São Paulo, Sábado, 08 de Janeiro de 2000
Texto Anterior | Índice

Defesa de tese na USP debate origens de índios americanos 

MARCELO LEITE
especial para a Folha

A polêmica sobre a origem do homem americano garantiu um dia atípico para a USP. Em lugar da tradicional e morna arguição, a defesa de tese de livre-docência de Walter Alves Neves no Instituto de Biociências, ontem pela manhã, teve momentos de real e acalorado debate intelectual.
O título do texto de Neves já continha uma provocação a dois membros da banca, ao falar em "moléculas versus fósseis". Era uma referência a Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e a Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Esses geneticistas se destacaram pelo uso da biologia molecular (análise de DNA, a molécula-código da hereditariedade) para fazer inferências sobre o povoamento das Américas. Grosso modo, o método consiste em comparar DNA de populações indígenas atuais com o de outros povos.
Com base no grau de divergência, os pesquisadores tentam recriar genealogias e prováveis origens geográficas. Foi analisando o cromossomo Y, por exemplo, que um pesquisador do grupo de Pena, Fabrício Santos, propôs em março passado que o rio Ienissei, na Sibéria Central, teria sido o provável ponto de partida do "Adão americano".
Neves não descarta a análise molecular, mas se esforçou por apontar-lhe as limitações. Trabalha preferencialmente com medidas cranianas (morfologia), às quais aplica análise estatística.
Seu trabalho mais divulgado é a análise do crânio de "Luzia", a partir de um esqueleto de pelo menos 9.300 anos escavado em Lagoa Santa (MG). Neves acredita que se trata dos restos humanos mais antigos das Américas.
Resumindo muito uma discussão rica, Neves acusa geneticistas de fazer inferências culturais e sociais (como a ocorrência de poliginia entre índios, ou casamento de um homem com muitas mulheres) sem levar em conta dados etno-históricos dessas populações (como os complexos e fluidos sistemas matrimoniais).
Pena e Neves discordaram em quase tudo, incluindo a pronúncia do nome do filósofo da ciência austro-britânico Karl Popper (1902-1994). Pena acusou o candidato de atribuir-lhe afirmações que não teria feito e até de errar a grafia de seu sobrenome. Foi o único a não lhe atribuir nota 10 na defesa. Deu 9,8.
Concordaram apenas em que uma interface entre genética e antropologia só fará avançar a explicação da origem do homem americano. Para fazer essa omelete, porém, deixaram claro que ainda é preciso quebrar alguns ovos.
 

Texto Anterior: Qualidade de vida melhora com exame 
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.