No
manguezal de Carpinteria, aquele descrito no começo da matéria,
Kevin Lafferty estuda como os parasitas podem afetar a ecologia de uma
região inteira. Ele descobriu que uma única espécie
de fascíola a Euhaplorchis californiensis (veja o ciclo na figura
abaixo) tem um papel crítico na organização
do equilíbrio natural do mangue.
Aves
marinhas soltam ovos da californiensis em suas fezes. Os excrementos acabam
comidos por caramujos. Depois, os ovos chocam e as fascíolas resultantes
castram o molusco isso mesmo, elas desligam o seu sistema reprodutor.
Em seguida, dão origem a uma prole, que deixa o hospedeiro e começa
a explorar o manguezal em busca da próxima vítima, um peixe
chamado killifish-da-Califórnia. Quando o encontram, as larvas se
prendem às suas guelras, depois nadam pelas veias até o cérebro.
Lá se instalam, formando uma camada fina de uma gosma parecida com
caviar. Os parasitas, então, esperam que o peixe seja comido por
uma ave marinha e retornam ao intestino de onde partiram.
Em sua pesquisa, Lafferty tentou responder a uma pergunta: será que Carpinteria seria a mesma sem as fascíolas? Começou examinando os caramujos. Geneticamente, os caramujos infectados estão mortos, porque não podem mais se reproduzir para a evolução, só contam aqueles indivíduos capazes de passar os genes para a frente. Mesmo assim, eles continuam comendo algas para alimentar as fascíolas que carregam. Isso os coloca em concorrência direta com os caramujos não infectados. Essa competição é tão dura que faz com que falte comida para os moluscos saudáveis e que eles tenham dificuldade para se reproduzir. Lafferty descobriu que, sem as fascíolas, a população de caramujos seria quase o dobro. Isso reduziria o tapete de algas e faria com que a população dos peixes que comem caramujos explodisse. Ou seja, a simples ausência de um verme desequilibraria todo o ecossistema.
A seguir Lafferty estudou o killifish. À primeira vista, não havia indícios de que as fascíolas prejudicassem o peixe: elas sequer acionam seu sistema imunológico. Mas o biólogo marinho desconfiou que as fascíolas no cérebro estavam num lugar muito suspeito. Para tirar a dúvida, pegou 42 peixes do manguezal, colocou-os num aquário no laboratório e deu a Kimo Morris, seu aluno, a tarefa de ficar de olho neles. Morris observava atentamente cada peixe durante meia hora, anotando seus movimentos. Percebeu que muitas vezes eles se contorciam mostrando a barriga, nadavam de lado e chegavam perto da superfície comportamentos perigosos se houver alguma ave por perto procurando comida. Depois de cada observação, Morris tirava o bicho do aquário e o dissecava para ver se o cérebro estava coberto pelo caviar.
Quando foram checar os dados, Lafferty e Morris mataram a charada: nos peixes colonizados por parasitas, aqueles comportamentos arriscados eram quatro vezes mais comuns do que nos saudáveis. Ou seja, as fascíolas no cérebro estavam interferindo nos impulsos nervosos e forçando o peixe a se expor ao predador, para assim fechar seu ciclo.
Os cientistas, então, colocaram peixes infectados e saudáveis em cercados. Após três semanas, fizeram as contas. O resultado foi estarrecedor: a chance de os peixes com parasitas virarem almoço de ave era 30 vezes maior do que a dos normais. Predadores como as aves costumam tomar cuidado com o que comem. Por que, então, elas escolhem peixes que transmitem um parasita que suga a energia do hospedeiro? Porque isso é mais do que compensado pelos benefícios que eles trazem tornam muito mais fácil encontrar alimento.
As
conseqüências do resultado surpreenderam os cientistas. Será
que teríamos tantas aves assim se fosse 30 vezes mais difícil
pescar?, pergunta o biólogo marinho Armand Kuris, também
da Universidade da Califórnia. Os parasitas não só
modificam comportamentos individuais. Talvez comandem grande parte da ecologia
das aves .
O
tipo de fascíola que Lafferty estudou é apenas um entre muitos
parasitas. Cada ecossistema da Terra tem um imenso número deles
e todos exercem um controle enorme sobre seus hospedeiros, dando-lhes doenças,
castrando-os ou alterando seu comportamento. Cientistas como Lafferty estão
apenas começando a descobrir o poder exato desses habitantes ocultos,
mas a sua pesquisa revoluciona nossa compreensão da Biologia.
Quando
Copérnico tirou a Terra do centro do universo e Darwin tirou do
homem o privilégio da semelhança divina, continuamos pelo
menos a sonhar que estávamos acima dos outros animais. Mas somos
apenas uma coleção de células trabalhando juntas,
cuja harmonia é mantida por sinais químicos. Se um organismo,
por mais insignificante, é capaz de controlar esses sinais, pode
nos escravizar. A conclusão é inescapável: os parasitas
dominam o mundo.