O Horário de Verão deve ser mantido?


Professor Fernando Pimentel de Souza

 

O Horário de Verão foi criado no governo Geisel para economizar energia elétrica. Reduzido à região Centro-Sul por ser ineficaz no Norte e Nordeste, seu principal benefício hoje seria evitar o "black-out", queda do sistema elétrico nas horas críticas. O deputado Murad (PSDB-MG) propõe na Câmara Federal sua extinção por trazer pouca economia, 0,5 a 2%, e por ferir o princípio da cronobiologia. Mas os efeitos na saúde ainda não foram bem esclarecidos, prevalecendo-se generalizações.

A adaptação diária ao ciclo vigília-sono é delicada. O ritmo predominante no organismo é cerca de 25 horas e não é fácil de ser contido no período geofísico, que é o mesmo do calendário de 24 horas. Acertá-los implica ou ganhar 1 hora cada dia, tirando a folga dos processos biológicos, pouco redutíveis, ou na supressão de alguma função orgânica, geralmente do sono, com o conseqüente distúrbio. A adaptação em viagens entre fusos horários para mudanças de poucas horas pode-se fazer em poucos dias e se torna difícil, quando crônicas. No outro extremo, defasados de 12 horas poucos trabalhadores se adaptam realmente ao turno noturno, sendo mais perturbados pelo barulho e relações sociais.

O descanso semanal é um hábito milenar, que oferece a chance de por em dia a necessidade biológica atrasada e acumulada. Mas, quando a semana recomeça, gera-se a "síndrome da segunda-feira", devido ao início da compressão de 25 horas em 24. O uso geral da luz elétrica, o barulho noturno e a ocorrência de programas alternativos têm prolongado a vigília à noite. Muitas pessoas sentem-se enfim liberadas do trabalho no fim de semana e partem para uma desconcentração prolongada a partir da sexta à noite. Este atraso acaba virando em "insônia de domingo à noite", o que torna mais penoso o levantar na segunda-feira. Ao contrário, a sociedade moderna vem exigindo mais disciplina e dedicação do homem nas ocupações concentradas no período diurno em horas mais matutinas, dificultando a sincronização do ritmo biológico a ser conquistada a cada dia, recomeçando o ciclo cada semana.

Desadaptação ao ciclo vigília-sono ocorre nas grandes cidades do 1o. Mundo, onde cerca de 30% da população sofre de insônia. Agravada nas cidades brasileiras a insônia parece dobrar devido a dessincronização do ritmo biológico e distúrbios externos, ligados à desorganização social refletindo-se em descontrole pessoal do tempo, além dos seguintes sintomas: altos índices de atraso, de sonolência diurna, de irritação e de depressão, baixos rendimentos no trabalho e na escola, maiores taxas de êrro, de violência, de acidentes e de mortalidade no trabalho e no trânsito. As principais causas são a baixa qualidade de vida, resultante da falta de planejamento urbano, de áreas residenciais mescladas com áreas comerciais e boêmias, com alto índice de demolição e construção civil, atravessadas por eixos de trânsito não isolados acusticamente, convivendo com veículos, equipamentos e eletrodomésticos barulhentos, com indivíduos transgredindo a tranqüilidade alheia a qualquer hora. Junta-se a vida estressada e competitiva, sem estar preparado, e a crise e instabilidade do país. Acresce a deseducação, sobretudo emocional, que pertuba a saúde e o equilíbrio psicológicos

Mas, se os processos biológicos ou sociais dominarem, entra-se no atraso do calendário, e muita gente apresenta dificuldade de dormir ou de levantar-se à hora certa ou de acompanhar o ritmo da vida. É muito mais fácil ceder e prolongar o sono do que disciplinar o organismo para adiantar o ritmo biológico. Este fato é usado nas Clínicas de Sono no 1o. Mundo para ressincronizar cada dia os insones até atingir de novo a hora certa do calendário e pode demorar de semanas a anos para boa recuperação.

O Horário de Verão concerne toda comunidade, inclusive enfermos e debilitados, obrigados a se ressincronizar. O desafio inicial é ter que adiantar duas horas no ritmo biológico e só os disciplinados, com boa qualidade de vida, mais tranquilos e indiferentes às perdas de sono conseguem se enquadrar. Os que não conseguem, a maioria, podem até passar a desfrutar da maior iluminação natural, apesar da hora avançada e arcando com as referidas conseqüencias. Uma parcela grande de pessoas não vai adaptar-se ao horário por possuírem arraigados hábitos mais vespertinos e noturnos. Contingente imenso vai desfrutar de férias e feriados prolongados, incluindo festividades de fim de ano, Carnaval, Semana Santa etc, quando seguem mais os ritmos social ou biológico atrasados. Parcela considerável, a dos camelôs, devem atrasar o organismo para seguir mais o ritmo social. Junta-se a temperatura no verão frequentemente acima dos 25oC à noite, dificultando antecipar o bom sono, e, quando começa a baixar, acaba-se o Horário de Verão. De outro lado, o agricultor menos formal continua seguindo impertubável mais o ritmo solar, mais matutino.

Crônicamente a maioria dos brasileiros já passa pelo ônus de estar atrasado ou perturbado no ritmo biológico. Adiantar a hora sobrecarrega mais o social, a saúde e a produtividade dos que queiram se integrar nele. Enfim, todos que acharem razões sociais ou pessoais para se esquivar do horário de verão, o farão, mesmo sob dependência de manter a hora com soníferos. No próximo ano começa tudo de novo, sendo perdido um semestre de vaivém. Assim, ou este horário deve ser suprimido, só ajustando o horário de atividades estratégicas, ou ser adotado por todo o ano, de forma a permitir que muitas pessoas se adaptem definitivamente e se dê maior estabilidade na dimensão tempo para melhorar a qualidade da vida, o que lhe dá sentido.