O cientista
francês Jean-Baptiste Lamarck foi um dos primeiros que procurou
explicar a diversidade animal através da ação prolongada
de um mecanismo evolutivo.
Lamarck baseava-se
em duas leis básicas. A primeira, ainda válida, dizia que o
uso contínuo de um órgão o desenvolve, enquanto um órgão
que não seja solicitado tende a regredir ou desaparecer. A segunda
lei postulava que essas alterações orgânicas são
transmitidas aos descendentes. (Cf. LAMARCK, J.-B. 1971, p. 202-207). Aqui
reside a fragilidade do pensamento de Lamarck.
Desprezando
grande quantidade de evidências já reunidas na época
da publicação de seu trabalho, Lamarck admitia a “herança
dos caracteres adquiridos”. Deste a Antigüidade já se sabia
que as amputações e ferimentos dos soldados, por exemplo, não
eram transmitidos à seus descendentes.
No ano em
que Lamarck publicava sua obra clássica Philosophie Zoologique,
nascia na Inglaterra Charles R. Darwin. Era o ano de 1809.
Em 1831,
o jovem naturalista Charles Darwin partia à bordo do H. M. S.
Beagle, com a finalidade de fazer uma série de levantamentos
cartográficos.
Além
das observações cartográficas, da flora e da fauna,
Darwin coletou muitos fósseis, sobretudo na América do Sul.
Isto o colocou em contato com duas dimensões da diversidade dos seres
vivos. A primeira, chamada diversidade horizontal, observada nas variações
de animais e plantas à medida que nos deslocamos no espaço;
a segunda, dimensão vertical, são as variações
no tempo, que estão documentadas nos fósseis. Darwin impressionou-se
particularmente com os fósseis de gliptodontes que encontrou na
Argentina, muito parecidos com os tatus, mas já extintos. Na Introdução
do Origem podemos ler:
“Quando a bordo do H.
M. S. Beagle, no qual servi como naturalista, fiquei muito impressionado
com certos fatos referentes à distribuição dos seres
vivos existentes na América do Sul e às relações
geológicas entre a fauna e flora atual e extinta daquele continente.
Esses fatos a mim me pareceram lançar alguma luz sobre a origem
das espécies __ ‘mistério dos mistérios’,
conforme a definição de um dos nossos maiores filósofos.
Logo após meu regresso ao lar, em 1837, ocorreu-me que talvez pudesse
ajudar a esclarecer essa questão, através da paciente acumulação
e do estudo de toda sorte de fatos porventura ligados ao tema”.(DARWIN,
C., 1985, p. 43).
De regresso
à Inglaterra, Darwin dedicaria muitos anos analisando o vasto material
coletado. Dessa análise saltava-lhe aos olhos a imensa diversidade
de formas. As variações encontradas eram graduais. Os fósseis
se modificavam ao longo das camadas: quanto mais recentes, mais parecidos
com as formas atuais. Os pássaros de uma ilha que se alimentavam
de grãos possuíam o bico curto e forte. Numa ilha próxima,
pássaros muito parecidos que se alimentavam de vermes escondidos
em túneis nos troncos das árvores possuíam bicos longos,
perfeitamente adaptados para capturar o alimento. Era cada vez mais evidente
a idéia de que os seres vivos modificavam-se com o tempo, diversificavam-se
__ em outros termos, evoluíam[1].
Entretanto,
todas essas observações não eram suficientes para
comprovar a ocorrência da evolução. Era necessário
encontrar um mecanismo que explicasse como essas modificações
ocorrem. Podemos ler no texto de Darwin
“Analisando-se o problema
da origem das espécies, é perfeitamente concebível
que o naturalista, refletindo sobre as afinidades mútuas dos seres
vivos, suas relações embriológicas, sua distribuição
geográfica, a sucessão geológica e outros fatos que
tais, chegue à conclusão de que as espécies não
devam ter sido criadas independentemente, mas que, assim como as variedades,
descendem de outras espécies. Não obstante, tal conclusão,
mesmo que bem fundamentada, seria insatisfatória, a não ser
que se pudesse mostrar como teriam sido modificadas as incontáveis
espécies existentes neste mundo, até chegarem a alcançar
a perfeição estrutural e de co-adaptação que
tão efetivamente excita a nossa admiração”. (DARWIN,
C., 1985, p. 44).
Foi em outubro
de 1838 que Darwin encontrou a chave do obscuro problema, lendo o livro
de Thomas Malthus sobre populações (cf. DARWIN, C., 1995,
p. 40). Segundo o tratado de Malthus, existe um acentuado descompasso entre
o crescimento de uma população e o crescimento da produção
de alimentos. Enquanto as populações cresciam em progressão
geométrica, a oferta de alimentos crescia em progressão aritmética,
ou seja, era impossível alimentar todos os indivíduos das
novas gerações. Darwin conclui que sendo impossível
alimentar a todos, alguns teriam que morrer precocemente, antes de atingir
a idade da reprodução. Deveria haver, assim, uma luta pela sobrevivência
(struggle for existence).Se alguns indivíduos tivessem características
vantajosas, eles teriam maiores chances de sobrevivência. Assim, tais
características tenderiam a ser preservadas, enquanto as características
desfavoráveis seriam destruídas. (cf. DARWIN, C., 1995,
p. 40).
Em 1844,
Darwin escreveu a seu amigo Hooker, dizendo:
"Li inúmeros livros
sobre agricultura e horticultura e não cessei de coligir fatos.
Finalmente surgiram alguns raios de luz e estou quase convencido (em oposição
à opinião com a qual comecei) de que as espécies
(é como confessar um homicídio) não são imutáveis”.
(DARWIN, C., Carta a Sir Joseph Hooker, de 11 de Janeiro de 1844,
In: DARWIN, F 1995, p. 173)
O grande
mérito de Darwin foi o de compreender como as mudanças poderiam
ocorrer nas espécies. As populações podiam, teoricamente,
crescer muito rapidamente. No entanto, isto não era observado;
as populações se mantêm num nível mais ou menos
constante. Dessa forma, deve existir uma luta pela sobrevivência.
Uma vez que existem indivíduos diferentes, portadores de características
favoráveis, haverá uma seleção natural
dos mais aptos. Ao longo do tempo, aquelas diferenças desfavoráveis
irão desaparecer. Pelo fato de os mais aptos deixarem maior número
de descendentes, com maior potencial de sobrevivência, eles acabarão
prevalecendo. Ao longo do tempo, essas diferenças iriam se acumulando,
a ponto de, nas gerações futuras, se constituírem
novas espécies, diferentes dos tipos originais.
Esta “estória”
que acabamos de contar mostra que os conceitos essenciais de Darwin são
apresentados de maneira bastante coerentes e numa seqüência
gradativa. Não aparecem contradições, hesitações
ou falhas graves. Além disso, vemos que Darwin viajou pelo mundo
afora, durante longos cinco anos, e que coligiu assim os fatos necessários
para elaborar a sua teoria. O darwinismo parece ser uma teoria que foi
“crescendo”, amadurecendo lenta e gradualmente, dentro de um processo que
se parece muito com o seu próprio objeto de estudo: a lenta e gradual
evolução dos seres vivos. A teoria, de uma certa forma, se
apresenta como um tipo de produto da natureza, e não do homem. Notamos
também que a teoria pretende ser inteiramente independente da influência
da sociedade da época. Ela se submeteria apenas à lógica
da natureza. E capturar esta lógica parecia ser apenas uma questão
de observação e método.
No entanto,
o que a análise mais detalhada da obra de Darwin nos revela é
uma série de hesitações, contradições
e falhas. A par disso, traz em seu interior todos os elementos que caracterizam
o contexto de descoberta, passando a ter as feições de um
produto do homem mais que da natureza. Vejamos o que essa análise
pode nos revelar e passemos a “contar uma outra estória”.
Apesar de
Darwin ter manifestado desprezo às idéias de Lamarck, como
podemos perceber nesta passagem,
“Um dia, quando passeávamos
juntos, [o Dr. Grant] irrompeu em comentários elogiosos acerca
de Lamarck e de suas idéias sobre a evolução. Fiquei
a ouvi-lo mudo e surpreso, sem que suas opiniões produzissem efeito
algum sobre mim”. (DARWIN, C., 1995, p. 13).
jamais as
contestou, pelo menos em seus elementos centrais. O Origem é
um livro lamarckista. Este é um fato que os seguidores de Darwin
omitiram deliberadamente. No Capítulo I do Origem, podemos
ler: “O hábito também tem uma influência decisiva, como
no período da floração, quando as plantas são
transportadas de um clima para outro” (DARWIN, C., 1985, p. 49). As plantas
que floriam em abril na Inglaterra, passavam a florir em outubro se fossem
levadas para a Argentina, por exemplo. Darwin entendia que a época
de floração das plantas era determinada geneticamente. Mudando-se
o clima, a planta adquiria novos hábitos. Tomando-se as sementes dessa
planta, fazendo-as germinar no novo ambiente, observava-se que sua época
de floração também havia mudado. Isso comprovava, para
Darwin, a suspeita de que esse era um fenômeno controlado pela herança,
e que a mudança dos hábitos alterava o patrimônio hereditário
dos seres vivos. É de notar-se que, ao que tudo indica, não
era importante, para Darwin, que a floração ocorresse sempre
na primavera!
Em relação
aos animais, os pensamentos de Darwin eram mais claros e, conseqüentemente,
mais parecidos com os de Lamarck. Ainda no Capítulo I, podemos
ler:
“Nos animais, seu efeito
é mais notável. Já observei no pato doméstico,
por exemplo, que os ossos da asa pesam menos e os ossos da perna pesam
mais que os do pato selvagem, em relação ao peso total de
seus esqueletos __ acho que tal modificação poderia
seguramente ser atribuída ao fato de que o pato doméstico voa
menos e anda muito mais que seu antepassado selvagem. O considerável
desenvolvimento hereditário dos úberes das vacas e cabras
nas áreas onde tais animais são ordenhados regularmente, em
comparação com o tamanho dos úberes dos mesmos animais
nos locais onde não se verifica tal prática, é outro
exemplo do efeito do uso.” [2](DARWIN, C., 1985, pp.
49-50).
No Capítulo
V, Darwin afirma:
“Com base nos fatos mencionados
no primeiro capítulo, acho que deve ter restado pouca dúvida
quanto à idéia de que, entre os animais domésticos,
o uso reforça e desenvolve certas partes de seus corpos, enquanto
que o desuso as atrofia, e que tais modificações são
hereditárias.” (DARWIN, C., 1985, p.
137).
O que Darwin
criticava em Lamarck não era sua concepção de hereditariedade,
mas sim a importância que a vontade própria dos animais tinha
sobre as mudanças orgânicas. Como bem observou M. Ruse:
Para Darwin,
o fator mais importante na mudança dos órgão não
é a vontade do animal, mas seus hábitos.
A mudança
da alimentação, por exemplo, mudaria o animal e seus descendentes.
Se o animal fosse superalimentado, iria crescer e engordar. Como resultado,
seus filhotes seriam maiores e mais pesados. Isso porque “o sistema reprodutor
é eminentemente suscetível de se alterar em função
das condições de vida” (DARWIN, C., 1985, p. 135).
Não
é difícil ver aqui que as observações de Darwin,
como quaisquer observações, são sempre feitas à
luz de um referencial teórico. Ele compartilhava da idéia,
dominante na época, de que toda característica, qualquer que
fosse, era transmitida por hereditariedade.
A teoria
de Darwin dependia fundamentalmente das alterações dos organismos
provocadas pelo ambiente. Se essas alterações não
fossem hereditárias, não poderia haver evolução,
pois na geração seguinte os descendentes nasceriam todos
iguais. Assim, não poderia continuar ocorrendo competição
e as diferenças adquiridas não se acumulariam. Deste modo,
a seleção natural não poderia atuar.
Embora o
darwinismo fosse uma teoria meio nebulosa, enquanto modelo explicativo,
ganhava a cada dia mais adeptos. Isso porque uma teoria não se consolida
apenas por sua coerência interna. Acima de tudo, ela tem que ter
o poder de fazer previsões. Nisso o darwinismo era pródigo;
os fosseis confirmariam muitas delas. No entanto, na época em que
publicou o Origem, podia-se levantar a objeção de que
o registro fóssil era imperfeito, não apresentando as variedades
intermediárias extintas. Em outros termos: imaginando-se o grande
extermínio de incalculável número de elos de ligação
entre os seres vivos atuais e os extintos, e, a cada período sucessivo,
entre as espécies atuais e as extintas que as precederam, por que
cada formação geológica não estaria repleta
de tais elos? Dessa objeção, Darwin tentou escapar com uma
hipótese tipicamente ad hoc. Diz ele:
“Só posso responder
estas questões e rebater estas objeções supondo que
o registro geológico seja bem mais imperfeito do que pensa a maior
parte dos geólogos.” (DARWIN, C., 1985, p.
350).
Foi bom
que Darwin[3]
pensasse assim. Três anos depois, foram encontrados fósseis
do Arqueopterix, animal com aspecto de réptil, mas coberto
de penas __ um elo entre os répteis e as aves. Mais tarde,
em 1875, foram encontrados fósseis de pássaros providos
de dentes. Foram encontrados também vários fósseis
de ancestrais de mamíferos atuais. Como previra Haeckel, ossadas
humanas muito antigas foram encontradas; quanto mais antigas, maiores
as diferenças em relação ao homem atual.
Desta forma,
o darwinismo se sustentava nos meios acadêmicos. Falhava ao expor
os mecanismos, mas acertava nas previsões. Como resultado, começava-se
a criar a tênue, mas ilustrativa, confusão entre evolucionismo
e darwinismo.
A defesa
da idéia de evolução, mesmo na Inglaterra, não
foi exclusiva de Darwin ou seus seguidores. Já em 1844 , era publicado
o popular Vestiges of the natural history of creation, seguramente
de R. Chambers. Era um livro evolucionista; nele apareciam muitos argumentos
básicos que os darwinistas usariam mais tarde. O principal deles
era o conceito de “recapitulação”. A recapitulação
lançava mão da embriologia para comprovar a ocorrência
da evolução. Assim, o embrião recapitularia cada etapa
que o animal teria passado evolutivamente[4].
Para analisar
os conceitos fundamentais de Darwin, podemos dividi-los em cinco argumentos
básicos:
1) as populações
podem crescer numa progressão geométrica;
2) as populações
não crescem nesse ritmo;
3) os indivíduos
de uma mesma espécie apresentam diferenças hereditárias;
4) em decorrência
de 1 e 2, deve haver uma struggle for existence;
5) os mais
aptos sobrevivem e transmitem suas características aos descendentes.
Os argumentos
1, 2 e 4 são de autoria de Malthus, tendo sido publicados com sessenta
anos de precedência sobre o livro de Darwin.
O argumento
3 foi desenvolvido por Darwin de maneira desastrosa. Enveredou pelo lamarckismo
ao mesmo tempo em que pretendia negá-lo. Darwin chegou mesmo a
propor uma teoria para dar sustentação à herança
dos caracteres adquiridos. A teoria foi chamada de “Teoria dos Pangenes”
e diz que cada parte do corpo possuía “gêmulas” que caminhavam
pelo sangue até os órgãos reprodutores[5].
(Veja-se HARRIS, C. L., 1985, pp. 274-277).
Resta-nos,
portanto, apenas o quinto argumento, o da seleção natural,
como o grande feito de Darwin. Infelizmente, como veremos, nem este sobra.
Na época de Darwin, este conceito já não tinha nada
de original. A idéia de seleção natural já tinha
brotado na mente de Wallace, praticamente na mesma época.
Na carta
a Hooker de 1844, citada acima, Darwin afirma estar lendo “inúmeros
livros sobre agricultura”. Provavelmente um deles tenha sido o On Naval
Timber and Arboriculture, escrito em 1831 por Patrick Matthew. Neste
livro podemos ler:
“Dado que el campo
de existencia es limitado y está previamente ocupado, sólo
los más resistentes, los más robustos, los más adaptados
a las circunstâncias, son capaces de luchar por lograr su madurez
y habitan sólo en las circunstancias en las que está mejor
adaptados y tienen mayor capacidad de ocupación que ningún
otro grupo, quedando prematuramente destruidos los más débiles,
menos adaptados a las circunstancias. Este
principio está continuamente em acción”. (MATTHEW, P. apud
HARRIS, C. L. 1985, p. 205).
P. Matthew
publicou uma longa nota de protesto no Gardener’s Chronicle (de
7 de abril de 1860). Darwin reconheceu posteriormente a precedência
de Matthew, registrando o fato nas edições posteriores do
Origem:
“Em 1831, Mr. Patrick
Matthew publicou seu trabalho sobre ‘Construção Naval
e Arboricultura’, no qual expõe precisamente a mesma opinião
sobre a origem das espécies apresentada por Mr. Wallace e por mim
próprio no Linnean Journal, opinião esta à
qual nos referimos dentro em pouco, e que foi desenvolvida na presente
obra. Infelizmente, o Dr. Matthew expôs esta idéia de maneira
muito rápida, em algumas passagens dispersas num apêndice de
um trabalho relacionado com um assunto inteiramente diverso, de modo que
passou desapercebida de todos nós, até que ele próprio
chamou a atenção para ela (...). As diferenças entre
nossos pontos de vista não são muito relevantes.” (DARWIN,
C. 1985, p. 35).
É
provável que Matthew tenha feito uma observação tão
breve porque tinha consciência de não estar falando nenhuma
grande novidade. Para se ter uma idéia, na mesma nota em que Darwin
admitia o trabalho de Matthew apresenta também o trabalho do Dr.
Wells: “Nesse artigo[6]
ele [o Dr. Wells] admite claramente o princípio da Seleção
Natural, e foi esta a primeira vez que se mencionou tal reconhecimento”
(DARWIN, C., 1985, p. 34).
Assim, a
idéia de Seleção Natural, o núcleo da teoria
darwiniana, não era tão original quanto nos querem fazer crer
os manuais que reconstituem a elaboração da teoria. O Darwin
histórico, reconstruído pela análise história
a partir de seus textos e do contexto social, econômico, psicológico
etc. de sua época é um Darwin um tanto quanto diferente daquele
que nos é apresentado em livros que têm a função
de treinar o pesquisador. A situação na época de Darwin
era bem outra. O que parece acontecer é que os cientistas de então
estavam, por assim dizer, ansiosos para que alguém assumisse esta
teoria. Deve-se ter em mente que, quando da publicação de
seu livro, Darwin era um cientista famoso e respeitado, contando já
seus cinqüenta anos[7]. Tal quadro
levou Castrodeza a afirmar:
“Seguramente, la circunstancia
de que el respetable gentleman Charles Darwin apadrinara esa teoria maldita
supuso un alivio para la comunidad científica al respecto que así
saldría del dilema de aceptar una teoría en que de algún
modo se cree pero que se ve abiertamente apoyada por gente poco recomendable.”(CASTRODEZA, C. 1982,
p. 285).
A “gente
poco recomendable” a que se refere Castrodeza: um estrangeiro revolucionário
(Lamarck), um dissidente (Erasmus Darwin) ou um cientista aficcionado
(Chambers).
Não
devemos minimizar a importância de Darwin. Darwin foi um gigante
da ciência. Mas devemos ter em mente as dificuldades que surgem quando
se quer apresentar o darwinismo tal como ele aparece nas reconstruções
habituais.
Quando, após
ter sido elaborada, a teoria darwinista é reconstruída, a imagem
que temos é a de que ela deflui naturalmente dos dados recolhidos
durante a sua viagem. Darwin teria aplicado o método indutivo com
todo rigor e imparcialidade para a elaboração de sua teoria.
Assim diz ele em sua Autobiografia:
“Nada antes me tinha
feito compreender inteiramente, se bem que eu já havia lido vários
livros científicos, que a ciência consiste em agrupar fatos
de tal forma que conclusões ou leis gerais possam ser deles extraídas.” (DARWIN,
C. 1995, p. 24).
Ainda aí,
algumas páginas adiante, diz ele que, quando começou a estudar
o material recolhido em sua viagem, procurou seguir uma metodologia clara:
“I worked on true Baconian principles, and without any theory collected
facts[8] (...)”. (DARWIN, C. 1995, p. 40).
No entanto,
acreditamos que acima foi dito o suficiente para desacreditar a possibilidade
de Darwin ter começado sem “qualquer teoria”. O Próprio
Darwin desencoraja essa possibilidade. Quando fala, em sua Autobiografia,
da influência de livro de Malthus, diz ele: “Here, then, I had
at last got a theory by which to work[9].”(DARWIN,
C., 1995, p. 40). Em uma carta a C. Lyeel,
de 1860, diz Darwin:
“Em seu modelo de comprovação,
a seleção natural jamais progrediria pois, sem a
elaboração de teorias, estou convencido de que não
haveria nenhuma observação[10]”.(DARWIN, C. apud
GEORGE, W. 1985).
Acreditamos ter
argumentado o suficiente para mostrar como nossa imagem de ciência
muda, quando levamos em conta o efetivo trabalho dos cientistas.
Referências extras:
CASTRODEZA, C., 1982. Aspectos historiograficos de la
ciencia: el caso de la teoria de la seleccion natural.Teorema, vol. XII/3 (Valencia).
DARWIN, F., 1995.
The life of Charles Darwin. London, Senate.
GEORGE, W., 1985. As idéias de Darwin. São Paulo. Cultrix/EDUSP. (Trad. Sônia Régis).
HARRIS, C. L., 1985, Evolución: génesis
y revelaciones. Madrid, Hermann Blume. (Trad. de Antonio Resines).
LAMARCK, J.-B., 1971. Filosofia zoológica. Barcelona, Mateu Editor. (S/T)
RUSE, M., 1983. La revolución darwinista.
Madrid, Alianza. (Trad. de Carlos Castrodeza).