movimento da economia do lado da oferta sempre foi além de sua cota de acadêmicos frustados (Newt Gingrich, Dick Armey) – mas a causa representada por Mr. Forbes exige nada menos que a vitória incondicional.

No entanto, a ortodoxia republicana não está interessada. Já atingiu os seus objetivos; agora é uma questão preservar os ganhos. E para tanto não é preciso Bob Forehead, pois já contam com George Bush.

Ou talvez seja a mesma coisa.