12/06/2012
Especialistas de diferentes áreas explicam o que é o amor
Independente de seu gênero, credo ou cor, todas as pessoas buscam encontrar sua metade da laranja. (Imagem: Camila Marchetti)
Junho nem bem começa e as marcas de produtos já inserem o Dia dos Namorados em suas propagandas. Não se fala em outra coisa: é amor de um lado, é amor do outro. A massificação deste sentimento pela publicidade afirma o caráter inegavelmente comercial que esta data tem. Entretanto, “não existem formas corretas ou incorretas para falar do amor, mas sim formas mais legitimadas socialmente ou menos legitimadas de representá-lo”, explica a Doutora em Sociologia e comunicadora social Roberta Manuela Barros de Andrade.
A socióloga acredita que mesmo com a “comercialização” do amor, o Dia dos Namorados faz com que o sentimento se consolide e reviva nesta data, já que apresenta um papel simbólico muito importante para as pessoas idealizarem o amor e para que tentem trazer este amor idealizado aos seus comportamentos amorosos reais. “Sem histórias de amor, sem narrativas amorosas, sem rituais que englobem uma filosofia do amor, o amor deixa de ser amor”, comenta Roberta Manuela.
A publicidade não fica sozinha quando se diz respeito ao amor. A mídia, no geral, é uma grande adepta a usar este sentimento como um objeto. Segundo a Doutora Roberta, o amor é vendido e consumido por diferentes tipos de mídia: nas canções populares, nos filmes, nas revistas de entretenimento, em telenovelas e em seriados; amor se tornou sinônimo de tudo o que achamos bom, seja o próprio “amor romântico apaixonado”, como diz a Doutora, ou mesmo um êxtase físico emocional, no qual podem ser inseridas a segurança afetiva, a parceria mútua e a satisfação sexual acompanhada de carinho e compreensão. Estes ideais são difíceis de serem atingidos, pois vão contra a ordenação das rotinas diárias e contra os obstáculos sócio-econômicos, políticos e sociais inerentes aos indivíduos comuns.
Ainda de acordo com a socióloga, “o amor não é, como delineia o senso comum, um dom eterno e imutável, mas sim, um discurso culturalmente orientado”. Este sentimento é repleto de especificidades culturais, sociais e históricas e, mesmo com a aquisição de significados distintos desde a antiguidade, ele vai além de se limitar a surgir entre pessoas de sexos diferentes ou pessoas do mesmo sexo.
Para o filósofo e Doutor em Psicologia Luiz José Veríssimo, quando se relaciona o amor à Filosofia, não se pode deixar de citar Platão e seu clássico texto “O Banquete”. Já um autor que faz a interlocução da Psicologia com a Filosofia (Psicoterapia Existencial) é Kierkegaard. Ele relaciona o amor à paixão e define que o primeiro não é um “objeto”, mas sim, o personagem principal da existência de alguém. A paixão se refere “ao mediato, à busca de prazer e sedução”. Para ele, o amor não é alheio à paixão, mas sim, a incorpora em sua virtude. Aquele que ama tem o amor como o sentido da vida, diferentemente de quem não o faz e que quer apenas viver o momento.
O doutor em filosofia, Paulo Henrique Silveira, assim como Veríssimo, também destaca as obras de Platão quando se fala na importância de amar. O mito dos andróginos vem de “O Banquete” e apresenta o amor como uma procura natural e necessária do ser humano, que precisa encontrar o par com quem esteve unido em vidas anteriores para ser feliz. Foi assim que surgiu a ideia de que temos uma alma gêmea e que somente ela poderia nos completar emocionalmente. “Esse mito levanta uma esperança paras as pessoas solitárias. Em algum lugar do mundo, há de existir alguém perfeito para elas”, explica Silveira.
Outro filósofo que se dedicou a estudar este sentimento foi Sartre. De acordo com suas análises, devemos buscar no “outro” nossa identidade, reconhecimento e a justificativa para a existência. Para conseguirmos buscar este “outro”, temos que nos por no lugar das outras pessoas e observar-nos a partir do olhar alheio. Já o alemão Martin Heidegger diz que o ser humano “não vem pronto”, mas se molda a partir de sua relação com o mundo.
A manutenção da espécie vem à tona quando falamos sobre amor. Segundo Platão, a natureza mortal sempre procura permanecer imortal e isso só pode acontecer através das gerações. “O amor aproxima os homens da eternidade dos deuses”, complementa Paulo Henrique Silveira. Porém, outro filósofo famoso e conceituado, Aristóteles, enxerga a amizade como a forma mais eficaz de conservação da espécie e não o amor. Ele define o homem como animal político, dependente do auxílio de outros homens para continuar com suas gerações. De qualquer forma, a maioria dos filósofos que estudam o tema da conservação, segundo Silveira, afirma que o benquerer de uma forma geral, seja através das amizades ou relações amorosas, funcionam como motor para a manutenção das espécies.
Segundo Veríssimo, a cultura narcísico-consumista atual não dá valor à essência da pessoa, mas sim “no que você adquire ou realiza, sempre de acordo com normas previamente estabelecidas, ditando comportamentos, atitudes e ideologias”, criando um perfil favorável a idealizações. Uma das características que precisa existir para que haja o amor verdadeiro é o altruísmo, pois, com esta virtude, a pessoa não se vê como “o centro exclusivo de sua existência”.
“O amor não é algo dado e estabelecido de uma vez por todas”, esclarece o filósofo e psicólogo. Porém, anos atrás, escolher a parceria afetiva era uma ação comum: desde crianças, os pais já decidiam quem era o futuro cônjuge de seu filho ou filha, inibindo a liberdade social. Sentimentos como o amor, a amizade e a afetividade são existenciais, ou seja, eles são vivenciados em certo contexto histórico e cultural, ou, como define Heidegger, são “tonalidades afetivas”. Com o intuito de relacionar o amor e a sexualidade contemporâneos, Veríssimo conclui com a frase do psicanalista Jurandir Freire Costa: “busque seu lugar numa sociedade de ofertas múltiplas e encontre seu produto favorito no supermercado de sensações”.
A Filosofia, diferentemente de outras ciências, não faz progressos. Segundo Paulo Henrique Silveira, os seus autores estão sempre reinterpretando teorias e livros antigos. “Os anseios e as aflições humanas não mudam com o tempo. Por outro lado, as maneiras de viver e os comportamentos se alteram a todo o momento”, explica o filósofo, que também leciona a ciência no Ensino Médio e na universidade. De acordo com suas experiências em sala de aula, o professor relata que muitas vezes se surpreende com as reações dos alunos com a obra “O Banquete”. As relações atuais tendem a ser fugazes e substituíveis e “parece que a juventude já não sonha com um relacionamento estável e duradouro”, esclarece o professor.
Porém, com o passar do tempo, segundo a psicanalista Diana Lichtenstein Corso, a vida amorosa baseada na hipocrisia e na falsidade está diminuindo. Traições e relacionamentos extraconjugais sempre foram comuns em gerações mais antigas que a nossa, principalmente para os homens. Nestes casos, “mantinha-se a fachada do casamento”, para mostrar boa aparência à sociedade. “Esses casamentos nem chegavam a ser uma relação de fato, eram duas pessoas que conviviam sem jamais se conhecer, mantendo, em geral o marido, uma animada vida erótica fora de casa”, comenta Corso.
A exigência das novas gerações, entretanto, é a coerência entre o que se sente e o que se faz, não dando espaço a falsidades ou infidelidades. Para a psicanalista, o pensamento que temos de encontrar uma alma gêmea é uma fantasia herdada durante a infância. Quando bebês ou crianças, temos o amor incondicional de nossas mães e fixamos a ideia de que este é o “amor perfeito”. Então, quando crescemos, esperamos encontrar amor parecido ao que já tínhamos recebido, uma pessoa que nos compreenda e nos ame acima de tudo (como uma mãe). Para Diana, a ideia de alma gêmea deriva de uma ilusão, que leva a muitos mal entendidos, fazendo com que sejam mais fáceis as separações que as uniões entre as pessoas.
Corso explica que o amor é como as obsessões, temores ou pensamentos sobre os quais temos pouco controle e que, quando amamos, somos controlados por nosso inconsciente. Quando estamos juntos a quem amamos, estabelece-se uma luta saudável entre subjetividades, em que uma se adapta à outra, transformando-a. Por sorte, “qualquer transformação que nos liberte de modos pré-formatados ou estereotipados de funcionamento é libertadora”. A pessoa que convive com a que ama acaba adquirindo seus modos e vice-versa, o que é fundamental para a correção de alguns defeitos ou para ambas as pessoas terem mais aspectos em comum.
Enxergamos, sim, o defeito de nosso amante. A psicanalista nos compara ao espelho da bruxa da Branca de Neve: ele nos diz tanto que somos belos e atraentes, desejando nossa companhia, quanto aponta nossas estranhezas.
A antropóloga Telma Amaral Gonçalves explica que homens e mulheres, igualmente, precisam do outro como guia e que sem esse parceiro “a nossa visão acerca de nós mesmos torna-se distorcida ou impossível de ser construída”. Ainda à luz dessa ciência, o amor tem a possibilidade de mudar ao longo do tempo e, principalmente com a inclusão da mulher no mercado de trabalho, ele sofreu verdadeiras revoluções desde as décadas de 40 e 50.
Segundo pesquisas da área, a antropóloga afirma que se tornou fundamental a incorporação do universo homoafetivo quando se fala de relações amorosas. Gonçalves complementa que “hoje não é mais possível ignorar a existência de outros pares formados por homem-homem, mulher-mulher e suas diversas variações”, já que a vivência cotidiana em ambos os universos são muito semelhantes. “Eles vivem os mesmos conflitos, alegrias, infidelidades, tem que dividir responsabilidades e tarefas, dialogar para resolver os problemas, enfim, a rotina diária independe da orientação sexual do par”, explica a antropóloga.
Uma das diferenças mais marcantes entre os universos homo e heterossexual, segundo a Antropologia, é a impossibilidade dos homoafetivos demonstrarem afeto sem que sofram preconceitos. Principalmente em datas especiais, como o Dia dos Namorados, que a maioria não consegue expressar seu amor publicamente e então se reserva para o âmbito do privado, íntimo.
Sobre a atual concepção do amor, Gonçalves destaca que as relações têm se revestido de “um caráter mais moderno expresso pela ideia de que o amor vai sendo construído e alimentado através da vivência cotidiana, sendo responsabilidade de ambos os parceiros e pautado no critério da reciprocidade”. A antropóloga também explica que mesmo com o toque de modernidade, “o amor romântico até hoje ainda se faz presente, coexistindo com outras formas de viver uma vida a dois”.
A religião estuda o amor com o conceito de “Ágape”, que foi traduzido como caridade por São Paulo, que afirma ser a caridade uma das chamadas virtudes teologais, juntamente com a Fé e a Esperança. Segundo o filósofo especialista em metafísica Émilien Vilas Boas, a caridade é entendida como um amor gratuito a Deus e aos homens, o amor de Deus aos homens e dos homens a Deus. Tal sentimento será bom quando estiver sendo guiado pelos preceitos de Deus, e mau quando for baseado exclusivamente no homem.
O amor também é estudado pela biologia e nela vemos que esse sentimento altera o funcionamento do cérebro e do corpo como um todo. Segundo o neurocientista Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, “A visão, o pensamento, a audição e até o cheiro da pessoa pela qual se está apaixonado provoca várias reações”. Tais reações incluem a liberação de neurotransmissores ligados ao prazer e ativação do sistema endócrino, que através da hipófise e da glândula adrenal, libera hormônios como a oxitocina, cortisona e adrenalina. Essas alterações não geram o amor ou a paixão, mas são consequências dos mesmos. O corpo não difere essas duas emoções. A diferença entre elas está mais ligada á relação cultural e sociológica de cada um, uma vez que a paixão é uma atração mais física e o amor envolve outros fatores em sua concretização. Sabbatini afirma ser possível todo amor nascer de uma paixão, pois o cérebro armazena as memórias sentimentais da paixão e o amor é alimentado por elas.
Geneticamente falando, ainda não há explicações para o porquê dos seres humanos sentirem tanta necessidade de amar e encontrar a sua “alma gêmea”. Segundo o biólogo geneticista Fabrício Rodrigues dos Santos, o nosso conhecimento atual é limitado para estudar um sentimento tão complexo como o amor. Os estudos já realizados tratam da atração sexual, tanto em animais como em humanos, e nenhum deles diretamente apontado para o amor.
Comentando sobre esses estudos, o cientista biológico e doutor em genética, João Carlos Marques Magalhães afirma ter sido revelado que “os indivíduos se sentem atraídos por potenciais parceiros com características saudáveis e jovens, e que maximizem a chance de deixar melhores descendentes”. Existe também uma maior atração entre indivíduos geneticamente diferentes do que entre indivíduos geneticamente semelhantes e esse fato tem que ver com genes relacionados com o odor particular de cada um. Entretanto, ao se tratar de humanos, a discussão envolve características da filosofia, sociologia e psicologia também.
Por fim, após observar essa pequena exposição sobre o amor, com seus aspectos racionais e emocionais, concluímos facilmente que o amor é algo tão complexo que não pode ser explicado por uma só ciência, seja ela a genética evolutiva, a biologia, a psicologia, filosofia ou sociologia.
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Departamento de Comunicação Social