Ciencia Hoje
Homo erectus teria constituído espécie única
 
Fóssil de um milhão de anos refuta diferenciação de hominídeos asiáticos e africanos
 

O crânio levou dois anos para ser reconstruído. Embora não apresente mandíbula ou dentes, o padrão do H. erectus foi reconhecido (fotos: David Brill)

Um crânio escavado na Etiópia indica que há um milhão de anos o Homo erectus, antecessor evolutivo do Homo sapiens, ainda constituía uma espécie única espalhada amplamente na Ásia, Europa e África. A descoberta, divulgada como matéria de capa da revista Nature de 21 de março, refuta a hipótese de que os H. erectus que habitavam África e Europa pertenciam a uma espécie distinta da dos asiáticos. 

"A descoberta é evidência fundamental para mostrar que a separação do Homo erectus em duas espécies não se sustenta", declarou à CH on-line o paleoantropólogo Tim White, co-diretor do Laboratório de Estudos da Evolução Humana da Universidade de Berkeley na Califórnia (EUA) e um dos autores do artigo. "O H. erectus era uma espécie homogênea e bem sucedida, que ocupou todo o velho mundo."

O fóssil foi descoberto em 1997 por Henry Gilbert, aluno de White. Pesquisadores da Universidade de Berkeley e colaboradores etíopes, liderados por Berhane Asfaw, do Rift Valley Research Service, levaram mais de dois anos para reconstituir o crânio fragmentado, que não apresenta mandíbula ou dentes. O achado, datado em um milhão de anos, foi comparado a fósseis de Homo erectus asiáticos da mesma época. Os pesquisadores constataram que o fóssil se enquadra no padrão da espécie H. erectus: testa pouco profunda sobre sobrancelhas protuberantes e caixa craniana alongada. 


Comparação do crânio descoberto na Etiópia a espécimes asiáticos do Homo erectus. Asfaw (esq.) segura o fóssil etíope e Gilbert tem um exemplar chinês

Até então, as comparações realizadas entre fósseis de Homo erectus tomavam exemplares de períodos diferentes. A comparação anacrônica levou alguns antropólogos a propor a existência de duas espécies distintas: o H. erectus teria vivido na Ásia e a África teria sido habitada pelo Homo ergaster. De fato, houve uma diferenciação na espécie H. erectus, mas foi posterior ao fóssil analisado pela equipe de White, datado em um milhão de anos. 

Os pesquisadores propõem que, entre seu surgimento há 1,8 milhão de anos e a Idade do Gelo há 950 mil anos, o Homo erectus constituiu uma espécie única. A partir de então, não mais o H. erectus, mas o Homo rhodesiensis, com volume craniano maior, teria ocupado a África. O H. erectus teria permanecido na Europa enquanto teria sido extinto na Ásia. 

O Homo erectus desapareceu há aproximadamente 400 mil anos. A população africana de Homo rhodesiensis teria originado o Homo sapiens moderno, enquanto o H. erectus europeu seria o antecessor do Homo neanderthalensis, o homem de Neanderthal. "A pesquisa corrobora a hipótese de origem africana do homem moderno, assim como as mais recentes evidências fósseis e genéticas", White observa. 


Imagens que mostram a limpeza
(esq.) e remoção (dir.) do crânio.

Outros seis fósseis de Homo erectus, aparentemente de indivíduos distintos, foram encontrados na mesma área de onde o crânio foi escavado. As descobertas incluem três fêmures e uma tíbia, datados em um milhão de anos. White pretende estudar essas peças e também detalhar a análise do crânio, que apresenta arranhões peculiares na parte posterior, o que leva os cientistas a acreditar que o indivíduo pode ter sido morto por um grande felino. 

Raquel Aguiar
Ciência Hoje on-line
15/04/02