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ASPECTOS DO USO DA DESCARGA DO 
ÓRGÃO ELÉTRICO E ELETRORRECEPÇÃO NOS 
GYMNOTOIDEI E OUTROS PEIXES AMAZÔNICOS


T.H. Bullocka, N. Fernandes-Souzab, W. Grafc, W. Helligenberga, G. Langnerd, D.L. Meyerc, F. Pimentel-Souzab, H. Scheichd e T.A. Viancoura

Departamento de Ictiologia , INPA, MANAUS, Universidades da California em San Diego (a), EUA, Federal de Minas Gerais (b), Brasil, e Gottingen (c), RFA, e Techniches Hoschule, Darmstadt (d), RFA.

RESUMO: Após fazer-se um estudo sobre aspectos gerais de famílias, gêneros e algumas espécies de Gymnotoidei e outros peixes elétricos amazônicos, bem como sobre seus habitats e hábitos de vida, analisaram-se os órgãos elétricos e respectivas descargas em várias espécies. Procuram estabelecer-se as funções da descarga do órgão elétrico (DOE) na vida do animal, correlacionando-se a mesma com o comportamento e outros eventos. Em seguida eestuda-se a eletrorrecepção, seus órgãos dos sentidos especiais e processamento cerebral, inclusive o uso de eletrorrepção por peixes não elétricos. Conclçui-se o trabalho, interpretando-se o possível significado ecológico e prático dos fatos observados.

SUMMARY: Aspects of the use of electric organ discharge and electroreception in amazonian gymnotoidei and other fishes. An overview of the families, genera and some species of the Gymnotoidei is presented with a review of their behaviour and natural history, Characteristics of the electric organs and electric organ discharge (EOD) for various species are presented. The role of EOD on the animal's life is discussed, especially as it relates to behaviour and other events. Electroreception, its special sense organs and brain-processing, induding use by non-electric fish is discussed. The results of these studies are interpreted in terms of their pratical and ecological significance in the life of this group of fish.

I) Introdução ao estudo de peixes elétricos
    A bacia amazônica é o ambiente natural de um grande e notável grupo de espécies de peixes, os Gymnotoidei, os quais possuem, todos, órgãos elétrícos. Além da conhecida enguia elétríca, muitas outras espécies semelhantes dentre incontáveis milhões de peixes, estão descarregando fracos pulsos elétricos na água, noite e dia, durante toda a vida, numa.frequência de poucos até mais de mil pulsos por segundo.
    O Electrophorus electricus, a enguia legendária, desperta um especial interesse. Como os outros peixes fortemente elétricos, o "catfish" do Nilo, Malapterurus e a raia elétrico marinha, Torpedo - os quais pertencem a dois grupos não relacionados - sua estranha capacidade de excitar tanto a sensação quanto a contração foi percebida, senão compreendida, muito antes de Benjamim Franklin ter empinado seu papagaio durante uma tempestade. O poder da enguia elétrica tem despertado tanto respeito que, entre os caboclos que vivem ao longo dos rios do Amazonas, ainda existe a crença de que sua descarga ao redor da base de uma palmeira pode fazer com que as frutas caiam ().
    lgualmente notáveis são as outras espécies de gimnotóides com nomes comuns, como sarapó, ituí, tovira, peixe espada e fantasma negro. A descarga de seus órgãos elétricos (daqui para frente apenas DOE) é demasiado fraca para ser sentida, muito menos para poder ser ofensiva ou defensiva, e é usada para dois outros propósitos - para a detecção de objetos- alimento, plantas, obstáculos, cavidades ou de outra espécie, Estas funções requerem um sistema nervoso altamente desenvolvido para a percepção de mudanças muito pequenas no fraco campo elétrico da DOE e também para o controle da DOE, pulso por pulso.
    A capacidade para detectar campos elétricos extremamente fracos, na água, não está confinada nas poucas famílias que possuem órgãos elétricos e geram DOEs. Vários grandes grupos de peixes - embora seja minoria entre todos os peixes - são receptores mas não emissores, pelo menos de pulsos não especializados.Todos os peixes, como de fato todos os seres vivos, dissipam alguma corrente elétrica, ao menos como uma espécie de escapamento dos processos internos, e este pequeniníssimo sinal é usado pelos peixes eletrorreceptivos para encontrar a presa. No Amazonas, nove famílias de Siluroidei (em inglês "catfish", no Brasil surubim, cuiú-cuiú, caparari, bagre, piraíba, etc.) mais os Elasmobranchia residentes e visitantes (tubarões e raias) possuem delicados eletrossensores na pele.
    Este trabalho tem por objetivo introduzir um aspecto raro mas significativo de comportamento e ecologia. É uma atraente pesquisa em prática na Alemanha, na Holanda, na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos, na Rússia e em outros locais, inclusive no Brasil. Cientistas que vivem perto dos habitats naturais do peixe elétrico têm oportunidades únicas para aplicar estas especializações a problemas gerais da biologia de peixes e .águas naturais.
 

II) ASPECTOS GERAIS DE FAMÍLIAS, GÊNEROS E ALGUMAS ESPÉCIES DE PEIXES ELÉTRICOS
A. GYMNOTODEI
    Todos os peixes elétricos de água doce do Novo Mundo pertencem a esta subordem da ordem Cypriniformes e aparentemente todos os membros da subordem são elétricos. Para o propósito de nosso trabalho, é importante dizer que aparentemente todas estas espécies também possuem eletrorreceptores - a julgar pela amostra das espécies, que têm sido estudadas e que são algumas em cada uma das famílias conhecidas. Todos os gimnotóides são delgados e alongados, sem nadadeira dorsal mas com uma nadadeira anal extraordinariamente longa, lembrando a lâmina de uma faca pontuda daí o nome de "peixe-espada" (Fig. 1). Uma família tem a forma de uma enguia.
    Seis famílias são reconhecidas pelas mais recentes autoridades (Mago-Lecia, 1976), conforme relação abaixo, com alguns de seus gêneros representativos:

1. Electrophoridae. A enguia-elétrica, compreendendo o gênero Electrophorus (poraquê), forma uma família própria. É o maior gimnotóide, o único com alta voltagem, capaz portanto de usar a descarga para ataque ofensivo ou defensivo. Possui também órgãos elétricos separados de baixa voltagem, que emitem pulsos numa baixa frequência, irregularmente, para eletrolocalização e eletrocomunicação.

2. Gymnotoidae. O gênero comum Gymnotus (sarapó ou carapó) é um grupo euritópico, largamente distribuído, de espécies muito semelhantes. G. carapo tem sido muito estudado. É um peixe de pulsos (definido mais abaixo) de frequência média (cerca de 50 por segundo) e pode atingir mais de 45 cm, alimenta-se não apenas de invertebrados mas também de peixes de vários centímetros de comprimento.

3. Rhamphichthydae. Este grupo de peixes de freqüência média inclui o gênero Rhamphichthys, que atinge mais de um metro de comprimento, e Gymnorhamphichthys, o mais nítidamente circadiano de um grupo geralmente noturno. Ambos os gêneros normalmente ficam imóveis sobre o fundo, durante o período de repouso, sem procurar manter uma postura com o dorso para cima.

4. Hypopomidae. Este é um grupo mais diversificado de peixes de freqüência de pulso; baixa (<30 por segundo), média e alta (>l00 por segundo), incluindo muitas espécies de Hypopomus, Hypopygus, Parupygus e Steatogenys. Existe uma acentuada diferença entre as espécies na taxa de repetição e uma tendência para correlacionar inversamente este fato com a duração do pulso; permitindo presumivelmente que, espécies de pulsos simpátricos, reconheçam os sinais específicos de sua própria espécie.

5. Sternopygidae. Esta é a primeira família de espécies produtoras de ondas (em oposição a pulsos, no capítulo IV). Sternopygus é um gênero de baixa frequência (70-140 por segundo), portanto com o pulso mais longo da subordem (acima de 7 ms). Eigenmannia de várias espécies têm uma descarga de menos de 200 a mais de 500 por segundo, e são bons exemplos de espécies que ficam suspensos na água, com contínuas ondulações da nadadeira anal. Uma onda caudal e outra rostral encontrando-se e cancelando-se na parte mediana do peixe. Este gênero também é um bom exemplo de grupo gregário, já que a maioria dos outros gimnotóides é territorial ou mantém espaçamentos entre si.

6. Apteronotidae. Estes são os peixes de alta freqüência, produtores de ondas (cerca de 700-2100 por segundo), notáveis também por possuirem os ritmos mais regulares, em repouso, conhecidos no mundo vivo. As pequenas modulações de freqüência, sob controle cerebral, possuem significado comunicativo. Gêneros comuns na Amazônia incluem Apteronotus, (antigamente Sternarchus), Sternarchella, Sternarchorhynchus, Sternarchorhamphus, Sternarchogton e Porotergus.

B. OUTROS PEIXES ELETRORRECEPTIVOS
    Órgãos dos sentidos especializados na detecção de fracos campos elétricos na água têm sido "inventados" pela evolução muitas vezes - e não apenas nos vários grupos não relacionados de peixes que desenvolveram órgãos elétricos (Rajidae, Torpedinae dos Elasmobranchia; a família

Fig. 1 - Peixes gimnotóides. São mostrados exemplos de 4 gêneros em 2 famílias comuns no sistema do Amazonas

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    Astroscopidae de teleósteos marinhos; os teleósteos africanos de água doce dos Mormyrldae, Gymnarchidae e Malapteruridae, os teleósteos de água doce da América tropical da superfamília Gymnotoidei), mas também em outros. Estes incluem todos os outros Elasmobranchia (tubarões e raias), principalmente marinhos, mas também as raias de água doce, Potamotrygon e Paratrygon da América do Sul. Entre os peixes ósseos, o maior grupo eletrorreceptivo é o dos Siluroidei (Fig. 2), uma superfamília que abrange mais de uma dúzia de famílias, incluindo nove na América do Sul o milhares de espécies. De acordo com Bates (1964), a fauna extraordinariamente rica de peixes da América do Sul (i.e. a lista das espécies) é 40% de siluróides. Alguns dos mals comuns ou melhor conhecidos são os Pimelodidae, incluindo Sorubim, Pseudoplatystoma (capararí) e Brachiplatystoma (piraíba), os Doradidae, incluindo Doras e Oxydoras (cuiú-cuiú), os Callichthyidae, incluindo Corydoras, os Loricariidae (cascudos), incluindo Ancistrus (barbadinhos) e Plecostomus, os Trichomycteridae (Pygidiidae), incluindo Vandellia (candiru).
    Entre outros peixes, todos da América do Sul e outras partes, existem evidências, sugestivas ou conclusivas, de que a eletrorrecepção também ocorre nos Chondrostei, incluindo Scaphirhunchus (esturjão), Polyodon ("spoonbill"), Dipnoi, incluindo Lepidosiren (pirambóia, peixe pulmonado e possivelmente mesmo em alguns anfíbios da ordem Gymnophiona (=Apoda, Caeciliidae, cobra de duas cabeças).
    A eletrorrecepção não é conhecida em invertebrados ou em outros vertebrados aquáticos. Em vertebrados terrestres, incluindo a espécie humana, há alguma razão para crer que, mesmo se nenhum orgão de sentido está presente para detectar campos elétricos aplicados externamente, pode ser normal algumas células do sistema nervoso serem influenciadas por fracas correntes no tecido. Portanto, os mecanismos que estudamos nos estranhos peixes podem ter um mais amplo interesse neurobiológico.

 
III) ASPECTOS GERAIS DE HABITATS E HÁBITOS DE VIDA DOS GYMNOTOIDEI, PEIXES ELÉTRICOS
    Entre as seis famílias e dezenas de gêneros existem espécies que vivem em igarapés e rios, em lagos calmos e igapÓs, sobre fundo de areia e sobre lodo, em água branca, água negra e água azul (cristalina), em estuários de alta condutibilidade (ilha de MarajÓ: >2000 m mhos) e em águas de baixo teor mineral, de condutlbilldade extremamente baIxa (<10 m Mhos). Não quer dizer que os peixes eletrorreceptivos, ou mesmo os chamados peixes-elétricos (por possuirem órgãos elétricos) vivam caracteristicamente em águas opacas, embora, sem dúvida, a maioria deles o faça. O mesmo ocorre também com peixes não-eletrorreceptivos.
    Nosso conhecimento da distribuição exata das espécies é tão limitado que não podemos dizer se existem muitas espécies particulares confinadas à água negra ou branca, por exemplo. Podemos dizer que existem muitas que ocorrem tanto em uma quanto em outra, e portanto em águas de condutibilidade relativamente mais baixa e mais alta. Algumas espécies, tais como Electrophorus electricus, Gymnotus carapo, Apteronotus albifrons (mais conhecido no Brasil como ituí cavalo ou tovira-cavalo) e Eigenmannia virescens [conhecido como sarapó-branco) parecem ter uma distribuição geográfica muito ampla. Sem dúvida outras são tão raras quanto locais, mas as amostragens tem sido tão esporádicas e a taxonomia é tão pouco conhecida, que não se pode confirmar esta suposição. É muito necessário que se façam coletas sistemáticas em muitas localidades e habitats, com identificação adequada das espécies.

Fig. 2 - Peixes siluróides. São mostrados exemplos de várias famílias de "catfishes" comuns no sistema do Amazonas. A. DORADIDAE, Doras (Acanthodoras) spinosissimus. B. PIMELODIDAE, Rhamdia sebae e C. Sorubim lima (com vista dorsal da cabeça). D. BUNOCEPHALlDAE, Bunocephalus bicolor. E. LORICARIIDAE, Ancistrus cirrhosus. F. CALLICHTHYIDAE, Callichthys callichthys (de Sterba, 1963).

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    A maioria das espécies está sujeita a grandes mudanças sazonais, com a subida e a descida nos níveis da água, a inundação de enormes áreas de florestas e mudanças drásticas em tipos e disponibilidade de alimento.
    É provável que muitas espécies sejam especialistas alimentares, por exemplo buscando alimento ao redor de folhas de plantas aquáticas ou raízes de plantas flutuantes, ou entre o folhedo do fundo ou no lodo. A julgar pela experiência com os grupos mais bem conhecidos, pode esperar-se que especialistas extremos em alimentos e em associados e inimigos não sejam raros entre os gimnotóides. Todos os gimnotóides parecem ser carnívoros e a maioria alimenta-se de insetos e crustáceos, embora as espécies maiores predem peixes - talvez incluindo outros gimnotóides. Electrophorus e Gymnotus apanham e consomem peixes elétricos pequenos em tanques, mas isto não nos auxilia muito na estimativa do grau de uma tal predação na natureza.
    Sabemos menos ainda a respelto de outros inimigos dos gimnotóides e presumívelmente eles devem precisar escapar de um grande grupo de predadores, como os siluróides. Em várias localidades, métodos de coleta que apanham todos os peixes em vários metros cúbicos de água rasa [cerca de 1 m de profundidade), trazem um grande número de indivíduos e a maioria deles pode ser gimnotóides. Isto poderia dizer que o grupo possui significado econômico como uma parte substancial da biomassa disponível para os membros mais altos da cadeia alimentar.
 

IV) ÓRGÃOS ELÉTRICOS E SUAS DESCARGAS EM VÁRIAS ESPÉCIES DE PEIXES ELÉTRICOS
    No peixe-elétrico, a descarga elétrica é produzida por uma agregação de tecidos especializados, que constitui o órgão elétrico. A descarga é produzida por células, conhecidas como eletrócitos, que são células musculares modificadas, ou, em certos gêneros, neurônios especializados. Os órgãos elétricos formados por eletrócitos derivados de células musculares são "miogênicos" (evoluídos a partir do músculo). Os que são formados por eletrócitos derivados de neurônios são "neurogênicos" (Fig. 3).
    Os órgãos elétricos miogênicos evoluiram independentemente em vários e diferentes grupos de peixes. Na família     Torpedinidae dos elasmobrânquios (raias), os eletrócitos evoluiram a partir da musculatura branquial. Outras famílias de elasmobrânquios, os Rajidae (raias), possuem órgãos elétricos derivados dos músculos da cauda. No siluróide Malapterurus, o "catfish" elétrico, o órgão evoluiu desde o músculo peitoral. A família Astroscopidae de teleósteos marinhos, os "stargazers", tem órgãos evoluidos a partir de músculos normalmente envolvidos no controle do movimento do olho. A maioria das espécíes de peixe elétrico pertence aos Mormyriformes africanos e aos Gymnotoidei da América do Sul; nesses grupos os órgãos miogênicos evoluiram desde músculos axial e da cauda.
    Órgãos elétricos neurogênicos ocorrem apenas na família Apterotidae (inicialmente Sternarchidae) da superfamília Gynmtoidei da América do Sul (Fig.  3B). Estes órgãos são um resultado da evolução secundária de órgãos miogênicos lsto ocorreu por degeneração da parte miogênica do órgão e especialização dos neurônios que inicialmente o enervaram.

Fig. 3 - Órgãos elétricos. São mostrados esquematicamente exemplos das células geradoras de corrente e sua inervação em 2 tipos muito diferentes de órgãos elétricos, ambos dos gimnotóides. A. A enguia eÍétrica com seus órgãos de alta e baixa voltagem; o esquema em maior aumento mostra os compartimentos do tecido conectivo organizado serialmente, cada um contendo uma camada de eletrócitos com uma especialização de suas superfícies rostral e caudal, de tal modo que apenas uma é despolarizada pela chegada do impulso nervoso. Cada uma destas membranas pode contribuir com mais de 0,1 V (de Altamirano et al., 19530. B. O ituí-cavalo, uma espécie onduladora de alta freqüência e baixa voltagem; seu órgão consiste de terminações nervosas especializadas dos axônios efetuadores. Os nervos repetidos a cada segmento vertebral, orientados na mesma direção adicionam a corrente de seus grandes nódulos de Ranvier (de Bennett, 1971).

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    Órgãos miogênicos são capazes de produzir descargas mais poderosas de que os órgãos neurogênicos. Na enguia-elétrica (Eletrophorus), o órgão miogênico pode descarregar rapidamente (1 ms) uma corrente de 1 ampère numa voltagem de 500 volts (Fig. 3A).
    A vantagem dos órgãos neurogênícos é que eles podem descarregar mais freqüentemente do que os órgãos miogênicos. Isto decorre especialmente devido à capacidade dos neurônios de descarregar em taxas mais altas do que as células musculares. Certas espécies dos apteronotídeos descarregam o orgão elétrico a mais de 1800 vezes por segundo. Fazem isto, dia e noite, durante toda a vida.
    Os eletrócitos miogênicos estão, geralmente, entre as maiores células do animal e podem ser em forma de fita, disco ou fuso. Freqüentemente estão dispostos em pilhas, com todas as células orientadas no mesmo sentido. Esta disposição é comum na maioria dos órgãos miogênicos e parece ser um resultado da evolução convergente para permitir uma produção máxima de voltagem pelo órgão.
    A enguia-elétrica possui três órgãos elétricos: o de Sach, de Hunter e o órgão principal. O órgão de Sach e a porção posterior do órgão de Hunter podem ser descarregados sem uma descarga acompanhante do orgão principal. Esta descarga é de baixa amplitude (10 V) e provavelmente é usada mais para a detecção da presa do que para a sua captura. A notória descarga de 500 volts é produzida quando todos os órgãos descarregam simultaneamente; a maior contribuição é do orgão principal. A maior parte da corrente produzida pela descarga de alta voltagem é canalizada diretamenie para o ambiente, reduzindo assim o efeito sobre os tecidos do próprio animal, mas não será surpreendente descobrir que o sistema nervoso central do animal possui adaptações especiais que o tornam tolerante às correntes residuais que devam fluir através dele .
    Os eletrócitos ("eletroplacas") do órgão principal na enguia-elétrica são em forma de fita, comprimidas rostro-caudalmente e se estendem lateralmente desde a linha mediana. No adulto existem cerca de 6.000 eletroplacas dispostas em série, em uma coluna rostro-cau.dal. Existem cerca de 25 dessas colunas dispostas em paralelo para formar o orgão principal. Como a maioria dos outros eletrócitos miogênicos, estes são fisiologicamente polarizados. As duas faces dos eletrócitos diferem, em termos de sua excitabilidade elétrica. A face posterior dos eletrócitos da enguia é inervada, eletricamente ativa e produz um pico de potencial elétrico devido ao sódio em resposta ao sinal de comando neural. A face anterior possui uma baixa resistência e é eletricamente inexcitável. Combinada com tecidos acessórios isolantes, esta polarização maximiza a produção da corrente elétrica. Parcialmente, devido a esta propriedade de polarização do eletrócito, o estudo dos vários tipos de órgãos elétricos conduziu a importantes reve!ações a respeito das propriedades das células excitáveis.
    Em céluIas musculares normais, a contração é iniciada por um rápido evento elétrico que se proçaga através da célula. Numa célula única, a amplitude de pico a pico deste evento elétrico é de 80 a 100 mV. Este evento, o potencial de ação do músculo é gerado como um resultado de uma estimulação sináptica proveniente de um neurônio que traz informação do sistema nervoso central. A maioria dos eletrôcitos, embora não todos, assim como as células musculares das quais são derivados, produzem um potencial de ação tudo ou nada quando excitados pela informação carregada pelo neurônio inervador. Com os eletrócitos dispostos em série, como pilhas em uma lanterna, e estimulados simultaneamente, as voltagens das descargas dos eletrócitos individuais se somam. Se não ocorre curto circuito das descargas, as 6.000 eletroplacas dispostas serialmente na enguia-elétrica adulta produzirão uma descarga elétrica somada de 480 a 600 Volts, o que de fato ocorre.

Fig. 4 - Tipos de descargas de órgãos elétricos. São mostrados vários exemplos de gimnotoides da América do Sul para ilustrar a variedade de taxas de repetição e formas de ondas. As primeiras 4 espécies pertencem ao grupo chamado de "espécies pulsadoras", porque o intervalo entre as descargas é relativamente longo, As últimas 3 espécies pertencem ao grupo chamado de "espécies onduladoras", pois o intervalo é aproximadamente igual à duração da descarga. As DOEs são mostradas simultaneamente em escalas de tempo mais lentas ou mais rápidas (de Hagiwara & Morita, 1963).

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    Com base na descarga de seus órgãos elétricos, os peixes elétricos são classificados como pulsadores ou onduladores (Fig. 4). Os pulsadores produzem uma descarga curta semelhante a um pulso, a intervalos relativamente longos e irregulares. Dependendo da espécie, um pulsador descarregará seu orgão elétrico desde poucas vezes por minuto até mais de 80 por segundo. Os onduladores descarregam numa freqüência constante para produzir um campo elétrico de tipo semelhante à onda senoidal. A regularidade dos intervalos de descarga é notável; é suficientemente estável para ser o mais acurado dos relógios biológicos. Dependendo da espécie, um ondulador descarregará cerca de 100 vezes por segundo até mais de 1.800 por segundo.
    Os pulsadores possuem uma considerável amplitude para variar a taxa de descarga. Quando eles estão ativos, alimentando-se, perturbados, ou de outro modo excitados, eles podem aumentar a taxa de descarga em várias centenas por cento. Uma razão plausível para este aumento dessa taxa associada ao estimulo, é que o peixe interroga seu ambiente mais freqüentemente para detectar objetos e dessa forma obter a informação necessária à sobrevivência.
    Os onduladores normalmente não alteram a taxa de descarga em mais do que cerca de 10%, e apenas sob circunstâncias particulares (ver RES em C do capitulo seguinte). O ondulador constantemente obtém informações sobre o ambiente numa alta taxa, .e as mudanças na freqüência das descargas estão associadas mais estreitamente com comunicação social do que com detecção de objetos.
    O órgão elétrico descarrega em resposta a um sinal de comando do sistema nervoso central. Este sinal origina-se em um núcleo de células localizado na porção do cérebro chamada bulbo e, com exceção do "catfish" elétrico, é transmitido à medula espinhal por outros neurônios. No "catfish" elétrico existem apenas duas células neurais de comando na medula espinhal, e cada uma delas se ramifica profusamente para inervar todos os eletrócitos de cada lado do corpo.
    O orgão elétrico descarrega uma vez para, cada sinal de comando. Na enguia-elétrica, há exceção, pois uma série de sinais do comando de baixa freqüência produz a descarga elétrica fraca. O desencadeamento de um comando de alta freqüência causa potenciais de junção sub-limiares nos eletrócitos do órgão principal e na parte anterior do órgão de Hunter; estes potenciais imediatamente somam-se para produzir uma descarga de alta voltagem, a qual então segue os sinais de comando na proporção de 1 : 1.
    Uma descarga máxima será produzida quando todos os eletrócitos descarregarem simultaneamente. Isto significa que o sinal de comando deve efetivamente chegar aos vários eletrócitos simultaneamente. Existem dois modos principais pelos quais a descarga sincrônica de eletrócitos distribuídos espacialmente pode efetuar-se: a) pelo comprimento constante do caminho neuronal dos núcleos de comando aos eletrócitos, com um caminho direto aos eletrócitos distais a um caminho em circuito aos eletrócitos proximais, e b) pe!a gradação nos tempos de condução, com uma condução mais rápida do núcleo de comando aos eletrócítos distais do que aos proximais.
    Na enguia-elétrica, a sincronia é efetuada pelos tempos de condução das fibras inervadoras. As fibras que inervam os eletrócitos anteriores (fisicamente mais próximos ao núcleo de comando) possuem menor diâmetro e velocidade de condução mais baixa do que as fibras que inervam os eletrócitos mais posteriores.
 

V) FUNÇÕES DA DOE NA VIDA DOS GYMNOTOIDES E OUTROS PEIXES ELÉTRICOS:
COMPORTAMENTO E DOE CORRELACIONADAS
    Duas funções principais da DOE no comportamento têm sido demonstradas por meio de experimentos controlados em tanques de laboratório: que denominamos eletrolocação e eletrocomunicação. Cada uma delas representa contribuições muito diferentes para a vida do animal. Espécies diferentes podem enfatizar uma ou outra dessas contribuições, servindo para definir as pressões seletivas que presumimos sejam responsáveis pela diversidade de formas de DOEs.
A. ELETROLOCAÇÃO
    Podemos distinguir um modo ativo e outro passivo. Por conveniência, consideraremos conjuntamente a orientação própria do animal em grandes campos elétricos homogêneos e sua locallzação de objetos ou de pequenas heterogeneidades no campo ou na impedência.
    O modo ativo pode ser baseado na DOE, cujo campo é distorcido por objetos, ou nos movimentos do peixe em um campo magnético, pelos quais ele induz um campo elétrico detectável por seus eletrorreceptores, O primeiro caso depende de pulsos curtos de corrente e portanto de eletrorreceptores sensíveis aos componentes de alta freqüência. A detecção de corrente induzida é muito menos estudada, mas deve depender dos eletrorreceptores sensíveis às baixas freqüências; possivelmente isto é importante só no mar. Principalmente tubarões e raias são conhecidos serem capazes da detecção de campo magnético.
    O modo passivo também pode depender da alta ou da baixa freqüência da DOE ou de fontes de corrente de órgãos não-elétricos. O primeiro caso ocorre quando um peixe elétrico detecta a DOE de outro. O segundo ocorre quando um tubarão, um "catfish" ou um peixe elétrico, utilizando seus receptores de baixa freqüência, detecta a fraca corrente contínua ou o campo elétrico lentamente modulado de um peixe, que é a presa.
    Consideraremos apenas o caso de eletrolocação ativa baseada na distorção do campo de DOE por heterogeneidade de impedância (Fig. 5). Esta notável capacidade dos peixes elétricos, como, os gimnotóides, é um ativo sistema sensorial eficiente para centímetros, ou melhor, cerca de um ou dois comprimentos do seu corpo. Com relação a esta limitação ao campo próximo, ela difere da ecolocação em morcegos, golfinhos e alguns pássaros (assim como pelo fato de que a energia emitida é medida pelos receptores em termos de intensidade local em vários pontos do corpo e não em termos de tempo de retorno, o qual é virtualmente instantâneo). Ainda temos apenas informações insuficientes a respeito da capacidade de eletrolocação em relação à resolução, discriminação da forma etc. É certo que objetos de impedâncias consideravelmente diferentes da impedância da água - e.g. gravetos, podem ser detectados a uma distância de um comprimento do seu corpo, mesmo que sejam de apenas poucos milímetros de diâmetro. Do mesmo modo, pequenas aberturas numa rocha ou num emaranhado de raízes podem ser detectadas. Objetos maiores podem ser detectados, mesmo que suas impedâncias sejam apenas levemente diferentes da impedância da água. Evidências fisiológicas dos receptores tornam provável que pelo menos o peixe ondulador pode distinguir resistência óhmica de reatância capacitativa. Ainda não está claro como alimentos pequenos, e.g. zooplancton, podem ser localizados pelo sentido elétrico. Parece que a eletrolocação é útil para encontrar alimento, para detectar outro peixe e para evitar obstáculos ou detectar fendas.

Fig. 5 - Eletrolocação. A. Um peixe elétrico, flutuando entre dois bastões de plexiglas suspensos verticalmente (secção transversal á esquerda), segue um movimento sinusoidal, S (t) e S (t) + D, por translação lateral do corpo F [(t). Esta resposta é prejudicada e ocorrem freqüentes colisões quanto menores forem os diâmetros F dos bastões escolhidos. Todos os bastões são escolhidos dentro do molde da agar para cancelar as diferenças nas informações mecânicas. Uma placa vertical de plexiglas em frente ao animal que flutua estabiliza sua posição entre os bastões oscilantes ([diagrama à esquerda). As análises de Fourier da resposta de seguimento do animal: F (t), revelam um forte componente na freqúência dos estímulos, S (t), que é de 0,2 Hz em cada registro. A amplitude deste componente, relativa à amplitude de S (t), é chamada "ganho", sua diferença da fase em relação à fase S (t) de "fase" nas últimas figuras (de Helligenberg, 1974). B. "Ganho" e "fase" da resposta de seguimento de Eigenmannia como uma função do diâmetro do bastão de plexiglas, numa frequência fixa de oscilação de 0,1 Hz e distâncla interna entre os bastões de 6 cm. O animal flutuou no centro do conjunto oscilante e portanto estava aproximmadamente a 3 cm de cada bastão. Símbolos diferentes representam valores médios para espécimes diferentes, as barras verticais representam desvios-padrões. Valores médios e desvios-padrões foram calculados a partir de distribuições bidimensionais de dados originais, representados no plano complexo, com ganho e fase como raio e ângulo, respectivamente (colocados mais acima, à direita). Desvio-padrão do ganho é definido como o desvio na direção radial, o desvio-padrão da fase é definido como perpendicular ao último (de Heiligenberg, 1973).

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    A capacidade ativa de eletrolocalizar objetos em seu ambiente e passiva -de detectar sinais elétricos fracos, permite ao peixe elétrico, como os gimnotóides, viver em águas de pouca visibilidade, ser mais ativos durante a noite e permanecer escondidos durante o dia. Desta forma, eles minimizam a captação por predadores visuais, como ciclídeos e siluróides.
    A eletrolocação ativa baseia-se no seguinte princípio. A corrente da descarga do orgão elétrico flui sucessivamente através da pele, da água que circunda o animal e volta através da pele. Os.eletrorreceptores estão localizados em poros na superfície do corpo e agem como monitores das intensidades locais do fluxo da corrente transcutânea. Objetos próximos da superfície do corpo do animal intensificarão ou atenuarão o fluxo da corrente transcutânea local, conforme sua resistividade seja mais baixa ou mais alta do que a da água circundante. Estas mudanças locais nos padrões de fluxo representam a "imagem elétrica" dos objetos. A intensidade e o contraste de tais imagens são uma função da resistência relativa da pele e geometria do corpo. Por exemplo, um longo filamento caudal, típico para muitas espécies de peixe elétrico, amplia a faixa de eletrolocação do animal e o contraste das imagens elétricas é aumentado conforme o animal curve seu corpo e cauda ao redor dos objetos de interesse.
    As imagens elétricas são projeções bidimensionais do ambiente sobre a superfície do corpo do animal, o que pode ser então comparado com a retina no domínio da visão. Os eletrorreceptores projetam-se somatotopicamente em camadas nas unidades de ordem mais alta no lobo da linha lateral, torus semicirculares e cerebelo (ver mais abaixo). lnterações mútuas entre unidades adjacentes são acionadas para o processamento da imagem elétrica e detecção da forma. Os eletrorreceptores são assim organizados em padrões de campos receptivos, os quais assemelham-se aos campos receptivos visuais em termos de centros excitatórios, vizinhanças inibidoras, sensibilidade a movimentos unidirecionais etc. Parece que a visão e a eletrolocação desenvolveram princípios semelhantes no processamento de imagens bidimensionais do ambiente.
    A eletrolocação assemelha-se à ecolocação no sentido em que o animal avalia seu ambiente por uma retroalimentação continuamente avaliada por suas próprias ações do que por uma exploração passiva de fontes de energia estranhas, como a luz solar. Necessitamos de novas pesquisas sobre os parâmetros usados na eletrolocação em várias espécies, os limites de utilidade em relação, por exemplo, com a forma, tamanho, posição, movimento, contraste da água em condutância óhmica e a presença e geometria da reatância capacitativa.
 

B. ELETROCOMUNICAÇÃO,
INCLUINDO SINAIS ASSOCIADOS COM COMPORTAMENTO AGONÍSTICO
    As descargas do orgão elétrico desempenham um importante papel na comunicação social. A identificação do sexo e da espécie freqüentemente baseia-se nas características das descargas típicas da espécie e do sexo e o estado comportamental de um animal freqüentemente se reflete nos modos particulares da atividade elétrica (Fig. 6).
    Em Sternopygus, por exemplo, o estado fixo da freqüência de DOE das fêmeas é aproximadamente um oitavo mais alto do que em machos, e estes respondem seletivamente às freqüências da fêmea em experimentos com gravações. A resposta do macho consiste de breves elevações na freqüência de DOE e curtas interrupções, e estes sinais por sua vez. podem atrair fêmeas.
    Em Gymnotus carapo, um indivíduo dominante assinala suas ameaças e intenções de ataque por característicos aumentos na taxa dos DOEs e por breves interrupções. O indivíduo dominado assinala sua submissão por uma longa interrupção (silêncio elétrico por cerca de dois segundos) e isto pode evitar um ataque.
    Em Eigenmannia, interrupções curtas e elevações na freqüência de DOE, assinalam um aumento na prontidão para o ataque em machos territoriais. Elevações graduais seguidas par um lento retorno na freqüência de DOE assinalam um comportamento submisso. Séries de modulações na taxa de DOE acompanham os comportamentos de corte e territorial e podem servir a. funções semelhantes à do canto dos pássaros. Sua função comunicativa é evidente pelo fato de que não apenas refletem certos estados comportamentais, mas também provocam respostas específicas em indivíduos da mesma espécie. Eigenmannia, Apteronotus e Sternopygus ignoram-se mutuamente, o que sugere um reconhecimento de espécies.
    As espécies onduladores de alta freqüência, os Apteronotidae, têm sido ao menos estudadas etologicamente e merecem atenção especial, parcialmente face ao falo de sua taxa de DOE ser tão alta (cerca de 800-2100) e tão extremamente regular (desvio-padrão dos intervalos durante épocas sem perturbação <0,1 m s!), mas também porque existem tantas espécies e mesmo gêneros com freqüências fundamentais amplamente sobrepostas. Já existem evidências de que elas se reconhecem mutuamente, na ausência habitual de interação agonística. Por exemplo, quando uma espécie intra-especificamente agressiva de Apteronotus é colocada em um aquário com Sternarchogiton sp., Sternarchorhamphus sp., ou Sternarchella sp., elas parecem ignorar-se mutuamente. Contudo, em uma série de experimentos, uma Sternarchorhynchus sp., foi persistentemente atacada. Em Apteronotus sp., o ataque foi eliciado por indivíduos da mesma espécie recentemente mortos, por uma imagem em um espelho ou por um indivíduo da mesma espécie vivo colocado atrás de uma chapa plástica transparente. O ataque - geralmente acompanhado por "gorjeios" - fases transitórias muito breves (20-50ms), durante os quais a taxa de DOE aumenta de 100 ou mesmo 200 Hz; os gorjeios ocorrem muito esporadicamente até várias vezes em um segundo, mais comumente uma vez a cada poucos segundos no encontro agonístico, São raros em indivíduos isolados. Outras modulações de freqüência em apteronotídeos são poucas e pequenas na porcentagem de mudança (1-2%), mais lentas ou durando por vários segundos e de significado social desconhecido; é mais provável que ocorram quando outros indivíduos da mesma espécie ou suas DOEs estejam presentes, e totalmente improváveis com perturbações mecânicas, alimento ou luz.

Fig. 6 - Eletrocomunicação. Estão ilustrados uns poucos exemplos de modulações de freqüência da DOE de Gymnotus carapo, associadas com o comportamento agonístico, A-C. Alguns padrões motores agonísticos. A. Disposição lateral antiparalela. B, serpenteamento mútuo (as setas indicam as curvas dos corpos dos peixes), C. Disposicão frontal mútua. D, E. Atividade elétrica concomitante. D. Freqüência instantânea das DOEs representada contra o tempo. Exibições indicadas para o peixe n0. 1 (D) e n0. 2 (E). (de Black-Cleworth, 1970).

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    As diferenças entre espécies quanto às características espectrais e temporais de DOE e a seletividade associada dos eletrorreceptores às DOEs das espécies, certamente aumentam o reconhecimento e a separação das espécies. Espécies simpátricas estreitamente relacionadas podem geralmente ser identificadas mais prontamente por suas DOEs do que pelas clássicas características morfológicas. As colorações do corpo servem primeiramente para a camuflagem do animal, não possuem nenhuma função de aviso na comunicacão intra-específica e são muito variáveis. As características de DOE, provavelmente como conseqüência de seu papel na comunicação social, apresentam considerável variabilidade entre espécies, mas têm uma constância surpreendente dentro de cada espécie (Fig. 4). Representam mais do que o canto do grilo como informações seguras para a identificação das espécies.
 

C. O PROBLEMA DA INTERFERÊNCIA DE DOEs DE PEIXES VIZINHOS;
UMA RESPOSTA DE ESQUIVA SALTANDO (RES)
    Dois tipos completamente diferentes de interferência com a recepção de sinais podem ser distinguidos: um deles devido a fontes inanimadas de ruído, e.g. relâmpagos (Hopkins,1973), e fluxos de potenciais (Kalmijn, 1974) e o outro devido a DOEs de peixes vizinhos, especialmente os de outros indivíduos da mesma espécie. Daremos aqui atenção apenas ao problema da interferência de indivíduos da mesma espécie.
    Particularmente na eletrolocação, a retroalimentação da DOE do próprio peixe é comumente contaminado pela DOE de outro peixe. Devemos esperar que existam mecanismos específicos que diminuam a interferência de sinal entre transmissores vizinhos.
    A atuação da eletrolocação em espécies onduladoras foi medida durante a imposição de interferência controlada e mostrou-se mais vulnerável a sinais sinusoidais com freqüências próximas à freqüência fundamental da DOE do próprio animal. Espécies onduladoras melhoram sua atuação desviando a freqüência de suas DOEs de estímulos de freqüência interferentes. Esta resposta de esquiva saltando (RES) é encontrada apenas na espécie onduladora africana, Gymnarchus, e nas espécies onduladoras da América do Sul, tais como Eigenmannia e Apteronotus: em ambos os casos a RES serve para manter a capacidade de eletrolocação. A atuação da eletrolocação em espécies pulsadoras é mais vulnerável aos estímulos de pulsos que coincidem constantemente com a DOE do animal. As espécies pulsadoras melhoram sua atuação sincronizando suas DOEa de tal modo que minimizam a possibilidade de coincidências com salvas de pulsos desconhecidos. Os mormirídeos africanos tendem a repetir as descargas de um indivíduo da mesma espécie em intervalos mais curtos do que o intervalo mínimo de DOE esperado de seu vizinho, As espécies pulsadoras da América do Sul, em contraste, disparam em intervalos mais regulares e deslocam a fase de suas salvas de pulso sempre que coincidências repetidas estejam iminentes.
    Considerando que as espécies pulsadoras requerem portanto intervalos de tempo particulares, as espécies onduladoras parecem requerer faixas de freqüência particulares para eletrolocação acurada. Isto não significa tão particular no sentido de que outro peixe não possa detectar uma dada DOE de um peixe ou que um determinaáo peixe possa ser seletivamente sensível apenas à sua própria DOE. Como veremos mais adiante, os receptores, embora e afinem de modo que sejam mais sensíveis à freqüência fundamental da DOE do próprio peixe, não são tão nitidamente seletivos que se tornem insensíveis a um peixe próximo, mesmo após a RES. Mas voltaremos ao significado fisiológico e ao mecanismo da RES quando consideramos os receptores e o sistema nervoso central.
    Neste ponto, vamos considerar o tipo de RES, primeiramente nas espécies pulsadoras.
    Desde que a eletrolocação nas espécies pulsadoras é mais vulnerável a pulsos estranhos que coincidam com a DOE do próprio animal, o peixe elétrico deste tipo deve ser capaz de distinguir seu sinal eletrorreceptivo de retroalimentação das descargas estranhas. Aparentemente, as espécies pulsadoras de mormirídeos e gimnotoides desenvolveram soluções diferentes para o mesmo problema: os mormirídeos parecem escolher a estimulação eletrorreceptiva, por um sinal central subordinado a seus comandos para a DOE, a fim de processar seletivamente a retroalimentação a partir de suas próprias DOEs. As espécies pulsadoras de gimnotóides não possuem esta capacidade e, em vez disso, parecem identificar a retroalimentação escolhendo a estimulação eletrorreceptiva marcada por sinais reaferentes dos receptores. Em algumas espécies, isto parece ser devido a receptores especiais de alto limiar que, sob condições normais, respondem apenas à DOE do próprio animal. Em outros casos, isto pode ser a estrutura habitual do campo da DOE do próprio animal, i.e., a imagem elétrica habitual do conjunto total de receptores que capacitam o peixe para distinguir sua própria DOE da DOE interferente de um outro peixe. Como os peixes elétricos da África e América do Sul evoluiram separadamente, eles podem ter resolvido vários destes problemas comuns de maneiras diferentes.
    Os peixes pulsadores da América do Sul respondem tipicamente à interferência causada pela DOE de um peixe vizinho com uma aceleração ou, menos freqüentemente, uma desaceleração na taxa de repetição dos pulsos. Podem manter uma taxa diferente e assim reduzir a chance de pulsos coincidentes. Apenas uma série de várias coincidências consecutivas é grave em termos de prejuízo na detecção de objetos, e basta manter os pulsos estranhos a poucos milissegundos da coincidência.

Fig. 7 - A Resposta de Esquiva Saltando (RES) em Eigenmannia. A. Um peixe tentando escapar de estímulo que simula um vizinho, exceto que ele muda sinusoidalmente sua freqüência. Os deslocamentos de esquiva do peixe têm uma complexa seqüência no tempo dependendo da faixa de variação particular da frequência do estímulo (aqui cerca de 380 - 408 Hz), sua modulação de freqüência (aqui cerca de um ciclo em 20 segundos) e da amplitude e orientação do seu gradiente de voltagem. O estimulo efetivo é provavelmente a dlferença de frequência (D F=F estímulo - F peixe) e isto está continuamente mudando. B. Um método estudado da RES enquanto se mantêm o estímulo (D F constante). Um circuito que corrige automaticamente a diferença de frequência monitora as mudanças do peixe na freqüência e controla o estímulo para manter uma diferença constante de cerca de +4 Hz por 25 segundo, depois -4 Hz por 25 segundo e assim por diante. O peixe tenta aumentar a diferença mas não desloca mais do que uns poucos Hz antes de fixar-se num platô; isto depende da voltagem e orientação do estimulo. C. Os componentes principais deste comportamento (de Bullock et al., 1972 a, b).

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    Espécies onduladoras enfrentam um problema diferente, visto que toda outra descarga em forma de onda irá interagir com a DOE do peixe para formar um batimento numa frequência diferente (D F). Para manter a capacidade de eletrolocação, aparentemente é suficiente manter o D F acima de cerca de 10 Hz. A RES nas espécies onduladoras varia desde uma. tendência simétrica: para aumentar a freqüência de DOE na presença de um baixo -D F e diminuir a frequência de DOE na presença de um baixo + D F, até uma ênfase assimétrica sobre uma dessas duas mudanças, negligenciando a outra (Fig. 7). A maioria dos individuos de Eigenmannia tendem a ser simétricos. Apteronotus responde tipicamente apenas ao -D F, deslocando a freqüência para cima; depois retorna em resposta ao + D F ou para a remoção do estímulo. A RES é graduada com a intensidade do estímulo (normalmente a proximidade do vizinho) e com o D F; é máxima em um D F de cerca de 4 Hz, tanto em Eigenmannia quanto em Apteronotus. Possui um teto e um mínimo, i.e., o peixe não se afasta muito de sua frequência normal de DOE; geralmente a alteração máxima é de 5 a 15 Hz. A constante de tempo é lenta; após um rápido início de 0,15-0,2 segundos (o que é tão rápido quanto o reflexo humano de afastamento de um estímulo doloroso), a RES total é atingida apenas após algumas dezenas de segundos, Daí em diante, ela pode ser mantida tonicamente na presença do D F. O peixe não foge espacialmente, i.e., move-se para longe da proximidade dos vizinhos em associação com a RES. Algumas espécies são territoriais e espaçam-se mutuamente mesmo que suas freqüências não sejam próximas. Outras são gregárias e permanecem juntas mesmo que suas freqüências sejam muito próximas. Desde que a variação natural da taxa da DOE nas espécies onduladoras estende-se sobre várias centenas de Hz, e apenas vizinhos em cerca de 10 Hz causem uma RES, a maioria dos peixes não induz RES uns nos outros. Sternopygus, curiosamente, parece não ter uma RES distinta.
 

D. CONTROLE DA MANUTENÇÃO DA POSIÇÃO
    Está bem estabelecido que a posição de muitos animais não é exclusivamente guiada pelo sentido gravitacional, o qual é comumente referido como "sentido do equilíbrio". A maioria dos invertebrados e vertebrados também se baseia em estimulações em outros sistemas sensoriais, como os olhos e a mecanorrecepção, para ajustar sua orientação do corpo no espaço. Várias espécies de peixes de recifes, por exemplo, inclinam-se, em relação ao eixo-longitudinal do corpo, quando nadam paralelamente a um rochedo submerso, de tal modo que o lado ventral do corpo fica mais próximo à superfície vertical do substrato; o grau de inclinação depende da distância entre o peixe e o rochedo. Esta Resposta Ventral ao Substráto (RVS), que é guiada pela informação visual em muitas espécies, demonstra que a presença de um objeto nas proximidades de um peixe pode influenciar o seu controle de posição.
    Uma Resposta Ventral do Substrato também foi encontrada em Eigenmannia, um peixe fracamente elétrico. É guiada pelo sentido elétrico destes animais e portanto depende do órgão da linha lateral, o qual filogeneticamente está estreitamente relacionado ao sistema vestibular. Entre outros aspectos sobre como o sistema eletrossensório é usado como sistema de orientação, é necessário também discutir-se o significado deste sistema para o controle do equilíbrio. O sistema eletrossensório tem a função de ajustar a posição do peixe em relação à orientação espacial dos objetos no habitat do animal. Os seguintes experimentos elucidaram este mecanismo: se um Eigenmannia que foi cegado flutua a uma distância equivalente à altura de um corpo acima de uma placa de plexiglas inclinada de 45°, uma resposta de inclinação (rotação) de cerca de 30.° é observada (Fig. 8A). Esta RVS, em relação ao eixo,de rotação, é denominada RVSr. Substituindo-se a placa de plexiglas isolada (eletricamente visível) por uma placa de agar, a qual é mais ou menos eletricamente transparente, é provocada uma resposta de inclinação fortemente reduzida (Fig. 8B). Isto demonstra a relevância das informações elétricas para RVS em Eigenmannia.

Fig. 8 - A Resposta Ventral ao Substrato (RVS). Eigenmannia virescens mostra mudanças de posição em resposta a objetos no ambiente. Este comportamento garante uma orientação do corpo na qual o lado ventral do mesmo fica mais próximo ao substrato quando o peixe nada perto dele. A RVS é guiada pelo sentido elétrico e assim permanece após a cegueira. Os dados seguintes foram obtidos destes espécimes, A) Enquanto flutua acima de uma placa de plexiglas inclinado de 45°, um Engenmannia cego exibe uma inclinação média de 30.° (a ) em relação ao eixo de rotação (RVSr). B) Esta resposta de inclinação é fortemente reduzida se a placa de plexiglas é substituida por uma placa de agar mais ou menos transparente eletricamente. As RVS’s em relação ao eixo de inclinação (C inclinação para cima; D inclinação para baixo) são mostradas na parte inferior da figura. As medidas foram tomadas para a posição da cabeça (b ) e da cauda (g ) tanto na situação de inclinação para cima (RVSc) quanto na de inclinação para baixo (RVSb). Os dados numéricos foram baseados em 8 espécimes (de Meyer, original).

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    Além da RVS em relação ao eixo de rotação, outras respostas também ocorrem em relação ao eixo de inclinação (Fig. 8C e D). Se o peixe estiver orientado com seu plano sagital na vertical e perpendicular à placa de plexiglas de 45°, observa-se uma VSR no plano vertical. Se o peixe estiver flutuando acima da placa, com a cabeça voltada para ela, isso resulta numa resposta de inclinação para cima (RVSc). As medidas dos desvios da cabeça e cauda da horizontal são muito diferentes (Fig. 8C). Quando orientado na direção contrária à placa, o peixe exibe uma resposta de inclinação para baixo (RVSb). Neste caso, os ajustes da cabeça e causa são semelhantes (Fig. 8D) . Novamente os desvios da horizontal são muito menores com uma placa de agar, mais ou menos transparente eletricamente.
    Estas observações demonstraram que a posição de flutuação de Eigenmannia depende da orientação do fundo ou do objeto que está próximo ao peixe. Contudo permanece obscuro o porquê destes animais terem desenvolvido um tal mecanismo de controle de posição. É provável que as observações no campo possam esclarecer um pouco mais a respeito do significado deste padrão de comportamento para Eigenmannia em seu habitat normal. Tem sido sugerido que a RVS de certos peixes de recife, guiada visualmente, facilitaria a camuflagem e a obtenção de alimento do substrato. Possivelmente vantagens do mesmo tipo resultam deste comportamento em Eigenmannia.
 

E) RÍTMOS CIRCADIANOS;
PERÍODOS ATIVOS "VERSUS" PERÍODOS INATIVOS
    Observações gerais na natureza corroboraram a asserção de que a atividade locomotora e freqüência de DOE dos gimnotóides em geral são maiores, durante a noite e menores durante o dia. Esta característica é adaptativa para a sobrevivência, em relação aos predadores que não possuem sentidos especiais para a orientação e captura de pressas noturnas. Assim, alguns desses predadores são encontrados sobre o fundo durante esse período. Hypopomus artedi, Eígenmannia virescens, Sternopygus macrurus e Gymnotus carapo escondem-se durante o dia entre a vegetação das margens, no fundo arenoso ou lodoso ou em manchas de vegetação como cabomba, pístia, lírios aquáticos, Victória-régia etc. No crépusculo vespertino, as duas últimas espécies de peixes saem mais pontualmente para água aberta. Sua volta à margem é verificada na manhã seguinte. Eigenmannia chega mais cedo ou mais tarde, logo após o nascer do sol, dependendo do local, e Gymnotus carapo um pouco antes do nascer do dia. Staetogenes elegans tem uma atividade natatória que é melhor sincronizada pela iluminação: assim, sob luz artificial, ele fica deitado de lado sobre o fundo, como uma folha morta, e sob condições de escuridão, ele nada ativamente. O ritmo da DOE de Sternopygus macrurus apresenta aumentos transitórios durante a noite. As atividades de DOEs de alguns gimnotóides mudam durante à noite como pode ser vistas na Tabela 1. A sobreposição de freqüências interespecífica pode ocorrer durante o dia, quando os peixes estão inativos, visto que, durante a noite, é mais provável que seus rítmas possam diferir. Assim, embora Gymnorhamphichthys hypostomus e Hypopomus artedi tenham freqüências semelhantes, durante o dia, elas diferem à noite; a do H. artedi aumenta de 2 a 3 vezes, e a do G. hypostomus de 6 a 7 vezes R. rostratus aumenta sua freqüência de DOE, sua atividade de nado e o tempo que passa na posição vertical com a nadadeira ventral em contato com o fundo durante a noite.
    Gymnorhamphichthys possui o mais acentuado contraste entre atividade diurna e noturna de todos os peixes elétricos até agora estudados. Durante o dia, ele permanece completamente enterrado no fundo de areia grossa de igarapés claros, imóvel e descarregando seu orgão elétrico numa baixa taxa (10-15 por segundo). Emergindo muito abruptadamente uns 25-40 min, após o pôr-do-sol, a freqüência de DOE eleva-se instantaneamente a um nível alto (70-120 por segundo), mantido durante o período ativo. Este, norma1mente, termina quando o peixe repentinamente se enterra na areia, tipicamente entre 03h20 min e 05h00min. Esta é a única espécie de peixe elétrico que demonstrou sustentar um rítmo circadiano sob condições estáveis e luminosidade fraca constante. O período é então próximo, mas não exatamente, de 24 horas e varia com nível de luminosidade. Num ciclo natural de luminosidade diurna-noturna ele é de exatamente 24 horas.

TABELA 1 - Gimnotóides encontrados na região de Manaus, Amazonas, e sua taxa de repetição de descarga do orgão elétrico (DOE). As espécies são grupadas de acordo com a forma de onda da descarga como ou "espécies pulsadoras" ou "espécies onduladoras" (ver capítulo V para definições). Medidas feitas por W. Heiligenberg and J. Bastian em Novembro, 1976, senão estiver especificado. Identificações supostas. 

ESPÉCIES PULSADORAS
Espécie Taxa de Repetição da DOE
Hz (25-27ºC)
  • (Em águas negras do sistema do rio Negro, Anavilhanas, Taruma Grande, Taruma Mirim, Cuieiras, pH. 4-5, resistividade 100-150 kW cm.)
1. Hypopomus sp. 1 11 - 43
2. Hypopumus sp. 30 - 60
3. Hypopumus sp. 27 - 63
4. Hypopomus sp. 3 - 30
5. Hypopomus sp. 66 - 76
6. Hypopygus sp. 46 -62
  • (Em águas claras do lago Januacá e Rio Solimões, pH 7, resistividade 12-13 kW cm.)
7. Hypopomus sp. 9 30 - 60
8. Steatogenys elegans d  50 - 60
9. Rhamphichthys rostratus e  40 -100
  • (Em águas negras do rio Negro próximas à confluência do rio Branco; captado sobre fundo arenoso a 7-20m de profundidade, rochas submersas dispersas; vegetação no fundo esparsa. Muitas amostras colhidas em março-maio, 1967 examinadas no barco de pesquisas Scripps ALPHA HELIX por A. B. Steinbach, M. V. L. Bennett, T. Szabo e T. H. Bullock.)
10. Gymnohamphichthys sp. f  25 -35
11. Gymnotus carapo 
        (Também # 8 e 9 acima.)
45 -60
ESPÉCIES PULSADORAS
  • (Em águas claras do rio Solimões, pH 7, resistividade 12-13 kW cm.)
12. Sternopygus macrurus  60 - 150
13. Eigenmannia macrops  430 - 660
14. Eigenmannia sp. 
possivelmente E. troscheli ou Rhabdolichops sp.
1580 - 1000
15. Eigenmannia sp.
     (focinho pontudo)
180 - 250
16. Adontosternarchus sp. 
     (corpo manchado)
1950 - 1250
17. Adontosternarchus sp.
     (corpo uniformemente cinza escuro)
710 -1330
18. Apteronotus anas  1080 - 1250
19. Sternarchella sp.  1080 - 1170
20. Sternarchorhynchus oxyrhynchus  1400 - 1800
21. Porotergus sp. (não foi gravada)
22. Sternarchorhamphus mülleri  740 - g73
  • (Em águas negras do rio Negro próximo a confluência do rio Branco, acima).
23. Sternarchella sp 934 -1384
24. Sternarchella sp ca. 2100
25. Sternarchogiton sp 889 -1241
26.Apteronotus sp
     (Também # 12, 13 (sp.;), 16, 20, 22.)
900 - 1100

a) Substrato do fundo de lama fofa e folhedo; animais isolados ou em pares; separados de 1 m ou mais. Todas 5 espécies em comunicação cruzada, muitas vezes distribuídos diferentemente,

b) O mesmo que acima, com preferência para o folhedo e raizame denso; gregário, simpátrico com espécies acima,
c) Substrato lamaçoso de margens com gramíneas inundadas, animais isolados,
d) Margens com gramíneas inundadas, animais isolados,
e) Margens com gramíneas inundadas, próximo ao fundo, animais isolados ou em pares,
f) Essa é uma freqüência "perturbada e diurna". Valorores mais normais diurnos são 10-15, à noite 65-100 (Lissmann & Schwassmann, 1965).
 
VI) ELECTRORRECEPÇÃO, seus órgãos especiais de sentido e processamento cerebral, incluindo eletrorrecepção de peixes não-elétricos
    Experimentos inequívocos na discriminação comportamental que podem ser realizadas só pela detecção de distorção do campo elétrico (Lissmann, 1958) predizeram a existência de eletrorreceptores. Órgãos de sentido especiais para essa nova modalidade foram realmente encontrados e provados fisiologicamente no sistema da linha lateral de peixes gimnotóides, mormiróides e de elasmobrânquios. Um apanhado da descoberta e prova da função destes receptores é dada por Bullock (1974) e resumos mais detalhados de sua anatomia, fisiologia e funções comportamentais são dados em Fessard (1974).

Fig. 9 - Eletrorreceptores. Representações esquemáticas de vários tipos de receptores bulbosos e tuberosos. A-H, as células ciliares modificadas ou células sensoriais secundárias. I-J órgãos do sentido inteiros mostrando a disposição das células sensoriais e sua inervação. A, ampola de Lorenzini dos elasmobrânquios; B-D, órgãos bulbosos dos teleósteos, incluindo gimnotóides; E, um tipo especial de órgão tuberoso em Mormyridae chamado "mormyromast" sc2; F, um órgão em Gymnarchidae chamado "gymnarchomast" II; G, "gymnarchomast" I; H, "mormyrimast" sc1; I, órgão bulboso em gimnotóide; J. órgão bulboso em gimnotóide. n, terminação nervosa mielinizada (terminações nervosas em I, pretas e J, brancas); sc, células sensoriais; camadas de pele indicadas por tipos diferentes de pontilhados (de Szabo, 1974).

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    Em resumo, estes órgãos são considerados como derivados especializados do sistema de receptores da linha lateral, que normalmente respondem a correntes elétricas. Essas correntes podem ser ou da própria DOE do peixe ou de outras fontes animadas ou inanimadas. Eletrorreceptores existem não só nos grupos mencionados acima, como também nos siluróides, braquipterígeos (Polyodon, o "spoon bill" e Scaphirhynchus, o esturjão) e provavelmente em alguns outros grupos.
    Existem duas grandes classes e várias subclasses destes órgãos de sentido, As grandes classes de eletrorreceptores são (a) bulbosos ou sensíveis à baixa freqüência e (b) tuberosos ou sensíveis à alta freqüência (Fig. 9). Os primeiros existem em todos os grupos de peixes já citados, os últimos ocorrem apenas nos teleósteos elétricos, i.e., aqueles com órgãos receptores elétricos.

Fig. 10 - Uso da eletrorrecepção por um elasmobrânquio. Experimentos com um tubarão, Scyliorhimus canicula, mostram que a resposta ao alimento pode ser guiado por correntes elétricas fracas, de frequência muito baixa (cerca de 1 Hz) de um peixe presa (o "flatfish", Pleuronectes plateessa) ou de eletródios na areia (a) o mergulho normal, acuradamente dirigido a um "flatfish" enterrado na areia, b) disto persiste mesmo se o peixe for coberto por uma capa de agar eletricamente transparente. (c) o odor, quando exagerado pelo retalhamento da presa, leva a buscas não direcionadas rio abaixo (d) um filme plástico, eletricamente opaco, impede a resposta. (e) eletródios que simulam o campo bioelétrico de baixa frequência de um "flatfish" são atrativos, (f) eletródios (apenas um é mostrado) são localmente mais atraentes do que um pedaço de peixe (do Kalmljn, 1971).

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    Os receptores bulbosos são os mais sensíveis, especialmente os das espécies marinhas, onde o forte curto-circuito da água de alta condutibilidade torna o sinal .fraco. São usados primariamente para detectar corrente contínua ou as lentas mudanças nos campos elétricos da presa (Fig. 10) e das fontes inanimadas. Uma destas é a corrente induzida pelo movimento das massas de água, como as correntes marinhas, através do campo magnético da terra, (Kalmijn, 1974). Estes receptores são os mais sensíveis às correntes elétricas, variando um equivalente a cerca de 1-10 Hz, dependendo da espécie.
    Os receptores tuberosos são de pelo menos 3 ou 4 sub-classes, baseando-se no modo pelo qual eles codificam as diferenças de intensidade. Provavelmente alguns são primariamente detectores da DOE do próprio peixe, outros são usados primariamente na eletrocomunicação - detectando as DOEs de outros membros da mesma espécie. Os receptores tuberosos são os mais sensíveis às flutuações das correntes elétricas de cerca de 100-1.000 Hz, dependendo da espécie e mesmo do indivíduo.
    Em espécies onduladoras como Eigenmannia (DOE de cerca de 300 Hz), cada peixe tem sua própria frequência de DOE normalmente preferida, dentro da variação da espécie, que pode ser 200 Hz ou mais. Os receptores de um determinado peixe são mais sensiveis às freqüências próximas a sua própria taxa de DOE. A sensibilidade oscila tanto acima quanto abaixo desta "melhor .frequência", i.e., os receptores são sintonizados, como filtros passa-banda.
    O cérebro desenvolveu sistemas receptores e processadores especializados para a estimulação maciça dos numerosos     receptores. Estes são modificações dos antigos centros da linha lateral. lncluem estruturas nos lobos da linha lateral no bulbo, no cerebelo e no torus semicirculares do mesencéfalo. Estas estruturas são extremamente grandes e altamente diferenciados nos peixes gimnotoides e mormiriformes. As vias dos eletrorreceptores também. se projetam no telencéfalo. O cerebelo é excepcionalmente grande, não apenas nos peixes elétricos, mas também nos elasmobrânquios, em geral, e em muitos siluroides. Existe uma certo evidência de que isto esteja em conexão com a eletrorrecepção, mas as informações são ainda insuficientes.
    Muitos neurônios altamente especializados existem nos lobos da linha lateral, no torus semicirculares e no cerebelo dos gimnotóides e respondem aos sinais, derivados de correntes élétricas e possuidores de padrões altamente específicos. Por exemplo, um tipo de neurônio apenas responde à presença de um outro peixe elétrico da mesma espécie, com uma taxa do DOE que seja ligeiramente maior - não muito - do que a taxa de DOE do próprio peixe (Fig: 11). No cerebelo, certos neurônios respondem apenas quando a estimulação eletrorreceptiva vem de um objeto que esteja se movendo em uma certa direção na água próxima ao peixe. Assim, parece que eletrolocação e a eletrocomunicação sejam servidas por sistemas distintos de analisadores centrais que são responsáveis por aspectos diferentes da estimulação do conjunto de receptores na pele.
    Finalmente é suposto que o sistema da linha laterel tenha.evoluido, entre seus resultantes especializados, uma parte na códea  dos vertebrados superiores. Assim, a pesquisa de eletrorrecepção oferece uma oportunidade especial para desenvolver uma abordagem comparativa ao estudo de nosso próprlo ouvido interno. Incluindo o órgão auditivo. É impressionante que a sintonia das fibras dos nervos aferentes dos eletrorreceptores tuberosos em Eigenmannia é tão Seletiva Como a das. Fibras do nervo coclear de mamíferos que tem a mesma frequência ótima, embora sintonia deste seja considerada derivada principalmente das propriedades mecânicas do ouvido.

Fig. 11 - Processanento nervoso central da estimulação do eletrorreceptor. O diagrama mostra os componentes de um esquema dos passos sucessivos na Resposta de Esquiva Saltando (RES) em Eigenmannia. A descarga do órgão elétrico (DOE) é comandada pelo núcleo marca-passo (MP) fisiologicamente uma única unidade. O estímulo inicia a descarga de um vizinho Eigenmannia de uma frequência ligeiramente diferente, causando batimentos. Estas são de forma assimétrica porque a DOE não é sinusoidal; esta assimetria é essencial para a capacidade dos neurônios de distinguir corretamente entre +D F e -D F, i.e. se a frequência do vizinho é mais alta ou mais baixa e portanto a RES deve aumentar ou baixar. Os pequenos círculos representam tipos de neurônios geralmente encontrados nos níveis do sistema nervoso indicado (lob. lat. - lobus lateralis do bulbo; torus = torus semicircularis do mesencéfalo). Outros tipos estão sem dtivida envolvidos também e a figura mostra apenas uma metade do esquema. As fibras aferentes periféricas do tipo P têm uma maior prababilidade de disparar uma vez cadaciclo de DOE numa certa parte do ciclo de batimento. Esta parte é diferente para +D F e -D F em uma subclasse, as unidades Pc, mas não é diferente em outra subclasse, as unidades Ps, como mostrado no histograma de sua taxa de descarga. A convergência destes no torus explica a capacidade das unidades D Fp de assinalar o sinal do D F e controlar a direção de deslocamento do MP (de Scheich & Bullock, 1974).

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VII) POSSÍVEIS SIGNIFICADOS ECOLÓGICO E PRÁTICO DOS PEIXES ELÉTRICOS
    Grandes oportunidades existem para a compreensão fundamental a respeito da biologia dos gimnotóides e outro peixe eltrorreceptivo. Enquanto cada um dos capítulos anteriores apresenta importantes questões não resolvidas, à espera de novos trabalhos, talvez o tópico mais oportuno e aberto seja a biologia de campo de espécies individuais e o papel dos gimnotóides na comunidade.
    A julgar pelas amostras coletadas no Amazonas, utilizando métodos que capturam todos os peixes em várias dezenas de metros cúbicos de água, membros de grupo podem freqüentemente dominar a lctiofauna. Parece provàvel que os gimnotóides sejam a principal fonte de alimento para os grandes predadores. Isto merece um estudo quantitativo. Se somarmos os siluróides eletrorreceptivos, embora não elétricos, abrangendo pelo menos 9 famílias diversificadas na América do Sul e que representam uns 40% da relação das espécies, esta idéia parece importante na ecologia total.
    Um significado prático é que deve valer a pena utilizar estes peixes como marcadores. Desde que a DOE é continua noite e dia, (mas com paradas de poucos segundoe como sinais em encontros agonísticos); estes animais oferecem uma oportunidade única. Um amplificador transistorizado portátil e um par de fios em um bastão permitem que se diga, com um alto grau de segurança, se existe gimnotóides (ou na África, mormirídeos ou gimnarquídeos) em um certo volume de água sem a necessidade de capturar ou mesmo ver o peixe. Pode fazer-se um censo, realizando-se um trajeto numa profundidade escolhida. A ausência de ruidos ou zumbidos é uma evidência fortemente positiva da ausência de qualquer membro desta superfamília. A eficiência desta. técnica é acompanhada pela limitação devida ao rápido declínio na amplitude do campo elétrico com distância num condutor de volume. Na prática, pode geralmente detectar-se qualquer gimnotóide numa distância de meio metro (um pouco menos para Sternopygus), usando-se um aparelho de um único canal e eletródios separados por poucos centímetros. Uma rede de eletródios pode ser conveniente para fins especiais. Uma limitação inerente é que, sem coleta de amostras, éxiste geralmente alguma ambiguidade nas espécies e mesmo de gêneros. Seis ou sete tipos de DOE podem ser distinguidos no campo, pelo ouvido simplesmente amplificando e convertendo as descargas em sons), ao passo que mais de 12 ou 15 espécies de gimnotóides podem ser, às vezes, coletadas num espaço de poucos metros.
    Em várias espécies, foram registrados movimentos, e.g, migração diurna de água rasa entre plantas, para a águia aberta longe da margem em um grande rio, o rio Negro. Maiores movimentos com a inundação sazonal da floresta e eventual diminuição do nível da água (de mais de 10 metros) e retração dos habitats aquáticos, podem ser acompanhados pela amostragem de DOEs, talvez mais fácil ou extensamente do que por métodos tradicionais. Tanto os movimentos microgeográficos - até centímetros, quanto a distribuição macrogeográfica apresentam oportunidades de solução pela amostragem da população elétrica. Parece possível que conjuntos particulares de espécies, incluindo plantas e peixes maiores, possam viver juntos, mas podem não ser constatáveis sem amostragem por captura. O conjunto de gimnotóides pode ser marcador para a grande comunidade; eles podem ser reconhecidos por amostragem eletrônica, mesmo que alguma ambiguidade relativa as espécies possa permanecer no campo.
    Os numerosos gêneros e espécies de gimnotóides, sem dúvida, incluem generalistas e especialistas, e.g. em hábitos alimentares, em exigências ecológicas e biologia da reprodução. Em vista das razões já mencionadas para o valor especial da melhor compmensão deste grupo, é altamente desejável aprender-se mais, sobre as características destas espécies, em estudo correlacionado de campo e laboratório. Alguns passos já foram dados com a bem sucedida reprodução de Eigenmannia virescens em laboratório (Kirschbaum, 1975), com a análise de conteúdo estomacal de uns poucos gimnotóides (Knoppel, 1970) e com os minuciosos estudos de campo de algumas poucas espécies (Hopkins, 1974 a,b,c; Schwassmann;1971; Heiligenberg & Bastian, 1977 e Hopkins & Heiligenberg, 1977).
    No que concerne ao grande subgrupo de peixes eletrorreceptivos que não são elétricos, o significado ecológico deve ser enorme. Empregando apenas receptores sensíveis à baixa frequência, tanto quanto sabemos, eles operam principalmente de modo passivo, detectando fontes de correntes estranhas, como a presa, Outras fontes podem ser normalmente importantes, incluindo o próprio corpo do peixe receptor. Estamos falando aqui de vários grupos não relacionados, alguns ainda incertos, mas principalmente de elasmobrânquios e siluróides.
    Na América do Sul, a raia de água doce é localmente abundante e uma grande praga para pescadores e banhistas. Ocorrência de vários tubarões eurihalinos são ocasionais em pescarias. De muito maior importância, contudo, é o grande grupo dos siluroides, por seu vasto número tanto de espécies quanto de indivíduos. Muitas espéçies comercialmente importantes são siluroides.
    As oportunidades para pesquisas desses grupos são certamente muito diferentes daquelas de grupos que possuem descarga    de órgão elétrico. Os estudos referentes ao papel da eletrorrecepção na etologia de alguns dos diversos "catfishes" são importantes para a compreensão do seu significado ecológico.

AGRADECIMENTOS: A colaboração dos autores neste trabalho fui ajudada pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecno!ógico (CNPq), a Universidade Federal de Minas Gerais, a Deutsche Forschungsgemeinschaft, a Technische Hochschule, Darmstadt, a Universidade de Gottingen, a Universidade da California, San Diego, a Fundação Nacional de Ciências e o Instituto Nacional de Saúde, E.U.A. Os autores expressam seu agradecimento especial ao Dr. Warwick Kerr e ao pessoal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, especialmente aqueles do Departamento de Ictiologia, pela hospitalidade extremamente proveitosa.

BIBLIOGRAFIA
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