GENÉTICA 

Aquarela do Brasil 

Com base na análise do DNA, novo estudo desvenda heranças familiares e desfaz o mito de que os brancos são maioria no país
 

Aparências
A professora Élida e as filhas Elisa e Tereza têm traços típicos de europeus, mas possuem origem genética negra. São um exemplo de como a cor da pele e os traços físicos são insuficientes para definir a raça 
A professora universitária Élida Leite Rabelo tem pele clara, cabelos castanhos lisos e olhos ligeiramente esverdeados. Suas filhas, Tereza e Elisa, seguem o padrão. São loiríssimas. A aparência européia repete-se, por muitas gerações, como um traço dominante na família de Élida. Vários de seus antepassados, donos de fazendas de gado em Minas Gerais, tinham olhos azuis e pele alva. Porém, o que as características físicas não revelam é que o material genético originário da mãe da professora foi herdado de negros africanos. Élida, Tereza e Elisa são, portanto, mestiças.

Foi um susto. Ao submeter-se a um exame de DNA, a professora deparou com a novidade e recorreu à memória familiar. Conversou com sua mãe, que disse lembrar-se vagamente de histórias sobre antepassados africanos. "Nunca soube que eles eram negros", conta Élida.

As origens desta brasileira de 38 anos ilustram um estudo inédito no país, desenvolvido pelo geneticista Sérgio Danilo Pena e por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A pesquisa delineou, por meio da análise do DNA de 247 pessoas (leia o quadro), o tamanho e as origens da miscigenação no Brasil. Praticamente a totalidade dos pesquisados possui herança genética paterna originada de europeus, fruto da colonização portuguesa. A mestiçagem vem majoritariamente da herança genética materna. Do total de pesquisados, 33% descendem de índios e 28% têm ancestrais negros por parte de mãe.

O estudo abre a possibilidade de uma revisão nas estatísticas sobre a composição étnica do país. Segundo o IBGE, existem 86 milhões de brancos no Brasil, 54% da população. À luz das conclusões de Pena, esse número é uma imprecisão estatística. Muitos brancos saltam para a categoria de mestiços quando seu DNA é decodificado. Do universo de supostos brancos, 28 milhões portam herança genética indígena. Outra parcela da população, 24 milhões, carrega DNA de negros. Portanto, apenas 34 milhões de brasileiros seriam, de fato, brancos puros segundo padrões genéticos. Essas projeções fazem explodir o número de mestiços - dos atuais 64 milhões, pelos critérios do IBGE, para 116 milhões de brasileiros. "A pesquisa ampliou o caldeirão racial para limites nunca antes imaginados", afirma o geneticista.

A pesquisa da UFMG investigou o DNA de pessoas de pele branca, recrutadas nas quatro principais regiões geográficas do país. A maioria delas vem da classe média. O universo de análise - 247 pessoas, entre homens e mulheres - pode parecer pequeno à primeira vista, mas, em termos genéticos, já é suficiente para descrever padrões populacionais. "A análise de milhares de casos nos daria pouquíssimas informações novas", garante Pena.

O estudo trouxe a confirmação científica de um fenômeno há muito percebido pela sociologia. A miscigenação foi o eixo central de Casa-Grande & Senzala, livro escrito por Gilberto Freyre na década de 30. "Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e ou do negro", registrou o escritor pernambucano. O cruzamento de raças tem origem nas práticas sexuais entre os portugueses e as índias, no início da colonização, e as escravas negras, a partir do século XVII.

O retrato genético da população brasileira traduz-se num estudo sofisticado, cujos dados integrarão o GEN Bank. Trata-se de um banco de informações patrocinado pelo governo americano com objetivos audaciosos: armazenar a origem genética das principais populações do mundo. Países importantes ainda não passaram por essa análise.

As conclusões do estudo colocam em xeque antigos preconceitos. A bióloga paulista Andréia Machado Vercesi, por exemplo, tem um padrão estético muito semelhante ao que se convencionou chamar de mulata brasileira. Pele morena, cabelos lisos e pretos, nariz largo e olhos escuros, Andréia tipifica a mestiça. Só que a genética contesta as aparências e crava uma certeza: Andréia é uma legítima descendente de europeus. Com tantos meios-tons captados pela análise do DNA, a aquarela racial brasileira nunca mais será a mesma.
 


Eduardo Junqueira 


Origens mapeadas 
Como é feito o exame que detecta a etnia dos brasileiros

1 - Os cientistas localizaram, nas células do sangue, a porção do DNA que contém características específicas da pessoa

2 - Mapearam, então, as seqüências herdadas do pai e da mãe nesses pontos do DNA

3 - Cada raça tem um mapa genético padrão. O material obtido pelos cientistasfoi comparado com esses modelos. Assim, chegou-se à etnia dos brasileiros da pesquisa 


 

Fotos: Nélio Rodrigues/Ag. 1º Plano 

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