Cena do filme 'Planeta
dos Macacos – O Confronto' - Divulgação/VEJA
O que há de possível — e impossível — para a
ciência em 'Planeta dos Macacos: O Confronto'. No filme do diretor Matt Reeves, macacos
liderados por um chimpanzé inteligente vivem em uma
aldeia, falam e têm expressões faciais semelhantes às
humanas. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam
que algumas habilidades e comportamentos retratados no
cinema até são possíveis, mas a maioria não passa de
ficção.
Em uma das primeiras cenas de Planeta
dos Macacos: O Confronto, lançado no Brasil na
última quinta-feira, chimpanzés caçam com lanças,
assustam-se e sentem medo. Liderados por César, um
macaco inteligente, eles também são capazes de falar,
viver em sociedades organizadas e enfrentar os homens. O
filme, que se tornou o mais visto nos Estados Unidos
desde sua estreia, há duas semanas, mistura ficção com
alguns aspectos da realidade para contar a história da
guerra que vai decidir qual espécie dominará o planeta:
símios ou homens. Embora o filme não tenha a pretensão
de ser fiel à ciência, o estudo da evolução indica que a
ideia de que os primatas desenvolvam algumas
das habilidades exibidas na tela não é tão
inconcebível assim.
"Nossa espécie levou os últimos 50 000 anos para
desenvolver os traços humanos modernos, como as emoções.
No filme, os primatas tiveram um grande salto evolutivo
em apenas uma década", diz o biólogo Danilo Vicensotto
Bernardo, professor de arqueologia e antropologia da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
O longa, sequência de Planeta dos Macacos:
A Origem, de 2011, mostra
César, dez anos depois de ter liderado a fuga dos
macacos de São Francisco, nos Estados Unidos, vivendo
com seu clã em uma floresta nos arredores da cidade.
Ali, as várias espécies de primatas que foram cobaias em
laboratórios humanos vivem em harmonia, caçam e moram em
cabanas. A paz, no entanto, é perturbada por um grupo de
pessoas que sobreviveram à gripe símia, que dizimou a
humanidade. Em pouco tempo, começa uma guerra em que
chimpanzés, gorilas e orangotangos empunham armas de
fogo, andam a cavalo, falam e se comunicam por linguagem
de sinais, entre muitas outras habilidades.
Bernardo explica que os homens se separaram dos
chimpanzés há cerca de 7 milhões de anos e divide com
eles cerca de 95% do genoma. "Esses 5%, entretanto,
trazem sutilezas que fazem toda a diferença entre as
duas espécies. Para falar, ter emoções ou montar
sociedades organizadas é necessário desenvolver um
sistema simbólico que apenas a nossa espécie foi capaz
de criar", afirma. "Além disso, há adaptações físicas
que foram desenvolvidas por milhares de gerações de
hominídeos para ser bípede ou falar."
Confira o que a evolução ainda pode reservar
aos macacos.
- Possível: Expressões faciais semelhantes às humanas
Filme: Desde
o longa anterior 'Planeta dos Macacos: A Origem',
César, o chimpanzé líder dos macacos, apresenta
expressões faciais de tristeza, felicidade ou reflexão
muito parecidas com as dos homens.
Realidade: As expressões de surpresa, raiva ou medo
dos chimpanzés são quase iguais às nossas. "Mais de 90%
das expressões faciais dos chimpanzés são compartilhadas
com os humanos", diz o biólogo Fabrício Rodrigues dos
Santos, professor do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além disso,
os chimpanzés olham nos olhos como nós para se
comunicar. Para um gorila, essa atitude significa uma
ameaça.
Impossível: Caminhar em duas pernas
Filme: Em
quase todas as cenas, os macacos do filme são bípedes.
Caminham, correm e lutam sobre duas pernas, como os
homens.
Realidade: Macacos
como chimpanzés, gorilas ou bonobos andam sobre duas
pernas, mas não todo o tempo, pois sua anatomia não é
adaptada para longos períodos nessa posição. O fóssil do
'Orrorin tugenenis', uma espécie extinta de hominídeos que
data de cerca de 6 milhões de anos, é o primeiro a sugerir
a caminhada ereta, pois apresentava um fêmur — o que lhe
permita escalar árvores e caminhar em duas pernas.
"Acreditamos que esse fóssil seja um ponto fundador da
linhagem hominídea por esse motivo. Ficar sobre duas patas
é diferente de andar sobre duas patas. O caminhar ereto é
algo que os chimpanzés não são capazes de fazer. E quando
fazem, precisam jogar os ombros de um lado para o outro,
como um pêndulo, para equilibrar seu centro de gravidade",
diz Danilo Vicensotto Bernardo, professor de arqueologia e
antropologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Impossível: Montar a cavalo
Filme: Para se
locomover pela floresta e nas lutas com os homens, os
macacos cavalgam em cavalos domados.
Realidade: Não
há registros de macacos que andem a cavalo como os homens.
É anatomicamente impossível, além de exigir que os cavalos
sejam domados para serem montados. "No filme, os macacos
não têm quase nada de quadrúpedes, por isso eles podem
correr em duas pernas e montar a cavalo. Mas isso é
impossível para um chimpanzé real, que é quadrúpede e sobe
em árvores", explica o biólogo Fabrício Rodrigues dos
Santos. "Mesmo que eles sejam mais inteligentes, sua
anatomia não permite um movimento como esse."
Possível: Usar ferramentas
Filme: Os
macacos usam pedaços de árvores para ajudar na caça e
pesca e pedras para triturar objetos.
Realidade: Na
natureza, chimpanzés usam galhos de árvores para caçar, em
brigas entre eles, e utilizam pedras para quebrar
alimentos ou objetos. Suas lanças, entretanto, são muito
rudimentares e as pedras estão longe de serem polidas ou
usadas apenas com esse objetivo, como fazemos. "Há
registros de chimpanzés que usam pedaços de árvores para
ajudar na caça, como lanças, e talvez isso possa ter sido
aprendido por imitação dos humanos", diz Santos. "Os
macacos são capazes de imitar ações e passar esse
aprendizado para outros membros do bando."
Impossível: Morar em uma comunidade e construir
casas
Filme: Ao
deixar São Francisco, os macacos liderados por César vão
para uma floresta chamada Muir Woods. Lá, vivem juntos em
uma só comunidade, em construções de madeira semelhantes a
cabanas que os protegem da chuva e do frio.
Realidade: Uma
das grandes críticas do 'Planeta dos Macacos' original, de
1968, era de que todas as espécies viviam juntas em uma só
comunidade, algo pouco plausível. "Se várias espécies
diferentes precisassem dividir o mesmo local por algum
tempo, é possível que constituíssem um bando, desde que
não precisassem competir por território ou alimento. No
entanto, o grupo não ficaria muito grande e organizado em
uma aldeia, porque não há relações sociais suficientes
para isso. Os macacos não têm relações simbólicas com o
mundo, como os homens, e são elas que nos levam a viver
organizados em comunidades e cidades como o único objetivo
de constituir uma vida em comum", diz o biólogo Danilo
Vicensotto Bernardo.
Além disso, se os macacos
não são capazes de construir ferramentas e suas mãos não
são adaptadas para os movimentos de precisão necessários
para a construção, por exemplo, de cabanas. "Quando chove,
o máximo que um macaco consegue fazer é se esconder ou
pegar alguns galhos e colocar sobre a cabeça. Montar
barracas para fugir do frio é algo que só os humanos
fazem", afirma Santos
Impossível: Família monogâmica
Filme: César
constituiu uma família com outra chimpanzé e tem dois
filhos, nos mesmos moldes de uma família humana. Ambos
cuidam dos filhos e têm sentimentos de ternura em relação
à prole.
Realidade: As
comunidades de chimpanzés são organizadas com um macho
alfa cercado por várias fêmeas, com quem ele copula e tem
filhos. Algumas fêmeas do grupo se ocupam dos cuidados com
os filhotes. Suas famílias são, portanto, poligâmicas e
não formam pares estáveis. "O comportamento do núcleo
familiar como conhecemos hoje surgiu provavelmente há
cerca há cerca de 2 milhões de anos, com o 'Homo erectus',
muito depois que os homens se separaram dos chimpanzés",
diz Bernardo. "Há evidências de que nessa época surgiram
algumas modificações na espécie que levaram a
comportamentos modernos, como a monogamia: alterações
hormonais fizeram com que as fêmeas fossem receptivas ao
sexo também fora do período fértil. Por isso, a melhor
garantia de que a prole seja de um só macho é passar o
tempo todo com ela."
Possível: Bonobo agressivo
Filme: Koba
é um bonobo que, depois de ser cobaia em muitas
experiências em laboratório, é libertado por César. No
filme, ele desconfia dos humanos, sempre lembrando as
maldades que os humanos fizeram com ele, tornando-se
agressivo.
Realidade: Na
natureza, os bonobos são uma espécie conhecida por
resolverem suas tensões não por meio da agressividade, mas
pelo sexo. Trata-se de um comportamento diferente dos
chimpanzés, que costumam ser agressivos como os humanos em
suas disputas. No entanto, como os indivíduos são variados
dentro de uma população, é possível que um bonobo se torne
violento — ainda mais se passar por experiências
genéticas. "Existem variações comportamentais dentro de um
mesmo grupo, o que permite que um ou outro seja mais
agressivo", afirma Bernardo.
Possível: Linguagem de sinais e capacidade de
enganar
Filme: César
se comunica por meio de linguagem de sinais com Maurice,
um orangotango que trabalhou no circo, e ensina essa
linguagem a todos os outros macacos da comunidade. Em uma
das cenas do filme, usando sua astúcia, Koba engana os
humanos, para conseguir o que quer deles.
Realidade: Macacos
são capazes de associar gestos a significados e, por
imitação, aprendê-los. Eles se comunicam por linguagem não
verbal e há experiências em que chimpanzés aprendem a
apertar botões ou pedir alimentos ou cuidados. "No
entanto, eles apenas associam os gestos a seus resultados,
da mesma forma que um cão aprende a chamar a atenção ou
pedir comida. Eles se comunicam, mas não atribuem
significados complexos a esses gestos, pois isso depende
da existência de um sistema simbólico que ele não
possuem", diz Bernardo.
A capacidade de enganar os
humanos foi verificada em chimpanzés, no que os cientistas
chamam de "comportamento traidor". Em cativeiro, eles são
capazes de esconder seu alimento e mostrar o recipiente de
comida vazio para ganhar mais uma porção. "Em alguns
aspectos, os chimpanzés seguem esse comportamento traidor.
No entanto, a atitude de Koba em relação aos humanos
precisaria de muitas gerações para ser alcançado", afirma
o biólogo.
Impossível: Fala
Filme: No longa
anterior, César fala apenas uma palavra: "não". Neste
filme, ele e outros macacos são capazes de formar frases
complexas, exibindo um pensamento bastante sofisticado. Os
sons são rudimentares, mas bastante próximos à fala de
alguém que tem dificuldades para articular palavras.
Realidade: O
gene Foxp-2, relacionado ao desenvolvimento das cordas
vocais, língua e palato mole dos humanos, é apenas dois
aminoácidos diferentes do mesmo gene dos chimpanzés. Essa
pequena diferença, porém, possibilita que os humanos falem
e os chimpanzés, não. Além de não ter a laringe, faringe e
língua adaptados para a fala como nós, eles também não
dispõem do controle das cordas vocais e do diafragma.
"Para poder falar é necessário mais que o desenvolvimento
cognitivo. É preciso que a anatomia esteja desenvolvida.
Os chimpanzés são como as crianças que, nos primeiros anos
de vida, não têm essas estruturas completamente prontas e,
por isso não conseguem falar. Cognitivamente elas até
poderiam, mas ainda não têm o controle das cordas vocais e
as estruturas da fala ainda estão em desenvolvimento. A
limitação também é mecânica", diz o biólogo Fabrício
Rodrigues dos Santos, da UFMG.
Mais que as adaptações
físicas, para alcançar noções sofisticadas de tempo,
espaço ou de conceitos emocionais, seria necessário que os
macacos pudessem compreender símbolos e significados como
nós. "Essas relações são muito difíceis de atingir. Nem um
neandertal, que possuía o cérebro maior que o nosso e era
muito adaptado a seu ambiente, era capaz de alcançar essas
noções como o 'Homo sapiens'", diz Bernardo.
Possível: Boa memória
Filme: César se
lembra de todo o seu passado, da casa onde morou e do
humano que o criou, mesmo depois de dez anos. Koba tem
cicatrizes que não o deixam esquecer do que os humanos
fizeram a ele.
Realidade: A
boa memória é uma característica comum a várias espécies
animais — cachorros, por exemplo, são capazes de lembrar
por anos de pessoas que o machucaram. Chimpanzés são uma
espécie que exibe uma memória muito sofisticada. "Não é
improvável que os macacos se lembrem de seu passado.
Estudos com testes de memória em chimpanzés mostram que
eles têm a memória melhor que a nossa. Mas é importante
lembrar que memória não é significado de inteligência",
diz Santos.
Fonte: Revista Veja.