PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E GLOBALIZAÇÃO
 
*Professor Fernando Pimentel de Souza
 
    A "Teoria da Dependência Econômica" de Prebish analisou os dados concretos do mercado de "commodities" durante décadas, controlados pelas bolsas de mercadorias dos países do 1º Mundo e constatou que ao curso dos anos: 1º) valorizam-se mais os produtos de maior valor agregado de ponta tecnológica, e 2º) os produtos primário ou pouco manufaturados tendem a perder em valor unitário de moeda ou por peso.

    Por outro lado, Ruggiero, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão supremo que substituiu o GATT, disse: "A globalização não vai desaparecer... A única questão é se vamos ou não acompanhar o seu avanço com políticas internas, que nos permitam adaptarmos à realidade das mudanças sem um custo social intolerável".

    Impõe-se que para nos prepararmos adequadamente para a globalização, reverter a situação de alguns setores de ponta, especialmente ligada às indústrias, que mais faturam, responsáveis pelo maior crescimento do 1º Mundo e de maior impacto futuro, como em biotecnoloia, informação, telecomunicações, novas formas de energia e materiais. Possuímos vários centros universitários, de pesquisa e tecnológicos, que detêm now-how" para funcionar como sementeiras ou incubadoras de micro-empresas, mas carentes de apoio e de recursos humanos.

    Só investimos 27% do percentual que os EUA o fazem em relação ao PIB em ciência e tecnologia, setores que comandam o crescimento futuro da economia moderna. A espera pela burguesia nacional dependente e pelos "rúcleos estratégicos" das multinacionais ficaremos a ver navios. Este ônus tem que ser majoritariamente assumido pelo governo. Em conclusão, 10% do PIB dos EUA, do jeito atual passaremos a ter 27%, que comandam o crescimento futuro, dos 10% de nossa economia atual em relação aos EUA, ou seja, seremos reduzidos a 2,7% do PIB dos EUA.

    Em conseqüência degrada-se o trabalho dos 23 mil membros de grupos de pesquisas do censo do CN Pq de 1994. No entanto, deveríamos aumentá -los para 100 mil, mantendo relação com 1 milhão de pesquisadores e tecnólogos dos EUA, mas nossos cientistas estão sendo progressivamente reduzidos a pouco mais de 7 mil pesquisadores, ultra-selecionados para serem minimamente complementados pelo CNPq, que na marcha de renovação atual de só 1/3 no governo FHC devemos ser reduzidos a apenas 2 mil. É uma destruição programada e burra, pois os R$3,8 bi anuais de todos os Ministérios não são suficientes para manter as insuficientes pesquisas em curso, constituindo-se no maior desperdício que uma nação pode fazer em tempos de globalização. O nosso dispêndio deveria ser de RS15,6 bi para mantermos no mesmo patamar se comparado com os EUA. Não se justifica faltar financiamento e salários dignos para os poucos pesquisadores restantes trabalharem bem.

    Na educação em geral também aumenta o fosso, pois investimos só 3,8% do PIB, ocupando o 80º lugar no mundo. Isto se reflete no ensino superior, onde o MEC destina R$4,0 bi por ano, subtraindo a folha de aposentados e pensionistas e a metade aplicada em pesquisa, extensão e administração, resta-nos 0,32% do PIB. O ensino básico é assumido majoritariamente pelos Estados e Municípios, que devem gastar 18 e 25% dos seus orçamentos respectivamente. E ainda por cima querem culpabilizar o ensino superior de gastar excessivamente, 80% da verba do MEC, quando há insuficiência de recursos para ambos.

    Questionariam como provisionar recursos. Poderia obter-se anualmente ou poupando 1.3 dos juros "escorchantes" pagos ao serviço das dívidas, ou diminuindo em apenas 5% a evasão fiscal da base tributária, como fez Osiris Filho em 1993 na Receita federal ou suprimindo tantas outras fontes de desperdício com os setores ricos mencionados. Nesta política de "tabuta rasa" não haverá  recursos humanos disponíveis para empreender o retardatário projeto nacional para o ano 2020, que ainda não foi desengavetado da Secretaria de Assuntos Estratégicos, e que terá de ser adiado por algumas gerações se for sério. Nos países neocapitalistas mais dinâmicos e ricos do mundo há  o reconhecimento de que a educação é o melhor negócio na ponta, aqui não, segue-se a agenda do Banco Mundial e BID.

    FHC concebe a globalização pelo ângulo industrial e mercantilista, procurando produtividade ou queda e custo nos preços, fruto da otimização neoliberal pelo "down sizing", "qualidade total" e importação de tecnologia, o que as multinacionais estão fazendo em toda parte. A divisão da sociedade em setores primários, secundários e terciários começa a ser substituído pela organização das multinacionais por "núcleos estratégicos" e "trabalhadores temporários", ambos cada vez mais enxutos. Seus "núcleos estratégicos", alguns milhares, devem ter as melhores condições de vida e trabalho e nunca deixariam de viver bem em países do 1º Mundo para sofrer de insegurança, má  qualidade de vida e degradação urbana nos países atrasados, onde faltam mão-de-obra ultra-qualificada, pesquisadores científicos e efervescente ambiente cultural e pessoas fluentes em inglês.

    A experiência de muitas universidades ainda deveria ser melhor ai aproveitada, não só tendo em vista a carência dos MEC e Ministério de Ciência e Tecnologia, mas devido a necessidade do país. Maiores incentivos deteriam ser dados em condições de trabalho, para os insuficientes pesquisadores ainda remanescentes, com uma avaliação qualitativa e abrangente para recuperar o potencial, inclusive dos que foram prejudicados pela austeridade passada nestas últimos anos, paralelamente procurando-se recuperar a mão-de-obra evasiva e não qualificada. A autonomia universitária deveria ser encarada como um caminho de aperfeiçoamento de funções, paralelamente apurando a gestão, e não como uma forma do governo se desobrigar de seu custeio para desperdiçar com ricos egoístas. O cenário mostra um retrocesso político e econõmico no país ao aderir precipitadamente ao ultra-neoliberalismo da sua forma social-democrática, embora
longe de a termos concretizado. Mas, o potencial da riqueza humana no Brasil poderá  abrir espaço para surpresas agradáveis e inovadoras para o país até a eleição de 1998, desde que se apresente brecha auto-sustentável.

    A revolução que o Brasil precisa não é só de treinamento cognitivo, de pesquisas de ponta e de integração tecno-industrial, mas de cultura inovadora e progressista como um todo, longe das idiotices da esquerda e da direita, dogmáticas e não científicas, formando o ser integral, com equilíbrio emocional, capaz de achar soluções originais e verdadeiramente progressistas para nossa inserção na globalização. Para isto é preciso urgentemente reformar a pedagogia usada, reciclando todos agentes multiplicadores, estrategistas, dirigentes e políticos xeretas e a forma de relacionamento interpessoal. O Estado de Bem-Estar Social deve ser enxugado, pela simples razão que num país pobre não deve haver desperdício, mas não extinto e destroçado, e até mesmo ampliado para novas áreas mais estratégicas e necessárias. Suas modificações devem ser cuidadosamente estudadas e testadas se possível antes de subverter aventureira e irreversivelmente a ordem estabelecida, por questões de sobrevivência e justiça social, para nos colocarmos melhor face à modernidade. Não adianta fazer reformas apenas de instituições, compromissadas com o "establishment" como o do Brasil do possível de FHC, salienta o sociólogo da USP, Emir Sader, em "O transformista FHC", lembrando a frase "Plus ça change, plus c'est la même chose" Para ele se ACM fosse o presidente nada mudaria em relação a FHC. Concordamos!

    O nó górdio da questão do bloco PSDB/PFL está  em FHC. De fato, ele parece que vali passar para a história como o mais "transformista" de nossos presidentes, pelo menos dos últimos que conhecemos. Mas que catastrofe! JK era também um sedutor pelo seu charme, mas compartilhava com o povo alegria de viver e crescimento econômico. Dinamizou a estrutura sócio-econômica do Brasil ao interligar Sul-Sudeste com Norte-Nordeste, continentalizando a costeira exploração do país. Getúlio, mais remotamente, interferiu profundamente na estagnada e atrasada economia ao dar partida na industrialização, quebrando um ciclo oligárquico. Os militares estruturaram parcialmente a universidade ao introduzir o plano de carreiras, formação de quadros de pesquisadores e da pós-graduação, não se descuidando de desenvolver uma infra-estrutura primária parao crescimento econômico. Entretanto, nenhum deles conseguiu modernizar nossa cultura, aguardando que em todo esse imbloglio intelectual aparecesse a face moderna da nação, mas ainda sem educar os recursos humanos a um nível de integração ao 1º Mundo.
 
    Diferentemente, FHC fala em modernizar o país, mas só mexe e mal na forma das estruturas. Através duma cortina de fumaça destroça a força mais dinâmica e transformadora, que são os recursos humanos, tanto na ponta com os professores universitários e pesquisadores, quanto na base sem dar massa crítica à nação. Assim, FHC não tem real capacidade transformista, porque ‚ movido por uma "infeção maligna no EGO". Não‚ persistente, nem criativo nas idéias, mas sempre negocista. Exposto intensamente a vírus, ele se transforma. Pelo seu efeito sedutor, multiplica-se a terceiros interesseiros. O mal ‚ que o meio de cultura do atual vírus infectante do "Ego de FHC" ‚ o da burguesia atrasada e egoísta, que sempre deteve o poder. Assim FHC negocia mudanças já  compromissadas com o "establishment", não mudando nada na correlação de forças do poder. Para que FHC não passe para a história como um dos maiores "derrotistas" da nação é preciso que tenha contacto com o vírus patriótico das "vozes roucas das ruas" brasileiras e não estrangeiras. Os empresários no "Forum das Américas" oficial já  reconheceram que não agüentam competir agora com EUA e Canadá. Para o ano 2005 é preciso investir muito em conhecimento e apropriação tecnológica, que só o brasileiro pode suprir aos seus empresários e criar empregos e qualidade de vida aqui entre nós.

* Professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.