24/02/2002

Parentesco ameaça peixes-bois
 

Geneticista da UFMG acredita que as razões para a baixa diversidade genética entre os animais estão relacionadas ao tamanho da sua população
 

por VERÔNICA FALCÃO
 

Como se não bastasse a população reduzida – menos de 500 no litoral brasileiro – o peixe-boi marinho agora enfrenta outra ameaça: a baixa variabilidade genética. Pesquisa iniciada há um ano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indica que eles são parentes muito próximos.
 

“Quanto menor a variabilidade genética maior o risco de extinção”, sentencia a bióloga Juliana Vianna, que realiza a pesquisa. A consangüinidade, explica a pesquisadora, se constitui numa ameaça porque deixa o animal vulnerável. Uma doença à qual toda a população não apresente resistência, por exemplo, pode dizimar a espécie. Causas naturais, como variações climática, também podem ser fatais.
 

O geneticista da UFMG Fabrício Santos, coordenador do estudo, acredita que as razões para a baixa diversidade genética entre os peixes-bois marinhos estão relacionadas ao tamanho da sua população. “Cruzando entre si, eles acabaram se tornando parentes”, explica.
 

Segundo o pesquisador, essa redução populacional é resultado da caça, iniciada com a colonização, há 500 anos. “No início os peixes-bois marinhos eram encontrados do Amapá ao Espírito Santo. Hoje sua distribuição está restrita, ao sul, ao Estado de Alagoas”, justifica.
 

O estudo, com financiamento da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, analisou amostras de sangue e de pele de peixes-bois. O trabalho é feito com o DNA mitocondrial, aquele proveniente apenas da ascendência materna. O projeto, com duração de dois anos, inclui ainda a pesquisa genética do tecido muscular, no caso de animais mortos.
 

Até agora foram seqüenciadas 35 amostras de peixe-boi marinho. Todos os doze animais dos oceanários do Centro Mamíferos Aquáticos (CMA/Ibama), em Itamaracá, estão sendo estudados. Como são provenientes de encalhes ocorridos em Estados diferentes, a análise do DNA deles estão dando uma panorâmica da variabilidade genética aos pesquisadores. No CMA/Ibama, que abriga o Projeto Peixe-boi, há animais provenientes do Ceará, Paraíba, Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas. 
 

Juliana, orientanda de Fabrício Santos no mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela UFMG, estima que em um ano terá resultados conclusivos. Os dados serão empregados no manejo dos animais em cativeiro e também vão orientar as solturas de peixes-bois na natureza. “Os pares para a reprodução em cativeiro devem ser feitos de acordo com o exame de DNA. A reprodução deve ocorrer entre os machos e fêmeas que apresentem alguma diferença genética”, diz Santos. No caso das solturas, o critério é o mesmo.
 

Embora só agora os pesquisadores tenham descoberto a baixa variabilidade genética do peixe-boi, ele já está desde 1996 na lista das espécies ameaçadas de extinção editada pela IUCN, sigla em inglês para a União Internacional para Conservação da Natureza. A lista do Brasil, publicada pelo Ibama, também traz o mamífero marinho, integrante da ordem dos sirênios e chamado pelos cientistas de Trichechus manatus.
 

Consangüinidade explica deformações na coluna vertebral

Consangüinidade explica deformações na coluna vertebral 


O geneticista da Universidade Federal de Minas Gerais Fabrício Santos aponta as deformações na coluna vertebral de peixes-bois como uma evidência da baixa variabilidade genética. Segundo ele, a escoliose registrada em dois animais mantidos nos oceanários do Centro Mamíferos Aquáticos (CMA/Ibama), em Itamaracá, provavelmente resulta da consangüinidade.
 

Apresentam o problema Xica, o peixe-boi fêmea que vivia na Praça do Derby, no Recife, e Sheila, uma das gêmeas geradas por Sereia. O filhote de Xica, Xiquito, que morreu há três anos, também tinha um defeito de postura semelhante a um desvio da coluna. Enquanto Xica (quase 40 anos) foi capturada ainda filhote em Goiana, no litoral norte de Pernambuco, Sereia (de 11 anos) encalhou em Barro Preto (CE).
 

Com o estudo genético, a equipe pretende ainda comprovar se Poqui, um peixe-boi proveniente do Amapá, é híbrido. É que ele tem características do peixe-boi marinho (cor cinza) e amazônico (menor tamanho e mancha clara no ventre).