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GENÉTICA
Estudo com cromossomo Y revela que povos dos Andes são mais
parecidos entre si que os do leste da cordilheira
Índios da Amazônia têm maior diversidade
CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Tem gente que pode passar a vida inteira sem se misturar com os vizinhos.
Mas, para alguns grupos indígenas sul-americanos, esse isolamento
às vezes é tão radical que se manifesta nos genes,
revela um grupo de pesquisadores do Brasil e de outros três países.
A equipe mostrou que a distância genética entre populações
vizinhas no leste da América do Sul é muito maior do que
a que existe entre tribos a milhares de quilômetros de distância
uma da outra, nos Andes. Em outras palavras, os índios que habitam
o sudoeste do Peru e o noroeste da Argentina são mais parecidos
entre si do que os suruís de Rondônia e os ticunas do Amazonas.
A conclusão saiu de um estudo do DNA de 192 indivíduos
de 19 populações indígenas do continente. O trabalho,
liderado pelo geneticista Eduardo Tarazona-Santos, doutorando no Departamento
de Bioquímica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), traz
um novo modelo para explicar a povoação pré-colombiana
da América do Sul. Será publicado em junho na revista "American
Journal of Human Genetics" (www.ajhg.org).
O modelo foi desenvolvido a partir da análise de variações
(trocas na sequência das letras A, T, C e G que formam o DNA) no
cromossomo Y, responsável pelo sexo masculino e transmitido apenas
do pai aos filhos homens. Ele confirma geneticamente algo que os arqueólogos
e antropólogos já sabiam: as tribos da chamada área
cultural andina compartilham uma mesma identidade, completamente distinta
do restante das nações sul-americanas.
No entanto, o estudo vai além: "ele mostra pela primeira vez
que a identidade cultural corresponde a uma identidade genética",
disse à Folha o geneticista Fabrício dos Santos, da UFMG,
que coordenou o trabalho.
"A cultura é transferida horizontalmente (sem necessidade de
cruzamentos entre povos) e de maneira muito mais rápida que os genes",
afirmou. "O que vemos aqui é um fluxo de genes nos Andes que não
aconteceu em outras regiões." Ou seja, além da troca de idéias,
houve uma troca de indivíduos entre as populações
andinas.
Civilizações
Esse fluxo de gente foi provavelmente intensificado a partir do início
da Era Cristã. Naquela época, civilizações
como os mochicas, no Peru, e os tiuanacotas, da Bolívia, começaram
a estabelecer rotas comerciais nos Andes que culminaram na integração
de uma faixa de mais de 3.000 quilômetros, do Equador ao Chile, sob
o império inca (século 15).
O vaivém acabou se refletindo na estrutura genética das
tribos andinas. A análise de alelos (tipos diferentes) de genes
do cromossomo Y nesses povos mostrou que alguns deles ocorrem com uma frequência
muito parecida entre essas populações. Tais genes são
"etiquetas" biológicas que permitem agrupar povos de acordo com
seus ancestrais comuns.
O crescimento populacional nos Andes, como resultado -entre outras
coisas- da agricultura intensiva, também provocou um aumento da
variabilidade genética dentro de cada grupo.
Para as populações da Amazônia e do leste da América
do Sul, há mais "etiquetas" distintas, mas, em compensação,
menos variedade em cada etiqueta, o que indicaria, segundo o modelo, grupos
menores e isolados entre si.
Segundo Santos, isso mostra que as populações do leste
e do oeste da América do Sul estão evoluindo de maneira diferente.
Enquanto nos Andes a tendência é por uma certa uniformização,
na Amazônia, no Chaco paraguaio e no Brasil Central existe uma tendência
à diferenciação.
"Não dá para achar que é tudo uma coisa só,
como muita gente supõe quando estuda os índios sul-americanos",
disse.
Para o geneticista mineiro, o novo modelo obriga os cientistas a repensarem
a hipótese do "isolamento pela distância", ou seja, quanto
mais longe estiver um grupo humano de outro, menos parecidos entre si eles
serão.
"Se só a geografia explicasse a variação, os grupos
da Amazônia seriam mais parecidos entre si do que com os do Chaco
ou do Altiplano. Mas não é assim."
Refúgios
Segundo ele, uma explicação para esse estranhamento entre
vizinhos seriam as condições ecológicas da Amazônia
no início da sua povoação -para os geneticistas, cerca
de 14 mil anos atrás.
Segundo a teoria de refúgios, do zoólogo Paulo Vanzolini
e do geógrafo Aziz Ab'Sáber, a Amazônia da época
tinha grandes áreas de savana, vegetação mais aberta
que permitia o fluxo gênico entre os grupos humanos. Com o fim da
era glacial, cerca de 12 mil anos atrás, a floresta teria se expandido
e isolado as populações indígenas.
Santos disse que seu grupo espera poder identificar, no futuro, os
antigos "corredores genéticos" da região. Se conseguir, a
genética poderá ajudar a decifrar questões que até
hoje intrigam os arqueólogos, como a origem dos povos tupis da costa
brasileira.
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