Belo Horizonte, Segunda-Feira 20/11
Estudante tenta salvar os últimos peixes-bois 

 



Luisana Gontijo 
REPÓRTER 
 
 

Maior mamífero aquático do planeta, o peixe-boi chega a ter uma tonelada de peso e quatro metros de comprimento. E apesar de viver muito longe de Minas Gerais, no mar e na região amazônica, vem sendo pesquisado com sucesso pela mineira Juliana de Abreu Vianna, 21 anos, estudante de Ciências Biológicas, para quem o peixe-boi é uma das principais “paixões" desde a infância. 
Aluna da Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), Juliana conta que conseguiu ser selecionada para um estágio, de janeiro a julho de 1999, no Aquário de San Diego, Califórnia (Estados Unidos). Não foi dessa vez que conseguiu ver o peixe-boi de perto: o aquário não era para mamíferos aquáticos. 
De volta ao Brasil, enviou seu currículo para o Projeto Peixe-Boi, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde 1980. Foi selecionada, junto com outros dois estudantes brasileiros, para passar três meses entre a Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, e a Barra de Mamanguape, na Paraíba, locais onde o Ibama mantém oceanários naturais para pesquisa do peixe-boi marinho (Trichechus manatus). 
Na Baía de Mamanguape, Juliana começou a desenvolver um plano de trabalho para chegar ao projeto alimentar que pretendia desenvolver sobre a espécie raríssima _ ela lamenta que estimativas apontem a existência de apenas 400 exemplares de peixe-boi marinho, por exemplo, sobrevivendo na costa brasileira. Passou um mês e meio observando o comportamento desses animais, mantidos em cativeiro, durante quatro horas diárias, em área de proteção ambiental existente no encontro do Rio Mamanguape com o mar. A idéia, explica, era testar várias dietas alimentares para o animal. 
No projeto mantido pelo Ibama na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, o peixe-boi está adaptado, revela a estudante, a se alimentar de capim agulha, semelhante à grama que brota no fundo do mar. Esse capim era transportado à Baía de Mamanguape para alimentar os exemplares estudados por lá. 
Juliana começou a introduzir na dieta do peixe-boi seis espécies de algas abundantes no litoral paraibano. Mergulhava todas as manhãs, colhia as algas e oferecia aos animais _ que começaram a se alimentar menos, insatisfeitos com a substituição do capim agulha. Por conseqüência, Juliana desenvolveu uma dieta rica em carboidratos, composta de cenoura, beterraba e duas das algas (Gracilaria cornea e Hypinea musciformis), dessa vez agradando aos peixes-bois. Tal composição alimentar, registra, já havia sido testada em oceanário da Flórida (EUA). Uma das possibilidades vislumbradas pelo projeto é que essa dieta venha a ser utilizada no processo de reprodução do peixe-boi marinho em cativeiro, conforme programação do Ibama. 
Em julho, Juliana de Abreu Vianna foi novamente convocada pelo Ibama, para participar de três das quatro expedições previstas para pesquisa do peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis). O objetivo dos trabalhos era, percorrendo alguns dos principais rios locais, dar início à estimativa sobre a quantidade de exemplares e conscientizar as populações ribeirinhas sobre a importância da preservação da espécie. 
As expedições, com dois meses de duração, passaram pelo Rio Solimões, Negro e afluentes. Uma das principais conclusões ao final dessas viagens - feitas, é claro, de barco - foi que, apesar de ainda existirem em maior quantidade que os peixes-bois marinhos na costa brasileira, os exemplares amazônicos são vítimas de caça intensa. 
Agora, a pesquisa será feita em cada um dos estados da região. E, diante da ameaça de extinção e da resistência dos caçadores, o projeto, que já tem 20 anos, deve prosseguir por quatro ou cinco anos, financiado com recursos do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. 
Juliana já teve contato com vários caçadores de peixe-boi e afirma que é difícil dissuadi-los da idéia de permanecer na atividade: “Falam que o que Deus dá não acaba". 
Por se tratar de animal grande, de difícil captura, apesar de dócil, os caçadores, relata a estudante, são “endeusados" pela população como homens fortes e corajosos. Eles costumam matar o peixe-boi por sufocamento, utilizando equipamento que chamam de torno no nariz do animal, ou utilizando arpões. Crédulos, os ribeirinhos dizem que o peixe-boi morre como um cristão, cruzando as nadadeiras tão logo desfalece. 
 

Exemplar vive até 70 anos 
 
 

Das três espécies de peixe-boi, duas vivem no Brasil _ a marinha (Trichechus manatus) e a amazônica (Trichechus inunguis). A terceira espécie, Trichechus senegalensis, está na costa africana. 
No caso das espécies brasileiras, a marinha pode atingir uma tonelada e quatro metros de comprimento, tem a pele acinzentada e áspera e possui unhas na nadadeira peitoral; a amazônica é menor, pesando no máximo 600 quilos e medindo até três metros, além de não ter unhas. A pele é preta e lisa; alguns possuem manchas brancas no ventre. 
Estima-se, conforme Juliana de Abreu, que os peixes-bois vivam até 70 anos. Uma de suas principais características é a audição aguçada. São dóceis, mas o amazônico é arisco. 
Por serem mamíferos, respiram fora d'água, mas conseguem ficar até 15 minutos mergulhados, com as narinas fechadas, prendendo a respiração. 
Na Amazônia, de acordo com Juliana, as pessoas dizem que o animal tem carne de peixe e de boi _ porque tem partes do corpo com mais gordura e carnes mais claras. 
Único mamífero aquático herbívoro do Planeta, tem reprodução lenta, com 13 meses de gestação, e, normalmente, apenas um filhote por vez. O segundo caso de gêmeos registrado na literatura científica ocorreu no Brasil, na Ilha de Itamaracá (PE), onde ainda vivem os filhotes. O tempo de amamentação é de quatro anos. (L.G

Dedicação vale prêmio Best 
 
 

Juliana de Abreu Vianna é vencedora, na categoria Aluno de Graduação, do Prêmio Robin Best - nome de um pesquisador norte-americano -, oferecido durante a 9ª Reunião de Trabalho de Especialistas em Mamíferos Aquáticos da América do Sul, realizada no início do mês, em Buenos Aires, Argentina. Ela será responsável, em dezembro, janeiro e fevereiro, pela organização da próxima expedição do Ibama em busca do peixe-boi da Amazônia. Dessa vez, a visita será feita ao Estado do Pará. 
Nessas viagens, recorda, a equipe de pesquisadores, acompanhada de guias, passa a morar no barco do Projeto Peixe-Boi, dorme em redes e enfrenta constantes ataques de mosquitos. Além de todos esses afazeres, Juliana de Abreu participa, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de estudo sobre a “Variabilidade Genética do Peixe-Boi Marinho", no Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular, sob coordenação do professor Fabrício Santos. 
O que se pretende, aponta a estudante, é verificar a ameaça de extinção da espécie com base em sua variabilidade genética. “Quanto maior a variabilidade, menor a probabilidade de extinção". 
Para divulgar o Projeto Peixe-Boi, coordenado em nível nacional por Régis Lima, do Ibama, Juliana criou o site acquanews@hotmail.com. (L.G

Outras informações _ peixeboi@elogica.com.br 
 


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