A METÁFORA DEFENSIVA


Frequentemente falamos dos seres vivos em termos antropomórficos. Fazemos de conta que o corpo é sábio, no sentido em que concebemos a sabedoria. A atividade biológica, porém, constitui uma forma diferente de "conhecer". Podemos dizer que um embrião sabe crescer para formar uma estrela do mar, um canário ou um tigre. Dizemos que a trepadeira sabe se enrolar em seu suporte e que o protozoário sabe procurar seu alimento. Mas nossa referência a este saber, este conhecer biológicoé vaga e nebulosa. Dois pensadores importantes da biologia contemporânea se dedicaram a esclarecer esta diferença entre o "conhecimento humano"e este "conhecer"que caracteriza a atividade dos sistemas biológicos. Era a esta diferença que Gregory Bateson se dirigia ao se referir a problemas mentais.É a ela que Maturana se refere na Biologia do Conhecer. Que relevância têm tais problemas para a Imunologia?

Quando dizemos que o sistema imune nos defende, identificando e eliminando materiais estranos, em meio aos componentes do corpo, estamos usando, deliberadamente ou não, uma metáfora. Não existe uma entidade inteligente planejando e desenvolvendo estratégias defensivas contra invasores antigênicos no meio do sistema imune. As modificações, que o sistema atravessa, surgem como decorrências inevitáveis de sua estrutura celular e molecular. Tais mudanças estruturais ocorrem como se o corpo se defendesse e, usualmente, resultam na eliminaçãos dos materiais estranhos sem causar danos excessivos à estrutura do organismo. Mas elas não derivam de um planejamento da defesa. A defesa não é intencional.

O corpo existe sempre de uma maneira determinada por sua estrutura, em congruência com suas circunstâncias, mantendo sua organização e sua adaptação, através de uma sequência particular de mudanças estruturais. Algumas destas mudanças se passam durante a existência do indivíduo, muitas outras se passaram durante a filogênese, numa longa e ininterrupta sequência de acontecimentos desde a origem da vida. Os seres vivos são seres históricos, no sentido de que representam o resultado de uma longa sequência de modificações estruturais.

Por um lado, o sistema imune parece operar inteligentemente e sua operação constitui uma maneira de "conhecer"o mundo; por outro, aprendemos a decompô-lo em elementos celulares (linfócitos) cada um dos quais desempenha ações muito mais singelas. Por um lado, o sistema parece dotado de uma intencionalidade defensiva, parece capaz de reter a memória de acontecimentos passados; por outro, encontramos os linfócitos e seus produtos moleculares envolvidos em uma dinâmica estrutural na qual a variedade dos resultados é muito mais limitada. No domínio dos linfócitos tudo se resume a ativações e inibições celulares. Como podem estas ações celulares resultar em um sistema que age como se fosse inteligente e recordasse o passado?


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