O ruído pode provocar várias formas de reações reflexas, particularmente se o barulho é inesperado ou de fonte deconhecida, refletindo em reações primárias de defesa do organismo, podendo ser encontradas em todos animais que desenvolveram a audição como mecanismo de alerta, em especial para o homem em vigília ou dormindo, em que a audição extende seu papel no processamento da comunicação, aquisição de conhecimento e percepção da identidade própria (WHO, 1980; Bloom et al, 1985; Pimentel-Souza, impressão e no prelo). Se a exposição é temporária, o organismo geralmente retorna ao normal ou ao estado de pre-exposição em poucos minutos, correspondendo à reação primária da secreção catecolaminérgica da adrenal. Se o estímulo ruidoso é mantido ou alternado regularmente postulam-se mudanças persistentes.
O ruído é um estímulo potente para estabelecer conecção com o arco-reflexo vegetativo do SNA para manter o estresse crônico (Selye, 1954). Há diferentes reações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, incluindo um aumento de liberação de ACTH e de corticosteroides (WHO, 1980). Os órgãos alvos incluem vísceras como: glândulas endócrinas ou exócrinas, órgãos sexuais, sistema imune, coração, vasos sanguíneos, intestinos etc, que regulam os diferentes rítmos biológicos, incluindo o vigília-sono, secreções hormonais etc (Bergamini et al, 1976).
Efeitos na circulação sistêmica, como constrição dos vasos sanguíneos periféricos, acompanhada de pertubações circulatórias, inclusive hipertensão verificam-se em trabalhadores expostos a ruído. O ruído desenvolve inicialmente taquicardia, evoluindo para bradicardia, devido ao reflexo de pressor, aumento da condutância da pele, dilatação da pupila, todos efeitos proporcionais à intensidade do ruído acima de 70 dB SPL, sem adaptação ao estímulo (Cantrel, 1974; WHO, 1980). Outros distúrbios das reações simpáticas, além das perdas auditivas, são a diminuição da motilidade gastro-intestinal, úlcera péptica etc. Muitos efeitos psicofisiológicos e fisiológicos durante a exposição ao ruído podem ser considerados decorrentes da atividade simpática e hipotálamo-hipofisária secundária a reação geral de estresse.
Para Selye (1965), a
primeira fase (estresse agudo) caracteriza-se por resposta do SNA simpático
com liberação de noradrenalina no sangue. A segunda fase
(estresse crônico) representa período de resistência,
quando o organismo habitua-se ao agente agressor, prepara-se para continuar
se defendendo e passa a liberar mais adrenalina, que juntamente com o anterior
constituem os hormônios do mêdo, da raiva e da ansiedade. Nesta
fase o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal coordena também
um pouco mais tardiamente a liberação de cortisol, que é
um hormônio anti-inflamatório e gliconeogenético. A
terceira fase (estrese de exaustão) corresponde ao periódo
pre-agônico, com permanência da secreções destes
hormônios e queda das gonadotrofinas e oxitocinas, afetando a persistência,
comportamentos sociais e sexuais, levando à depressão psicológica,
à deficiência imunológica, à desintegração
orgânica, óssea, muscular etc. O organismo não mais
possui capacidade de adaptação frente a uma situação
de estresse intenso ou muito prolongada (Cantrell, 1974; Mouret, 1982;
Stansfeld, 1993; Henry, 1993).
Experiência em animais:
Usaram-se geralmente níveis muito elevados de som e uma faixa de frequência limitada. Henkin & Knigge (1963) expuseram ratos a som contínuo em 220Hz com intensidade de 130 dB, resultando numa secreção inicial elevada de hormônios, seguida duma depressão na corticosterona e dum rebote para níveis normais ou mais elevados. Aumento de secreção urinária de adrenalina foi seguida de rebote a uma estimulação repetitiva de 2s, modulado em 20kHz a 100dB (Ogle & Lockett, 1968). Eosinopenia e mudanças na glândula adrenal, temporárias ocorreram em camundongos expostos diariamente a um único período de 15 ou 45 min ou a durações intermitentes de 100min em frequência de 10-20kHz a 110dB (Anthony & Ackermann, 1955). Selye (1954) descreveu ação isolada e sinérgica aumentada do som com frio e escaldamento produzindo dilatação da suprarenal do rato.
Não se observaram mudanças patológicas na adrenal de ratos, um mes depois de exposição a 80dB em períodos de 18-26 dias (Osintseva, 1969), possivelmente devido a diferença de intensidade, duração e gama de frequência da exposição do som. Horio et al (1972) relatam o caso de 3 grupos de ratos, expostos a 8h de ruído a níveis de 60, 80 e 100 fons. Comparados com controle não exposto, a concentração sanguínea de 11-hidroxycorticosteriode subiu rapidamente no começo, atingindo um nivel máximo dentro de 15min, proporcional à intensidade do ruído. Os níveis cairam ao do controle dentro de 1 a 4h após a exposição. Em coelhos também impulsos sonoros produzem excitação estável e prologada na formação reticular e no cortex temporal de coelhos, a exposição contínua, insignificante depois de 1h da retirada do estímulo (Suvorov, 1971).
Anthony et al. (1959) mostraram diferentes efeitos agudos a ruído branco, 150-4800Hz, 140dB SPL, em 15 min por 4 semanas em camundongo, rato e cobaia. Não se verficaram danos orgânicos, mas uma redução do comportamento exploratório na cobaia. Alguns ratos e camundongos mostraram reação de congelamento. Não foi verificado um aumento de peso da adrenal, mas da zona fasciculata em ratos e camundongos, provavelmente com aumento da atividade adrenocortical. Aumentos maiores de corticosterona plasmática foram obtidos em ratos expostos à ação de som por períodos de 30s a intervalos de 5min com duração de 3, 5 ou 7 horas por semana, durante 16 semanas a 100dB (Rosecrans et al,1966). Os aumentos foram mais significativos em ratos isolados, concluindo que a solidão é um estressor.
Ruído variando de 55 a 95 dB em ratos produzem alterações nos comportamentos alimentar, reduzindo duração e ingestão e aumentando velocidade de comer e latência, e não alimentar, aumentando defecação, exploração, limpeza e tempo de descanço (Krebs et al, 1996). Postula-se que há uma redução do comportamento alimentar como forma adaptativa para enfrentar meios perigosos, aumentando alerta do sistema simpático-adrenal.
Em cepas de ratos sensíveis a crises audiogênicas, a reação ao estímulo auditivo é tão rápida quanto alguns segundos, gerando reações tônico-clônicas, depressão pós-ictal, colocando em evidência a liberação de prolactina e possivelmente opioides, como demonstrado noutros tipos de estresse. ACTH e b-endorfina são liberadas concomitantemente em respostas estressoras. Há envolvimento do sistema límbico no processo devido ao recrutamento da amígdala, a partir do mesencéfalo (Lewis et al, 1980; Graeff, 1984; Garcia-Cairasco et al, 1996).
Experiências e observações
em humanos:
Excreção
urinária aumentada de adrenalina e noradrenalina ocorreram após
90dB a 2kHz por 30min em sujeitos sadios, assim como em 3 grupos de pacientes
com (a) hipertensão sem causa conhecida, (b) convalescentes de ataque
cardíaco ou (c) psicóticos (Arguelles et al, 1970). Exposição
duas vezes por dia durante 30 min a 55, 70 e 85 fons resultaram em mudanças
significantes em leucócitos, eosinófilos, basófilos
e 17-hidrocorticosteroide urinário, comparado com 30-45 fons (Tataí
et al, 1965,1967). Aumentos significantes de excreção de
17-hidrocorticosteroide e noradrenalina foram obtidos a niveis de 40, 50
e 50 dBA expostos de 2 a 6 horas por vários dias (Osada et al, 1973).
Ao nível de Leq=36dBA e Lmax=55dBA produzidos por 14 a 64 vôos por noite já se eleva significativamente de 30% a secreção de adrenalina, atingindo 60% com Lmax=75dBA. Para Leq=68dBA há aumento significativo de adrenalina e de noradrenalina e não de cortisol em crianças submetidas a barulho de avião (Hygge at al, 1993), apesar de que Lmax=65-72dBA de ruído de avião sobre fundo calmo não serem suficientes para alterações de catecolaminas (Carter et al, 1993). Para Leq=45-54dBA noturno, com aumento de 8dBA de dia, não houve ainda aumento de cortisol (Pimentel-Souza et al.,1996). Ruído com esforço físico elevado só aumenta significantemente a noradrenalina e cortisol e não a adrenalina (Taffala & Evans, 1993).
Em laboratório durante 60 dias, ruído branco de Leq=50 e 70 dBA diurno e noturno respectivamente, com 3% de pico tonal médio de 85dBA produziram 25%¨de aumento do colesterol e 68% do cortisol sanguíneos (Cantrell,1974). Aumento de GH e PRL e quedas de metabólitos de 5HT foram obtidos durante o sono após 8 horas diurnas de exposição a 83dBA, indicando o efeito prolongado do estresse sonoro (Fruhstorfer et al, 1985). Em Leq=85dbA durante um dia elevaram-se significativamente a adrenalina, cAMP, colesterol, Mg sérico e decaiu Na no eritrócito e renina (Ising et al, 1980).
O barulho transitório a partir de 35dBA já provoca reações vegetativas, que à longo prazo e em níveis mais elevados, se convertem permanentemente em hipertensão arterial, secreção elevada de catecolaminas e de hormônios corticosteroides e adrenocorticotróficos, úlcera péptica, estresse, irritação, excitação maníaco-depressiva, arteriosclerose, infarte, observados sobretudo em industrias barulhentas, regiões urbanas, nas proximidade de aeroportos etc (Cantrell, 1974; WHO, 1980; Rai et al, 1981; Cesane et al, 1982; Vacheron, 1993; Babisch et al, 1993). Pelas razões acima a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1987), seguindo instruções da Organização Mundial da Saúde (OMS), recomenda o nível médio de 40dBA para hospitais, sala de aula, bibliotecas e residências. A OMS concluiu que o conforto auditivo termina acima de 50dBA e o estresse começa acima de 55dBA (WHO, 1980; Berglund & Lindvall, 1995).
Rai et al (1981) observaram
em trabalhadores com cerca de 7 horas em ambientes de cerca de 97dBA aumentos
de 46% no colesterol livre e 31% no cortisol, além de queda de 30,8%
de g-globulina. O trabalhador em ambiente ruidoso e em turno mostrou aumento
significante de noradrenalina para o primeiro estressor e adrenalina para
o segundo (Cesana et al, 1982). Isto significa que pelos níveis
de ruídos urbanos do 3o. Mundo seus cidadãos estão
"ingerindo muita gordura e outros venenos pelo ouvido", sujeitando-se a
sérios distúrbios hormonais, que se operam na "surdina",
pois seus efeitos se revelam à médio e longo prazo e não
são evidentes como um "raio da morte", abatendo de imediato a vítima.
Isto é confirmado por Babisch e colaboradores (1993) ao detectarem
aumento de 20% de infarte de miocárdio em regiões de Berlim
com ruído acima de 70dBA de média. A questão no 3o.
Mundo parece mais grave, pois, por exemplo, cerca de 80% da população
de Belo Horizonte está submetida diurnamente a ambientes acima de
70 dBA. Daí pode-se estimar então 800 mortes silenciosas
e graduais devem estar ocorrendo por ano só devido ao ruído
dentre as 5000 constatadas pelo IBGE em 1990, devido a arteriosclerose
em geral.
Uma síntese mais atual:
O aumento significativo de liberação de cortisol por si só, já a partir de Leq=70dBA e 50dBA, diurno e noturno respectivamente, indica que o organismo está sujeito a profundas alterações hormonais, no sistema reprodutor com inibição de GnRh, LH, FSH, estradiol e testosterona, nas funções de crescimento e da tireoide com inibição de GH, TSH, T3 e T4, no eixo metabólico acrescentando perda de massa óssea e aumento do tecido adiposo visceral, na função gastrointestinal inibição do vago, perda de motilidade intestinal e estimulação noradrenérgica do Locus Cerúleo (LC), aumentando tônus parassimpático sacral e motilidade cólica, na função imunológica queda na liberação de neuropeptídeos, citocinas e fator de ativação de plaquetas, havendo uma queda compensatória noradrenérgica de ação no LC etc. (Chrousos, 1996).
Referências: