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Defesa de tese na USP debate origens de índios
americanos
MARCELO LEITE
especial para a Folha
A polêmica sobre a origem do homem americano garantiu um dia atípico
para a USP. Em lugar da tradicional e morna arguição, a defesa
de tese de livre-docência de Walter Alves Neves no Instituto de Biociências,
ontem pela manhã, teve momentos de real e acalorado debate intelectual.
O título do texto de Neves já continha uma provocação
a dois membros da banca, ao falar em "moléculas versus fósseis".
Era uma referência a Francisco Salzano, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, e a Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal
de Minas Gerais.
Esses geneticistas se destacaram pelo uso da biologia molecular (análise
de DNA, a molécula-código da hereditariedade) para fazer
inferências sobre o povoamento das Américas. Grosso modo,
o método consiste em comparar DNA de populações indígenas
atuais com o de outros povos.
Com base no grau de divergência, os pesquisadores tentam recriar
genealogias e prováveis origens geográficas. Foi analisando
o cromossomo Y, por exemplo, que um pesquisador do grupo de Pena, Fabrício
Santos, propôs em março passado que o rio Ienissei, na Sibéria
Central, teria sido o provável ponto de partida do "Adão
americano".
Neves não descarta a análise molecular, mas se esforçou
por apontar-lhe as limitações. Trabalha preferencialmente
com medidas cranianas (morfologia), às quais aplica análise
estatística.
Seu trabalho mais divulgado é a análise do crânio
de "Luzia", a partir de um esqueleto de pelo menos 9.300 anos escavado
em Lagoa Santa (MG). Neves acredita que se trata dos restos humanos mais
antigos das Américas.
Resumindo muito uma discussão rica, Neves acusa geneticistas
de fazer inferências culturais e sociais (como a ocorrência
de poliginia entre índios, ou casamento de um homem com muitas mulheres)
sem levar em conta dados etno-históricos dessas populações
(como os complexos e fluidos sistemas matrimoniais).
Pena e Neves discordaram em quase tudo, incluindo a pronúncia
do nome do filósofo da ciência austro-britânico Karl
Popper (1902-1994). Pena acusou o candidato de atribuir-lhe afirmações
que não teria feito e até de errar a grafia de seu sobrenome.
Foi o único a não lhe atribuir nota 10 na defesa. Deu 9,8.
Concordaram apenas em que uma interface entre genética e antropologia
só fará avançar a explicação da origem
do homem americano. Para fazer essa omelete, porém, deixaram claro
que ainda é preciso quebrar alguns ovos.
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