O estresse e o mundo moderno

Fernando Pimentel de Souza

Titular de Neurofisiologia e Psicofisiologia da UFMG,
ex-Pesquisador IB do CNPq.

O estresse é uma doença de adaptação ao meio. Pode-se observar sua interação no lado interno ou no lado externo. O pesquisador canadense Hans Seyle descreveu muito bem o lado interno, em função das estimulações, excitações e agressões externas, que produzem uma escalada progressiva na defesa do organismo.

No início é só o aumento do alerta geral, estimulando o sistema vegetativo e o cérebro para se defenderem. Pode ser até benéfico no desempenho pelo fato de aumentar a atenção nas tarefas e a prontidão nas contrações musculares.

No entanto, isto tem sido usado abusivamente pelas empresas, sobretudo nesta fase de flexibilização do trabalho, quando o aumento de produção e produtividade não estabelecem um limite nas demandas ao empregado, que é acionado a todo instante, mesmo no lazer e em sua casa. Por outro lado, a cidade, comercializada, quer vender lazeres, quase sempre consumistas e excitantes, não dando trégua ao indivíduo, sobretudo porque o poder de intervenção do homem na natureza não se interrompe em hora nenhuma do dia ou da noite. Tende-se então a diminuir também o repouso das pessoas em nossas cidades, mesmo para aquelas de ritmo diurno. Assim a excitação no organismo fica permanente e de longa duração. Até aquela de menor intensidade a longo prazo acaba levando à fadiga, à depressão depois de passar por uma fase maníaca, excitante.

O aumento da escalada de excitação leva a seguir a mais reações instantâneas e profundas do organismo, é a fase reativa. Mas o corpo, em se mobilizando, começa a fazer de tudo para restabelecer o equilíbrio perdido. As vísceras quase em bloco procuram recuperar o estado de constância interna. O coração pulsa mais forte e em maior frequência para suprir o oxigênio e a energia consumidas predatoriamente. O trato gastro-intestinal se paralisa para dar espaço ao sistema cárdio-motor. O sangue esvai-se da pele e desloca-se para os músculos esqueléticos, ficando em prontidão para a ação. A visão não consegue mais focalizar o detalhe e junto com o cérebro vasculha todo o horizonte em busca de um ataque inesperado. A mente não pára de cogitar das surpresas que o podem prender em armadilha. Instala-se uma espécie de pânico.

O mundo hoje propicia-nos todas as condições para ficarmos sempre muito ativados. É a crise econômica, ameaçando-nos com o desemprego, com o rebaixamento salarial ou com a volta da inflação, consumindo nosso poder de compra. É desafio da competição, que exige cada vez mais, sob a ameaça de sermos substituídos ou passados para trás por aqueles que se atualizarem mais ou termos nossos empregos exportados. Cria-se a obsessão ao trabalho (ver os oito mandamentos do "workaholics" nas minhas páginas na Internet).

Finalmente, as mais altas excitações implantam uma reação mais forte ainda no organismo, podendo levar-nos ao limite de nossas possibilidades, começando o colapso interno. Os órgãos começam a falhar pois ficam exaustos, atingindo-nos com desespero e abandono pela impotência de agir.

Quanto a terapêutica, há várias formas. A mais tradicional no Brasil é não se ligar a nada, a alienação, já descrita por Mário de Andrade em o Macunaíma, ser por excelência surrealista, isto é, ausente da realidade e autofágico, devorando sem comprometimento, as novidades do 1º Mundo, conforme descreveu Oswald de Andrade. Suas manifestações são adquirir uma paixão qualquer: happening, lançamentos de fetiches, cultura kitch, carnaval, futebol, boemia, turismo etc. Por outro lado há formas desintegrativas e de repulsa à sociedade moderna desde ser ermitão solitário à dedicação integral às causas mais nobres, sob a cortina de fumaça de uma associação altruísta.

O mais difícil, no entanto é manter-se equilibrado num mundo cada vez mais desequilibrado. Como ser moderno, atualmente, diante das aspirações de crescimento individual, gozando dos privilégios do 1º Mundo, sem ser absorvido obsessivamente pelo trabalho sobretudo em um país excludente e sub-desenvolvido, que fecha as portas do futuro para os brasileiros, que são menos esclarecidos e ausentes do aperfeiçoamento científico e tecnológico?

Para combater o estresse é preciso manter o rítmo biológico, respeitando sobretudo o sono de qualidade (ver tabela de como dormir bem na Internet) e gozar de atitude de introspecção, sentindo a intimidade de seu ser, por exemplo, de gozar de lugares silenciosos, onde há prioridade absoluta ao pedestre, para exercitar-se fisicamente sem sobressalto e apreciar a natureza, sem ser contaminado pela poluição do ar, da terra e das águas. Comer de acordo com a fome e liberar as vísceras para fluírem naturalmente no seu rítmo próprio de equilíbrio (ver o decálogo anti-estresse na Internet).

Em conclusão, não resta às pessoas que podem, no mundo moderno, e são sensíveis à qualidade de vida senão abandonar as cidades para constituirem condomínios fechados, seus refúgios de bem-viver, nas suas periferias. Contrapõem-se a elas aquelas que lá também vão apenas vendo um lugar seguro para se esquivarem da violência predatória das cidades degradadas, barulhentas e consumistas, sobretudo de veículos automotores que infernizam a vida dos homens, mas não se importando de transformarem" aqueles sonhos dos ecologicamente sustentáveis" em novos bairros degradados, tomando os seus espaços, espouncando barulho nos seus ouvidos e tirando-lhes o direito de introspecção e silêncio e o encontro com o seu "EU".


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