03/09/2012
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05h00
Pesquisadores descobrem nova espécie de ave em Minas Gerais
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
Vasculhando montanhas com cerca de 1.500 m de altitude no coração de
Minas Gerais, pesquisadores encontraram uma nova espécie de pássaro,
mais ou menos do tamanho de um sabiá (embora seu "primo" mais conhecido
seja o joão-de-barro).
A ave, apelidada por eles de pedreiro-do-espinhaço, é um enigma
evolutivo: seus parentes mais próximos, que também gostam de montanhas e
de frio, estão a milhares de quilômetros dali, no Rio Grande do Sul,
nos Andes e até na Patagônia.
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Editoria de Arte/Folhapress |
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Enquanto tentam entender como o bicho foi parar na serra do Espinhaço, a
apenas 50 km de Belo Horizonte, os cientistas também estão levando em
conta considerações mais práticas. Para eles, a espécie já "nasce" para a
ciência como ameaçada de extinção.
É que o habitat do animal, uma combinação única de rocha e vegetação
rasteira adaptada a altitudes elevadas, corre o risco de sumir com a
mudança climática, além de sofrer a pressão da atividade humana.
É OU NÃO É?
A pesquisa que levou à descoberta da nova espécie é assinada pelo
ornitólogo Guilherme Freitas e por seus colegas Anderson Chaves, Lílian
Costa, Fabrício Santos e Marcos Rodrigues, todos da UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais).
A equipe levou vários anos para cravar que se tratava de um bicho novo,
em parte, porque as diferenças entre o pedreiro-do-espinhaço e seus
parentes da região Sul (que moram na serra Geral, entre o Rio Grande do
Sul e Santa Catarina) são pequenas.
Freitas conta que a descoberta começou com o avistamento de um único
indivíduo, em 2006. "Bati umas fotos e achei que só podia ser ele [a
espécie do Sul." Talvez fosse um pássaro especialmente aventureiro,
tendo voado uns 1.000 km rumo ao norte, pensou o ornitólogo.
Procura que procura, ele e seus colegas foram achando mais bichos, até
toparem com casais e filhotes, sinal de que se tratava de uma população
residente, e não de alguns pássaros desgarrados.
A equipe conseguiu capturar alguns exemplares e gravar o canto dos
pássaros. Análises comparativas da aparência, do padrão de canto e do
DNA dos animais levou os pesquisadores a acreditarem, que, de fato,
tratava-se de uma espécie nova.
"As diferenças são sutis. Mas, somadas, fortalecem essa hipótese", diz Freitas.
NÁUFRAGO
É difícil saber como a nova espécie acabou evoluindo. É possível que
áreas mais baixas fossem propícias à sua presença dezenas de milhares de
anos atrás, na Era do Gelo. Conforme o planeta esquentou, a população
da serra do Espinhaço teria ficado isolada e adquirido suas
características únicas.
Por outro lado, sua origem pode ser ainda mais remota. "As montanhas
brasileiras são antigas se comparadas aos Andes, e há vários registros
de 'fósseis vivos' no Espinhaço", diz Freitas.
O habitat peculiar da ave são os chamados campos rupestres, terrenos
pedregosos cobertos por plantas herbáceas e frequentemente cobertos por
neblina, formada pela umidade que vem do mar.
Nesse ambiente, o pedreiro-do-espinhaço caça invertebrados em meio a rachaduras na rocha, musgos, líquens e gramíneas.
Por suas características únicas e por seu isolamento, os campos
rupestres são pródigos em animais e plantas endêmicos, ou seja, que só
existem lá, e em nenhum outro lugar do mundo.
De 1990 para cá, por exemplo, a serra do Espinhaço já tinha sido palco
da descoberta de três outras espécies de aves, coisa rara no planeta
hoje.
A descrição científica oficial da espécie será publicada na edição do
mês que vem da revista científica "Ibis", especializada em ornitologia.