Texto
Anterior | Índice
ELIO GASPARI
O branco tem a marca de Naná
A revista "Ciência Hoje" que chegará às bancas nos
próximos dias traz um artigo fenomenal. Cinco pesquisadores dos
departamentos de bioquímica e biologia da Universidade Federal de
Minas Gerais qualificaram uma parte do processo de miscigenação
da população brasileira. São Sérgio Pena, Denise
Carvalho-Silva, Juliana Alves-Silva, Vânia Prado e Fabrício
Santos.
A partir do exame do DNA de uma amostra de 200 homens e mulheres brancos
de regiões e origens sociais diversas, demonstraram que, de acordo
com os marcadores utilizados, de cada cem pessoas brancas só 39
têm apenas linhagem exclusivamente européia. As demais têm
a marca da miscigenação (33% de índios e 28% de africanos).
A predominância da marca indígena deve-se ao fato de que por
mais de um século a miscigenação deu-se sem a presença
negra.
Há mais gente com um pé na cozinha do que com os dois
na sala.
As revelações da pesquisa vão adiante:
Só uma em cada dez pessoas brancas tem no seu código
genético a marca de um ascendente homem negro ou índio.
Seis em cada dez brancos têm a marca de uma ascendente mulher
negra ou índia.
Pode-se estimar que 45 milhões de brasileiros têm uma
índia na sua ascendência. São 40 milhões os
que têm uma negra.
É a comprovação científica daquilo que
Gilberto Freyre formulou em termos sociológicos. A miscigenação
deu-se sobretudo pela relação de homens brancos com mulheres
negras ou índias. Basta olhar em volta para perceber que esse acasalamento
físico não resultou numa aproximação social.
Usando-se a personagem Naná (Adriana Lessa), de "Terra Nostra",
vê-se como funcionou a miscigenação brasileira. Ela
teve mais Gumercindos (Antônio Fagundes), com quem Naná partilhou
uma rede, do que Antenores (Jackson Antunes), com quem formou um lar.
Há algo de surpreendente na disparidade que separa os ascendentes
masculinos (negros ou índios que tiveram filhos com brancas) dos
femininos (negras ou índios que tiveram filhos com brancos).
Os brasileiros que se julgam superiores por brancos devem se lembrar
de que há mais de 25% de chances de uma mulher negra ter deixado
no seu DNA a marca de Naná.
Os cinco pesquisadores afirmam, em sua conclusão:
"Pode ser ingênuo de nossa parte, mas gostaríamos de acreditar
que se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio
ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade
genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século
21 uma sociedade mais justa e harmônica."
O mais velho dos cinco professores tem 50 anos. As duas mais jovens
têm 26. Deram uma verdadeira aula, motivo de orgulho para a ciência
brasileira.
O instrumental científico que usaram foi o mesmo que já
permitiu a conclusão de que o homem de Neandertal nada tem a ver
com o homem moderno e que os índios da América vieram da
Sibéria.
|