Folha de São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000
 
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ELIO GASPARI

O branco tem a marca de Naná

A revista "Ciência Hoje" que chegará às bancas nos próximos dias traz um artigo fenomenal. Cinco pesquisadores dos departamentos de bioquímica e biologia da Universidade Federal de Minas Gerais qualificaram uma parte do processo de miscigenação da população brasileira. São Sérgio Pena, Denise Carvalho-Silva, Juliana Alves-Silva, Vânia Prado e Fabrício Santos.
A partir do exame do DNA de uma amostra de 200 homens e mulheres brancos de regiões e origens sociais diversas, demonstraram que, de acordo com os marcadores utilizados, de cada cem pessoas brancas só 39 têm apenas linhagem exclusivamente européia. As demais têm a marca da miscigenação (33% de índios e 28% de africanos). A predominância da marca indígena deve-se ao fato de que por mais de um século a miscigenação deu-se sem a presença negra.
Há mais gente com um pé na cozinha do que com os dois na sala.
As revelações da pesquisa vão adiante:
Só uma em cada dez pessoas brancas tem no seu código genético a marca de um ascendente homem negro ou índio.
Seis em cada dez brancos têm a marca de uma ascendente mulher negra ou índia.
Pode-se estimar que 45 milhões de brasileiros têm uma índia na sua ascendência. São 40 milhões os que têm uma negra.
É a comprovação científica daquilo que Gilberto Freyre formulou em termos sociológicos. A miscigenação deu-se sobretudo pela relação de homens brancos com mulheres negras ou índias. Basta olhar em volta para perceber que esse acasalamento físico não resultou numa aproximação social. Usando-se a personagem Naná (Adriana Lessa), de "Terra Nostra", vê-se como funcionou a miscigenação brasileira. Ela teve mais Gumercindos (Antônio Fagundes), com quem Naná partilhou uma rede, do que Antenores (Jackson Antunes), com quem formou um lar.
Há algo de surpreendente na disparidade que separa os ascendentes masculinos (negros ou índios que tiveram filhos com brancas) dos femininos (negras ou índios que tiveram filhos com brancos).
Os brasileiros que se julgam superiores por brancos devem se lembrar de que há mais de 25% de chances de uma mulher negra ter deixado no seu DNA a marca de Naná.
Os cinco pesquisadores afirmam, em sua conclusão:
"Pode ser ingênuo de nossa parte, mas gostaríamos de acreditar que se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século 21 uma sociedade mais justa e harmônica."
O mais velho dos cinco professores tem 50 anos. As duas mais jovens têm 26. Deram uma verdadeira aula, motivo de orgulho para a ciência brasileira.
O instrumental científico que usaram foi o mesmo que já permitiu a conclusão de que o homem de Neandertal nada tem a ver com o homem moderno e que os índios da América vieram da Sibéria.
 

 
 

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