3- SAÚDE OCUPACIONAL E RUÍDO
3.1) Modelo epidemiológico

    Segundo o modelo do triângulo epidemiológico citado por MENDES (1980), o estímulo desencadeador do processo de doença é originado do desequilíbrio na interação dinâmica de múltiplos fatores causais relacionados com os três elementos - vértices do triângulo: o agente, o hospedeiro e o meio ambiente. O agente patogênico é um elemento cuja presença em seguida a um contacto efetivo com o hospedeiro humano susceptivel serve de estímulo a uma perturbação especilica, em condições arrbientais favoráveis (ambiente fisico, biológico, social e económico).

    Em Saúde Ocupacional, ainda de acordo com MENDES (1980), o período pré-patogênico corresponde à fase em que ocorre a exposição ao agente causador do agravo muito antes do momento no qual o equilíbrio dinâmico mantido entre os vértices do "triângulo agente-hospedeiro-meio ambiente" venha a ser rompido e instale-se o "desequilíbrio-doença". Uma das formas de se avaliar o grau de exposição a um determinado agente - no caso o ruído - é através de avaliações ambientais diretas. Outras formas seriam verificar os efeitos do ruído na alteração do limiar auditivo, através de audiometrias (teste da função auditiva) ou de outros parâmetros biológicos sugeridos ; sabe-se, por exemplo, que o ruído arrbiental com média de 50 dB(A) noturno e 70 dB(A) diurno, com picos de cerca de 85 dB(A) em somente 3% do tempo, aumenta a liberação do hormônio cortisol de 68% e de colesterol em 25% (CANTRELL, 1974). Por outro lado a hipercortisolemia diminui a defesa imunológica do indivíduo, aunenta o índice de infecção hospitalar e facilita a propagação de epidemias, por diminuir a resistência do organismo à ação do agente patogênico (PIMENTEL-SOUZA, 1992).
 

3.2) Ruído

    Do ponto de vista fisico, o som é uma alteração mecânica que se propaga em torna de movimento ondulatório através de um meio elástico (OPAS, 1983). As principais características do ruído são :

- a intensidade, que é a quantidade de energia vibratória que se propaga nas áreas próximas da fonte emissora e se expressa em termos de energia (watt/m2) ou em termos pressão, Newton/m2, N/m2 ou Pascal); e

- a freqüência, que é representada pelo número de vibrações completas em um segundo, sendo sua unidade expressa em Hertz (Hz) (SANTOS, 1994).

    A faixa de audibilidade percebida pelo ouvido humano varia de 0,00002 N/m2 (mínima pressão perceptível à freqüência de 1.000 Hz) até valores muito elevados como 200 N/m2 (limiar de dor) e pala medir a pressão sonora, numa escala mais simples, utiliza-se uma relação logarítmica expressa em deciBel (dB) (SANTOS, 1994).

    "Considera-se que o ruído seja um som não desejado que pode afetar de forma negativa a saúde e o bem estar de indivíduos ou populações" (OPAS, 1983).

    Como os níveis de ruído podem variar de maneira aleatória, utiliza-se fieqüentemente medir o nível de pressão sonora contínua equivalente (Leq), expresso em dB, que é uma integral de toda energia sonora durante um tempo "T" do som flutuante, equivalente a um valor de som constante possuindo a mesma energia total ou dose (WHO, 1980; OPAS, 1983).

    Os apalelhos utilizados pala medir o nível de pressão sonora são dotados de filtros de ponderação para aproximarem as medições das características de respostas do ouvido humano. Existem quatro tipos de filtros: A, B, C e D. Habitualmente utiliza-se o filtro A que apresenta respostas maia próximas daquelas do ouvido humano. Os níveis da escala A se medem em deciBeis e são expressos como dB(A) (OPAS, 1983).

 
3.3 Ruído urbano

    O ruído urbano é originado de diferentes fontes de emissão tais como empreendimentos industriais e comerciais, construção civil e principalmente o tráfego aéreo, ferroviário e de veículos automotores que são os maiores responsáveis (CETEC, 1987).

    O nível de ruído do tráfego urbano se relaciona com a velocidade da circulação e com o número de veículos e a composição deste tráfego (a proporção de veículos pesados e os ciclomotores). Existem ainda aumento de ruído em zonas onde a circulação implica mudanças de velocidade e de potência, como nos semáforos, aclives e cruzamentos (OPAS, 1983) e na dependência de características das edificações vizinhas às vias públicas, que podem se comportar como verdadeiras barreiras à livre propagação do som Cada veículo automotor é uma fonte emissora de ruído de 70 a 90 dB(A), em média, a 7,5 metros de distância, sendo até mais ruidosos se estão em más condições de manutenção. Na medida que o fluxo de trânsito é pequeno, a passagem de um veículo origina um impulso transitório daquele nível, mas à medida que o fluxo se torna contínuo, o ruído tende a ser estável em torno de 70 a 75 dB(A), sem contar os picos eventuais (PIMENTEL-SOUZA, no prelo).

    Como principais características do ruído urbano, são citados a sua variação temporal e as mudanças bruscas observadas em sua intensidade. Este ruído ambiental pode variar com o tempo, sendo menos intenso durante a noite, com a redução das atividades laborais da comunidade e mais intenso no período diurno, principalmente durante os horários de maior movimentação de pessoas e tráfego de veículos (CETEC, 1987). Em situações como estas, o nível de pressão sonora equivalente (Leq) difundiu-se como escala para medir a exposição prolongada ao ruído, tendo sido recomendado por organismos internacionais como a Organização de Unificação de Normas, ISO (DARABONT, 1983; OPAS,1983).
 

3.4 Ruído e Poluição Sonora

    O ruído e a poluição sonora têm sido alvos de preocupações constantes, com farta publicação sobre o assunto nas últimas três décadas.

    A obra intitulada "Le bruit dû à la circulation urbaine: une stratégie pour l'arrélioration de l'énvironmement" (GCRMT, 1971), fornece análises detalhadas à respeito das fontes geradoras do ruído urbano, seus efeitos sobre os cidadãos e as estratégias do seu controle, servindo como valioso subsídio para a ação do poder público.

    O informe "critérios de salud ambiental 12: el ruído" (OPAS, 1983) aborda vários aspectos do tema fazendo considerações sobre a medição do ruído arrbiental, os efeitos do ruído (como interferência na comunicação, perda da audição, perturbação do sono, estresse, incômodo, efeitos sobre o rendimento e outros) e limites recomendados de exposição ao ruído. Faz recomendações sobre novas investigações entre elas a identificação de efeitos a longo prazo sobre a saúde provocados por níveis mais baixos de ruído arrbiental e estudos longitudinais de comunidades expostas a grandes modificações do ambiental. Este documento enfatiza que "o trânsito é a principal fonte de ruído para a comunidade e pode causar incômodos a amplos setores da população urbana".

    O estudo "Desenvolvimento metodológico de técnicas de medição e avaliação de ruídos urbanos" (CETEC, 1987) aborda os principais problemas relacionados com a poluição sonora em centros urbanos e apresenta uma aplicação metodológica de um levantamento sonoro realizado na área central de Belo Horizonte. Discute os parâmetros de avaliação existentes e apresenta os resultados encontrados.

    Em "Diagnóstico de ruído urbano de Belo Horizonte" (ÁLVARES et al, 1988) são apresentados resultados de medições de ruído externo realizados em 153 locais do Munícípio de Belo Horizonte, selecionados de acordo como zoneamento da Lei de Uso e ocupação do solo (Le Municipal n. 4034 de 25/03/85) e comparados com os padrões estabelecidos pelo regulamento da Lei Ambiental do município (BELO HORIZONTE, Decreto Municipal n. 5.893 de 16/03/88) vigentes na época. Os resultados revelam que a área central da cidade (incluindo Praça Sete), a rua Padre Eustáquio, a rua Padre Pedro Pinto, a Av. Perito II, a Av. António Carlos, a Av. Amazonas e o Anel Rodoviário são considerados os locais mais críticos (Apêndice 8.1 2, ÁLVARES & PIMENTEL-SOUZA, 1992).

    ÁLVARES e PIMENTEL-SOUZA (1992) registraram os valores de ruídos externos urbanos, internos de escolas, hospitais e residências em Belo Horizonte entre 1988 e 1991, encontrando que eles já estavam acima da prescrição municipal 4034/85, decreto 5893/88 e estavam longe de seguir as recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1966), da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1980) e de BERGLUND e LINDVALL (1995), que fizeram uma revisão atual para esta última instituição. Todos estes dados mostraram a degeneração ambiental na maioria dos logradouros públicos ou particulares de nossa cidade, incapazes de garantir o conforto auditivo, entrando na faixa perigosa de estresse sonoro. A tempo, foi recém editado uma nova legislação municipal referente à poluição sonora semelhante à anterior, apenas adaptando-a ao novo Plano Diretor de Belo Horizonte.

    PIMENTEL-SOUZA (1992) realizou revisão na literatura científica sobre os distúrbios do sono e da saúde em geral no cidadão urbano, devidos direta ou indiretamente ao ruído. Discutiu os principais fatores do ruído urbano no Brasil, com alguns dados de Belo Horizonte e sugeriu algumas medidas para reduzí-los.

    PIMENTEL-SOUZA (1993) estudou o problema de ruído tendo em vista o desempenho humano em condições de trabalho ou lazer, acarretando aumento do número de erros, acidentes e mortes.

    VAN DEN HEEVER e ROETS (1996) investigaram o nível de ruído a que estavam expostos motoristas de caminhm usando dosímetro de ruído instalado na gola da camisa durante o turno de trabalho de oito horas. De acordo com os resultados encontrados foi proposto que os motoristas usassem protetores auditivos enquanto dirigissem.

    Assim a literatura indica a importância do assunto bem como o interesse em estudá-lo, diante das evidências de que a poluição sonora em Belo Horizonte está em níveis insalubres na maior parte da cidade.


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