31 de jul de 2014

Planeta dos Macacos.

Cena do filme 'Planeta dos Macacos – O Confronto' - Divulgação/VEJA

O que há de possível — e impossível — para a ciência em 'Planeta dos Macacos: O Confronto'.  No filme do diretor Matt Reeves, macacos liderados por um chimpanzé inteligente vivem em uma aldeia, falam e têm expressões faciais semelhantes às humanas. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que algumas habilidades e comportamentos retratados no cinema até são possíveis, mas a maioria não passa de ficção.

Em uma das primeiras cenas de Planeta dos Macacos: O Confronto, lançado no Brasil na última quinta-feira, chimpanzés caçam com lanças, assustam-se e sentem medo. Liderados por César, um macaco inteligente, eles também são capazes de falar, viver em sociedades organizadas e enfrentar os homens. O filme, que se tornou o mais visto nos Estados Unidos desde sua estreia, há duas semanas, mistura ficção com alguns aspectos da realidade para contar a história da guerra que vai decidir qual espécie dominará o planeta: símios ou homens. Embora o filme não tenha a pretensão de ser fiel à ciência, o estudo da evolução indica que a ideia de que os primatas desenvolvam algumas das habilidades exibidas na tela não é tão inconcebível assim.


"Nossa espécie levou os últimos 50 000 anos para desenvolver os traços humanos modernos, como as emoções. No filme, os primatas tiveram um grande salto evolutivo em apenas uma década", diz o biólogo Danilo Vicensotto Bernardo, professor de arqueologia e antropologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).


O longa, sequência de Planeta dos Macacos: A Origem, de 2011, mostra César, dez anos depois de ter liderado a fuga dos macacos de São Francisco, nos Estados Unidos, vivendo com seu clã em uma floresta nos arredores da cidade. Ali, as várias espécies de primatas que foram cobaias em laboratórios humanos vivem em harmonia, caçam e moram em cabanas. A paz, no entanto, é perturbada por um grupo de pessoas que sobreviveram à gripe símia, que dizimou a humanidade. Em pouco tempo, começa uma guerra em que chimpanzés, gorilas e orangotangos empunham armas de fogo, andam a cavalo, falam e se comunicam por linguagem de sinais, entre muitas outras habilidades.
Bernardo explica que os homens se separaram dos chimpanzés há cerca de 7 milhões de anos e divide com eles cerca de 95% do genoma. "Esses 5%, entretanto, trazem sutilezas que fazem toda a diferença entre as duas espécies. Para falar, ter emoções ou montar sociedades organizadas é necessário desenvolver um sistema simbólico que apenas a nossa espécie foi capaz de criar", afirma. "Além disso, há adaptações físicas que foram desenvolvidas por milhares de gerações de hominídeos para ser bípede ou falar."​

Confira o que a evolução ainda pode reservar aos macacos.
  • Possível: Expressões faciais semelhantes às humanas

Filme: Desde o longa anterior 'Planeta dos Macacos: A Origem', César, o chimpanzé líder dos macacos, apresenta expressões faciais de tristeza, felicidade ou reflexão muito parecidas com as dos homens. 
Realidade: As expressões de surpresa, raiva ou medo dos chimpanzés são quase iguais às nossas. "Mais de 90% das expressões faciais dos chimpanzés são compartilhadas com os humanos", diz o biólogo Fabrício Rodrigues dos Santos, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além disso, os chimpanzés olham nos olhos como nós para se comunicar. Para um gorila, essa atitude significa uma ameaça.

Impossível: Caminhar em duas pernas


Filme: Em quase todas as cenas, os macacos do filme são bípedes. Caminham, correm e lutam sobre duas pernas, como os homens.
Realidade: Macacos como chimpanzés, gorilas ou bonobos andam sobre duas pernas, mas não todo o tempo, pois sua anatomia não é adaptada para longos períodos nessa posição. O fóssil do 'Orrorin tugenenis', uma espécie extinta de hominídeos que data de cerca de 6 milhões de anos, é o primeiro a sugerir a caminhada ereta, pois apresentava um fêmur — o que lhe permita escalar árvores e caminhar em duas pernas. "Acreditamos que esse fóssil seja um ponto fundador da linhagem hominídea por esse motivo. Ficar sobre duas patas é diferente de andar sobre duas patas. O caminhar ereto é algo que os chimpanzés não são capazes de fazer. E quando fazem, precisam jogar os ombros de um lado para o outro, como um pêndulo, para equilibrar seu centro de gravidade", diz Danilo Vicensotto Bernardo, professor de arqueologia e antropologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Impossível: Montar a cavalo


Filme: Para se locomover pela floresta e nas lutas com os homens, os macacos cavalgam em cavalos domados. 
Realidade: Não há registros de macacos que andem a cavalo como os homens. É anatomicamente impossível, além de exigir que os cavalos sejam domados para serem montados. "No filme, os macacos não têm quase nada de quadrúpedes, por isso eles podem correr em duas pernas e montar a cavalo. Mas isso é impossível para um chimpanzé real, que é quadrúpede e sobe em árvores", explica o biólogo Fabrício Rodrigues dos Santos. "Mesmo que eles sejam mais inteligentes, sua anatomia não permite um movimento como esse." 

Possível: Usar ferramentas


Filme: Os macacos usam pedaços de árvores para ajudar na caça e pesca e pedras para triturar objetos.
Realidade: Na natureza, chimpanzés usam galhos de árvores para caçar, em brigas entre eles, e utilizam pedras para quebrar alimentos ou objetos. Suas lanças, entretanto, são muito rudimentares e as pedras estão longe de serem polidas ou usadas apenas com esse objetivo, como fazemos. "Há registros de chimpanzés que usam pedaços de árvores para ajudar na caça, como lanças, e talvez isso possa ter sido aprendido por imitação dos humanos", diz Santos. "Os macacos são capazes de imitar ações e passar esse aprendizado para outros membros do bando."

Impossível: Morar em uma comunidade e construir casas


Filme: Ao deixar São Francisco, os macacos liderados por César vão para uma floresta chamada Muir Woods. Lá, vivem juntos em uma só comunidade, em construções de madeira semelhantes a cabanas que os protegem da chuva e do frio.
Realidade: Uma das grandes críticas do 'Planeta dos Macacos' original, de 1968, era de que todas as espécies viviam juntas em uma só comunidade, algo pouco plausível. "Se várias espécies diferentes precisassem dividir o mesmo local por algum tempo, é possível que constituíssem um bando, desde que não precisassem competir por território ou alimento. No entanto, o grupo não ficaria muito grande e organizado em uma aldeia, porque não há relações sociais suficientes para isso. Os macacos não têm relações simbólicas com o mundo, como os homens, e são elas que nos levam a viver organizados em comunidades e cidades como o único objetivo de constituir uma vida em comum", diz o biólogo Danilo Vicensotto Bernardo.
Além disso, se os macacos não são capazes de construir ferramentas e suas mãos não são adaptadas para os movimentos de precisão necessários para a construção, por exemplo, de cabanas. "Quando chove, o máximo que um macaco consegue fazer é se esconder ou pegar alguns galhos e colocar sobre a cabeça. Montar barracas para fugir do frio é algo que só os humanos fazem", afirma Santos

Impossível: Família monogâmica


Filme: César constituiu uma família com outra chimpanzé e tem dois filhos, nos mesmos moldes de uma família humana. Ambos cuidam dos filhos e têm sentimentos de ternura em relação à prole.
Realidade: As comunidades de chimpanzés são organizadas com um macho alfa cercado por várias fêmeas, com quem ele copula e tem filhos. Algumas fêmeas do grupo se ocupam dos cuidados com os filhotes. Suas famílias são, portanto, poligâmicas e não formam pares estáveis. "O comportamento do núcleo familiar como conhecemos hoje surgiu provavelmente há cerca há cerca de 2 milhões de anos, com o 'Homo erectus', muito depois que os homens se separaram dos chimpanzés", diz Bernardo. "Há evidências de que nessa época surgiram algumas modificações na espécie que levaram a comportamentos modernos, como a monogamia: alterações hormonais fizeram com que as fêmeas fossem receptivas ao sexo também fora do período fértil. Por isso, a melhor garantia de que a prole seja de um só macho é passar o tempo todo com ela." 

Possível: Bonobo agressivo


Filme: Koba é um bonobo que, depois de ser cobaia em muitas experiências em laboratório, é libertado por César. No filme, ele desconfia dos humanos, sempre lembrando as maldades que os humanos fizeram com ele, tornando-se agressivo.
Realidade: Na natureza, os bonobos são uma espécie conhecida por resolverem suas tensões não por meio da agressividade, mas pelo sexo. Trata-se de um comportamento diferente dos chimpanzés, que costumam ser agressivos como os humanos em suas disputas. No entanto, como os indivíduos são variados dentro de uma população, é possível que um bonobo se torne violento — ainda mais se passar por experiências genéticas. "Existem variações comportamentais dentro de um mesmo grupo, o que permite que um ou outro seja mais agressivo", afirma Bernardo.

Possível: Linguagem de sinais e capacidade de enganar


Filme: César se comunica por meio de linguagem de sinais com Maurice, um orangotango que trabalhou no circo, e ensina essa linguagem a todos os outros macacos da comunidade. Em uma das cenas do filme, usando sua astúcia, Koba engana os humanos, para conseguir o que quer deles.
Realidade: Macacos são capazes de associar gestos a significados e, por imitação, aprendê-los. Eles se comunicam por linguagem não verbal e há experiências em que chimpanzés aprendem a apertar botões ou pedir alimentos ou cuidados. "No entanto, eles apenas associam os gestos a seus resultados, da mesma forma que um cão aprende a chamar a atenção ou pedir comida. Eles se comunicam, mas não atribuem significados complexos a esses gestos, pois isso depende da existência de um sistema simbólico que ele não possuem", diz Bernardo.
A capacidade de enganar os humanos foi verificada em chimpanzés, no que os cientistas chamam de "comportamento traidor". Em cativeiro, eles são capazes de esconder seu alimento e mostrar o recipiente de comida vazio para ganhar mais uma porção. "Em alguns aspectos, os chimpanzés seguem esse comportamento traidor. No entanto, a atitude de Koba em relação aos humanos precisaria de muitas gerações para ser alcançado", afirma o biólogo.  

Impossível: Fala


Filme: No longa anterior, César fala apenas uma palavra: "não". Neste filme, ele e outros macacos são capazes de formar frases complexas, exibindo um pensamento bastante sofisticado. Os sons são rudimentares, mas bastante próximos à fala de alguém que tem dificuldades para articular palavras.
Realidade: O gene Foxp-2, relacionado ao desenvolvimento das cordas vocais, língua e palato mole dos humanos, é apenas dois aminoácidos diferentes do mesmo gene dos chimpanzés. Essa pequena diferença, porém, possibilita que os humanos falem e os chimpanzés, não. Além de não ter a laringe, faringe e língua adaptados para a fala como nós, eles também não dispõem do controle das cordas vocais e do diafragma. "Para poder falar é necessário mais que o desenvolvimento cognitivo. É preciso que a anatomia esteja desenvolvida. Os chimpanzés são como as crianças que, nos primeiros anos de vida, não têm essas estruturas completamente prontas e, por isso não conseguem falar. Cognitivamente elas até poderiam, mas ainda não têm o controle das cordas vocais e as estruturas da fala ainda estão em desenvolvimento. A limitação também é mecânica", diz o biólogo Fabrício Rodrigues dos Santos, da UFMG.
Mais que as adaptações físicas, para alcançar noções sofisticadas de tempo, espaço ou de conceitos emocionais, seria necessário que os macacos pudessem compreender símbolos e significados como nós. "Essas relações são muito difíceis de atingir. Nem um neandertal, que possuía o cérebro maior que o nosso e era muito adaptado a seu ambiente, era capaz de alcançar essas noções como o 'Homo sapiens'", diz Bernardo.   

Possível: Boa memória


Filme: César se lembra de todo o seu passado, da casa onde morou e do humano que o criou, mesmo depois de dez anos. Koba tem cicatrizes que não o deixam esquecer do que os humanos fizeram a ele.
Realidade: A boa memória é uma característica comum a várias espécies animais — cachorros, por exemplo, são capazes de lembrar por anos de pessoas que o machucaram. Chimpanzés são uma espécie que exibe uma memória muito sofisticada. "Não é improvável que os macacos se lembrem de seu passado. Estudos com testes de memória em chimpanzés mostram que eles têm a memória melhor que a nossa. Mas é importante lembrar que memória não é significado de inteligência", diz Santos. 

Fonte: Revista Veja.