Dormir (bem) é preciso


Entrevista com a jornalista Mirtes Helena com o Professor Fernando Pimentel de Souza, revelando os resultados mais recentes sobre o sono, os sonhos e seus mistérios.

 
    Ao contrário do que, muitos pensam, o sono não é uma atividade passiva. O nosso cérebro trabalha com força total durante este período, pois é nessa fase da vida que estamos aprendendo coisas, selecionando o que deve ficar na memória e o que pode ser jogado fora. O sonho, neste caso, tem uma importância fundamental e saber compreendê-los e analisá-los pode enriquecer muito as nossas vidas. Quem sonha acorda mais criativo.

    Estas são algumas das revelações feitas pelo professor de Neurofisiologia da UFMG, Fernando Pimentel de Souza, que a partir de agosto, pretende fazer uma pesquisa na cidade para tentar descobrir como dorme o belo-horizontino e, conseqüeniemente, oferecer sugestões que possam melhorar a nossa qualidade de vida.

    Nesta entrevista, o professor Pimentel fala ainda sobre os sonhos dos bebês - fase em que eles herdam comportamentos e movimentos dos seus antepassados - e faz uma revelação interessante: os bichos também sonham. Outra advertência do pesquisador: o homem que não dorme bem é um cidadão de segunda classe, apto portando para o trabalho físico, mas incapaz de desempenhar bem um trabalho intelectual. Dormir bem significa cumprir adequadamente os cinco estágios pelos quais o sono passa.

4-44a.jpg (79513 bytes)
As experiências do professor Fernando são feitas em cérebro de animais

 
EM - Professor Fernando, começa falando sobre esta pesquisa que você vai fazer para revelar como dorme o morador de Belo Horizonte.

R - Esta pesquisa visa, inicialmente, levantar características próprias do sono e ver as influências ambientais particularmente da poluição sonora para ver como isso afeta as atividades das pessoas, principalmente as atividades intelectuais e psicológicas.

EM - Quais seriam as funções do sono? Eu já ouvi coisas diferentes a respeito disso. Já ouvi alguém dizendo que dormir signfica descansar e já ouvi também pessoas dizendo que, enquanto se dorme, é o momento em que o cérebro mais trabalha. Há também quem diga que o sono serve para recuperar energia. O que é domir, na verdade?

R - O sono tem sido muito pesquisado ultimamente, assim como o sonho. O Freud criou uma teoria de interpretação de sonhos, com bases clínicas. Foi depois da II Guerra Mundial que realmente as pesquisas ganharam peso. Ainda predomina nos livros-textos a ideia de que o sono seria uma fase passiva, de descanso. Hoje, no entanto, está muito claro que o sono não é passivo. É ativo. É uma mudança de atividade.

EM- O que é que se passa no cérebro de que está dormindo?

R .- Alguns animais primitivos como o oritorinco exercem, no tempo real, as funções que a mente exerce no sono. O sono tem função de selecionar as informações que são importantes e que a gente viveu durante o dia. Isto acontece no adulto. Ao mesmo tempo, o cérebro escolhe quais as infiormações que serão gravadas na memória e quais as que serão jogadas fora. Esta seleção obedece a um condicionamento - o critério das emoções.

EM - E o sonho, o que é?

R - O sonho é uma fase do sono. É considerado a quinta fase do sono. É a fase onde a atividade cerebral é maior, onde os quadros vividos tão repassados um a um. Analisar um sonho é fundamental porque a pessoa descobre as razões que o fizeram comportar ao longo da vida. Muitas vezes o sonho dá saltos que nada tem a ver com a série histórica da vida, você encontra fatos da infância que são relacionados com a sua atividade de adulto. Você pode encontrar a chave do seu comportamento atual em outras épocas da sua vida.

EM - É verdade dizer que se a gente não sonhar a gente morre, tal a importância do sonho?

R - Experiências feitas nas décadas de 40 e 50 por Kleitman, em Chicago, mostraram que as pessoas que ficavam, durante uma semana, tendo suprimidas apenas as suas fases do sonho - que acontecem no quinto estágio do sono - ficaram com péssimo humor, dificuldade de concentração e de atenção. Isto ocorre com as pessoas que se submetem às mudanças de fuso horário.

4-44b.jpg (82827 bytes)
Fernando Pimentel quer descobrir como dorme o belo-horizontino

EM -O sonho tem alguma função terapêutica?

R - Olha, o sonho é muito importante na consolidação da memória como já vimos. Ele vai escolher o que é que a gente vai aprender. Talvez o sono seja o momento mais importante da nossa vida em termos de aprendizagem. Quando se está dormindo, você está aprendendo. Não apenas no aspecto cognitivo, mas a também no aspecto de informação. A trama do sonho é motivacional. Você encontra nela os traços diretores da sua conduta ao longo da vida. Através dos sonhos, você pode destrinchar os seus problemas. Você pode dormir com um problema e acordar com a solução se você sonhar bem e examinar bem os seus sonhos. Você pode ser o seu próprio terapeuta se souber valorizar o seu sonho.

EM- E por que as pessoas estão sonhando menos?

R - Por causa dos distúrbios do sono. Isto reflete na perda da qualidade de vida e no aumento dos problemas psicológicos. É preciso reencontrar o ideal em termos de qualidade de vida. Isto significa um sono mais conveniente.

EM - E a insônia, professor? Quais são as causas da insônia?

R - A insônia tem várias causas que podem ser orgânicas ou externas, basicamente. O sono obedece a um ritmo biológico regulado por um relógio interno, mas sincronizado pelo ritmo de atividade, pelo ritmo social da pessoa. Há uma imposição dos ritmos externos sobre os naturais e é isto que dá a sincronização, podendo gerar tembém tensão. Por isso é que as pessoas tendem a recuperar o ritmo nos finais de semana. Só. que, quando começa a semana, há o efeito da segunda-feira, forçado pelas obrigações. Quando os ritmos extemos saem muito fora do ritmo natural, ocorre a insônia. Ou então, quando os problemas orgânicos são tão fortes que perturbam o momento de ocorrer o sono. O cérebro tem uma coordenação geral. O sono é regulado por núcleos, por áreas específicas. Se for colocado um eletrodo estimulando a área especifica do sono num animal, por exemplo, ele dorme imediatamente.

EM-Quantos e quais são os estágios do sono?

. R - São cinco estágios, que podem até ser resumidos em dois: a parte do sonho e a do não-sonho. Os do não-sonho, que são quatro estágios, seriam fases de lentificação da onda cerebral por efeito da supressão da estimulação extema, quando o organismo vai adquirindo ritmo próprio.

EM - Isto acontece logo que a gente deita para dormir?

R - É. Aos poucos, a onda vai ficando mais lenta até atingir um nível de onda delta, que é uma onda de três a quatro hertz por segundo. Paradoxalmente, este estágio é chamado de sono profundo, quando é mais difícil de a pessoa ser acordada. No quinto estágio, que é quando a sonha,a onda tem uma aceleração muito grande. Por isso é que se diz que o cérebro fica muito ativo e trabalha muito. A onda cerebral atinge um nível de aceleração praticamente do estágio de vigília, o cérebro trabalha a toda. Agora, durante todo o período de sono existe um isolamento sensorial do meio ambiente. Estamos protegidos pelo limiar de ruído. Para acordar alguém que está sonhando são necessários 32 decibésis. Pode acontecer também de um barulho apenas superficializar o sono. Então, a pessoa de estágio Cinco, passa para o estágio Quatro, depois o Três e assim por diante. O barulho no estágio Cinco sacrifica o sonho, em detrimento das funções intelectuais e psicológicas da pessoa. Do ponto de visa físico, no entanto, o estágio Quatro é o mais reparador.

EM - Em que momento ocorre este estágio Quatro? Digamos que uma pessoa, em situação normal, deite-se para dormir às 10 horas da noite. A que horas ela vai atingir o estágio Quatro?

R - Uma coisa que hoje em dia se conhece é que o organismo é todo controlado por relógios biológicos internos. Nós passamos pelos diferentes estágios do sono de quatro a cinco vezes por noite. Dentro de uma hora e meia, chegamos ao estágio Quatro. Depois do Cinco, voltamos de novo ao estpágio Um. Nós sonhamos por volta de cinco a dez minnutos. Os estágios se repetem quatro ou cinco vezes por noite. Só que os estágios iniciais vão se tornando mais curtos e o estágio Cinco vai ficando mais longo. Portanto, na medida em que você dorme, você vai tendo periodos de sonhos cada vez mais longos. Outra coisa que é preciso dizer é que a interrupção do sonho é maléfica.

EM - A gente pode considerar que dormir muito também é um distúrbio?

R - Pode ser uma doença chamada narcolepsia, que é uma doença orgânica em que a pessoa tem um sono incotrolável. Mas há pessoas que dormem muito por outras razões como educação e condicionamento, que não chega a ser uma doença. Como o cérebro trabalha muito durante o sono, as pessoas que dormem muito acabam gastando em excesso determinadas substâncias que são necessárias à sua vida em estágio de vigília. Gasta-se, por exemplo, durante o somno , muita noradrenalina. A pessoa então fica lerda, lenta. Já o contrário, dormir pouco, faz sobrar noradrenalina e a pessoa fica agitada demais durante o dia. Muita coisa que até algum tempo era considerada como uma característica da personalidade sabe-se, atualmente, que está ligado ao sono da pessoa, à forma de como ela dorme. Quem dorme menos fica mais agitado e portanto, mais disposto ao trabalho físico. Em compensação, se a pessoa dorme demais, torna-se mais lenta e mais apta, mais fértil e mais criativa, principalmente se ela sonhou muito.


Quanto mais uma pessoa sonha, mais preparada ela está para suportar, no dia seguinte, uma jornada de trabalho, principlamente, na área intelectual.


EM - O que é que acontece com essas pessoas que, por força do trabalho, são obrigadas a trocar o dia pela noite, como os garçons, os guardas noturnos etc?

R - Este caso está sendo muito estudado na Faculdade de Saúde Pública de São Paulo e na USP. É um problema muito sério porque o ritmo do sono é quebrado. Vou explicar melhor: a criança tem o sono polifásico, quer dizer, ela acorda e dorme várias vezes. Logo que nasce, uma criança dorme até 16 horas por dia…

EM - Quer dizer que um recém-nascido passa várias vezes pelo ciclo completo do sono, pelos cinco estágios?

R - Sim, mas são mais curtos e não têm a mesma função que têm no adulto. A criança não tem, por exemplo, o correspondente ao estágio do sonho. A criança tem o chamado sono agitado e acontece desde a vida uterina. Provavelmente, a criança passa a maior parte do tempo dormindo dentro do útero. Até três meses de vida, a criança tem um sono diferente particularmente na etapa que seria a fase do sonho. É a fase do sono agitado, quando ela faz a transcrição do código genético para estruturação do sistema nervoso. A herança do comportamento e dps reflexos é consolidade nesta hora.

EM- Quer dizer que o bebê não sonha?

R - Ele não pode sonhar com as coisas vividas pois ela ainda não viveu. Ele sonha de um jeito diferente, com a herança genética de seu antepassados. Quando o bebê está mexendo, neste fase, ele está, digamos, herdando, geneticamente, os movimentos e comportamentos dos seus antepassados.


O bebê não sonha. Ao invés do sonho, ele vive a experiência de herdar dos seus antepassados os movimenos e comportamentos, durante o sono.


EM - Mas nós estávamos falando no trabalho que troca o dia pela noite…

R - Pois é. Na transformação da criança para o adulto, ela deixa de ter um sono polifásico para ter um sono agrupado e um período longo de vigília. Na verdade, nós temos dois relógios biológicos; um que alternam a cada dia, e outros, que alterna a cada duas horas, mais ou menos o período de sono dos bebês. Na medida em que az pessoas ficam adultas, este relógio circadiano prevalece sobre o outro. Isso não aconteceu por acaso. O homem, ao desenvolver sua capacidade intelectual, especializou sua capacidade de vigília e sono ficou com a tarefa de restaurar e homem para suas atividades. O sono serve para organizar o homem para sua próxima etapa de vigília. Quem dorme dessincronizado tem um problema sério de adaptação. As atividades diurnas são barulhentas, o que significa que esta pessoa vai ter um sono difícil. São raras as pessoas que se adaptam a esta troca de turnos. Muitas vezes, as pessoas acham que se adaptam, mas se a gente for medir os parâmetros fisiológicos, vê que ela não está adaptada. Estudos mostram que essas pessoas revelam uma queda de suas capacidade físicas, fisiológicas, intelectuais e sofrem com a sonolência. Os maiores acidentes aocntecem exatamente no período noturno, de uma às cinco horas da manhã. Exemplos: a explosão da Usina de Chernobyl na URRS, de Three Miles Island nos Estados Unidos e da indústria química de Bophal na Índia.

EM - Professor, bicho sonha?

R - Provavelmente sim. Há dados que indicam isso, embora nenhum deles tenha vindo nos contar. Mas todos os indicadores fisiológicos que a gente tem e que monitoram o sono do homem mostram que os animais provamente sonham. Há uma experiência interessante de um pesquisador francês chamado Jouvet, que mostra que, quando a gente dorme, há uma inibição da motricidade. Então a gente tem a vida interior mais valorizada. E ela é, geralmente, inconsciente. O Jouvet lesou o núcleo que inibe a motricidade no gato e observou que ele, quando sonhava, andava de acordo com o seu sonho. Era como se ele representasse o seu próprio sonho sem saber que o estava representando. Provavelmente, o sonho do gato fosse caçar um rato. Nesta experiência, ele caçava o rato com a pupila fechada.


Tudo indica que os animais também sonham, embora nenhum deles tenha nos relatado isso. Mas algumas experiências com gatos já mostraram o fenômeno.


EM - Por que é que nem todas as pessoas se lembram dos sonhos que tiveram?

R - As imagens que nós vivemos no sonho são imagens de memória de curto prazo e, apagam muito facilmente. Experiências mostraram que as pessoas lembram do sonho quando são acordadas logo depois que sonharam. É como a memória de curto prazo que vê um número de telefone, guarda por algum tempo e depois esquece.

EM - O que mais acontece com as pessoas enquanto elas sonham?

R - Há uma aceleração da frequência cardíaca, da frequência respiratória. No homem, há ereção peniana, na mulher há um aumento da vascularização da genitália…

EM - Mas isso só acontece nos sonhos eróticos, não é?

R - Não. Em qualquer sonho. Há estudos claros sobre isso. Aí entra a discussão sobre a natureza erótica dos sonhos. O Freud, em sua teoria psicoanalítica, coloca que necessariamente a origem de todos os sonhos é libidinosa. A fisiologia não endossa essa tese, uma vez que a gente tem são correlatos fisiológicos. São efeitos que aparecem simultaneamente. Nós estamos num ponto em que não sabemos se é causa ou efeito. Há correntes fortes que acham que é um efeito simultâneo que poderá contaminar os sonhos. Mas que não necessariamente os sonhos sejam contaminados com a natureza erótica.

EM - Quais são as condições ideais para uma pessoa dormir?

R - Primeiro a pessoa precisa ter uma boa saúde. Depois, vêm as questões ambientais como a penumbra e o nível de ruído. Para o conforto auditivo, o ruído não deve ultrapassar os 50 decibéis. A 52 decibéis já há uma superficialização do sono, segundo o trabalho do doutor Vallet, na França.

EM - É correto dizer que as pessoas mais velhas dormem menos?

R - Provavelmente isso ocorra devido aos distúrbios de sono ao longo da vida, do choque com os ritmos sociais. Não é verdade que a pessoa de idade durma pouco. Ela muda de sono agrupado para o sono polifásico. Então, ela cochila mais. É uma fase regressiva, quase que de volta à infância.

EM - Quantas horas de sono uma pessoa normal e adulta necessita?

R - O ideal ainda não foi determinado. A média mundial mostra que a a maioria das pessoas dormem sete horas e meia por noite. Mas as pesquisa feita pela Escola Paulista de Medicina recentemente descobriu que o paulistano já dorme oito horas. A pessoa quando dorme mal, tende a dormir mais para compensar. O paulistano, nesta mesma pesquisa, mostra também que gostaria de dormir mais do que dorme.

EM - Quando é que vai começar a sua pesquisa em Belo Horizonte e que entidades estarão envolvidas nela?

R - Ela deve começar em agosto. Vai depender dos recursos. Deve ser patrocinada pelo CNPq, pela Secretária Municipal do Meio Ambiente e pelo Ibama. Como consequência prática, essa pesquisa poderá apontar o que pode ser feito para que o morador de Belo Horizonte tenha uma melhor qualidade de vida. Gostaria de pedir a colaboração das pessoas tanto para responder perguntas quanto para permitir que se instalem aparelhos de medição de ruído em suas casas durante a pesquisa. Dependendo do resultado deste trabalho, é possível que se instale, em BH, um centro de referência de legislação ambiental.

 


back.gif (205 bytes)