Paredes
do abdome e da pelve Prof. Ezequiel Rubinstein O
abdome faz parte do tronco, situando-se entre o tórax, superiormente
e a pelve inferiormente. Porém, nem externa nem internamente estas
divisões são nitidamente marcadas. A cavidade abdominal está
separada, superiormente, da cavidade torácica pelo m. diafragma. No
entanto, como os limites do tórax ósseo ultrapassam inferiormente os
da cavidade torácica, partes da cavidade abdominal e de seu conteúdo
ficam contidas no tórax ósseo. Inferiormente a abertura superior da
pelve é descrita como o limite entre as cavidades abdominal e
pélvica. Este limite é, contudo, arbitrário, pois a cavidade
abdominal se comunica amplamente com a cavidade pélvica, com órgãos
ditos abdominais podendo localizar-se parcial ou temporariamente na
pelve e com órgãos pélvicos ocupando, às vezes, posição
abdominal. O esqueleto participa pouco das paredes abdominais, estando representado nela pelas cinco vértebras lombares, pelos discos interpostos aos corpos destas vértebras e pelas costelas mais inferiores. Suas paredes póstero-superior e ântero-lateral são eminentemente musculares e adaptam-se bem à expansão imposta pela gravidez, pela obesidade ou por tumores abdominais ou pélvicos. Durante a gravidez, linhas avermelhadas, conhecidas como estrias gravídicas, são às vezes vistas na pele do abdome. Após o parto, estas estrias tornam, gradativamente, a aparência de linhas esbranquiçadas, finas, semelhantes a cicatrizes, denominadas linhas albicantes. Músculos
ântero-laterais A proteção para os órgãos situados na cavidade abdominal depende, principalmente, de sua musculatura ântero-lateral que, além desta função, colabora com os músculos do dorso nos movimentos do tronco, na manutenção da posição ereta e ainda estabiliza a pelve quando, em decúbito dorsal ou ventral, se movem os membros inferiores. A musculatura ântero-lateral se apresenta em dois grupos: um ântero-lateral, formado pelos m.m. o oblíquo externo, oblíquo interno e transverso, todos laminares e com suas fibras orientadas em sentido diferente e outro, situado medianamente, constituído pelo m. reto do abdome e pelo m. piramidal. As origens e inserções de todos os músculos ântero-laterais são mostradas na tabela 1. A disposição espacial da musculatura ântero-lateral que lembra a de lâminas de madeira compensada comprimidas umas contra as outras com as fibras de cada lâmina orientadas diferentemente, o que lhe permite oferecer resistência com um mínimo de espessura. A aponeurose toracolombar que serve de origem aos mm. oblíquo interno e transverso é uma membrana aponeurótica, resistente, ampla e de aspecto brilhante, que se prende, medialmente, às vértebras torácicas e lombares. No abdome compreende várias bainhas espessas para envolver músculos da região. A camada posterior muito resistente e brilhante estende-se lateralmente, a partir dos processos espinhosos, e divide-se para envolver o m. grande dorsal. As camadas média e anterior da fáscia toracolombar se fundem, na borda lateral do m. quadrado lombar, com a camada posterior, e formam uma bainha aponeurótica comum e resistente, à qual se prendem os mm. oblíquo interno e transverso do abdome. Bainha
do m. reto do abdome O m. reto do abdome é um músculo poligástrico, isto é, apresenta diversos ventres musculares, separados por intersecções tendíneas. Estas, em número de três ou quatro, situam-se, geralmente, acima da cicatriz umbilical. O m. reto do abdome está envolvido por uma bainha, a bainha do reto abdominal, formada pelas aponeuroses de inserção dos três músculos ântero-laterais. Elas, além de formarem a bainha do reto de cada lado, se entrelaçam na linha mediana anterior com as do lado oposto, constituindo uma rafe longitudinal e mediana, denominada linha alba. Lateralmente ao m. reto correspondente as três aponeuroses se fundem ao longo de uma linha semicircular denominada linha semilunar. A constituição da bainha do reto varia de acordo com o nível considerado na parede do abdome. Assim, superiormente à região da parede situada aproximadamente à meia distância entre a cicatriz umbilical e a sínfise púbica a aponeurose do oblíquo interno divide-se em dois folhetos: um anterior e o outro posterior. O folheto anterior funde-se com a aponeurose do oblíquo externo e passa anteriormente ao reto do abdome constituindo a lâmina anterior da bainha deste músculo. Já o folheto posterior funde-se com a aponeurose do transverso do abdome e envolve o m. reto posteriormente, constituindo a lâmina posterior da bainha deste músculo. Inferiormente a esta região situada à meia distância entre a cicatriz umbilical e a sínfise púbica as aponeuroses dos três músculos da parede ântero-lateral do abdome continuam se fundindo na linha semilunar, só que a aponeurose do m. oblíquo interno não se divide mais e todas as três aponeuroses passam anteriormente ao m. reto, constituindo a lâmina anterior da sua bainha. A lâmina posterior da bainha fica então reduzida a uma membrana fibrosa, a fáscia transversal, que é a parte da fáscia endoabdominal (ver adiante) a revestir a face profunda do músculo transverso do abdome. A região em que as três aponeuroses passam a constituir a lâmina anterior da bainha do reto é marcada por uma linha curva, a linha arqueada, nem sempre nítida, pois esta transição, comumente abrupta, pode ser gradual. Ações
dos mm. ântero-laterais A contração dos mm. oblíquos externo e interno, do m. transverso e dos músculos do diafragma pélvico é responsável por uma parede abdominal e um assoalho pélvico tensos, que resistem à pressão exercida pelo m. diafragma, no sentido caudal, durante o esforço e a tosse. As ações combinadas destes músculos podem produzir considerável aumento na pressão endoabdominal. Os músculos são, pois, importantes na respiração, na defecação, na micção, no parto e no vômito. Sobre o tronco estes músculos agem na flexão, rotação e flexão lateral. O reto do abdome é o principal flexor do tronco, auxiliado pelos oblíquos externo e interno quando estes se contraem juntos. O reto é particularmente importante na flexão do tronco contra resistência, como ocorre no decúbito dorsal. A bainha do reto desempenha função semelhante à dos retináculos encontrados nos membros. Os mm. oblíquos do abdome atuam com os músculos do dorso para produzir rotação do tronco. Como a direção dos feixes de um oblíquo externo é continuada pelos feixes do oblíquo interno oposto, a rotação do tronco para o lado de um oblíquo externo é auxiliada pelo oblíquo interno oposto. Os dois oblíquos e o transverso de um lado, auxiliados pelo reto abdominal ipsilateral, atuam com os músculos do dorso para realizar a flexão do tronco para aquele lado. Músculos
póstero-superiores Os músculos psoas maior e menor, quadrado lombar, ilíaco e o diafragma são os músculos da parede póstero-superior. Suas origens e inserções são mostradas nas tabelas 2 e 3. Outros músculos situados total ou parcialmente no dorso participam da parede abdominal, mas não são descritos aqui por estarem vinculados mais intensamente a outras regiões. Assim, o m. grande dorsal é visto com o membro superior e a musculatura intrínseca do dorso com este segmento. Os músculos ilíaco e psoas maior se unem para inserirem-se por um tendão comum no trocânter menor do fêmur como m. iliopsoas. O psoas maior situa-se lateralmente à coluna vertebral lombar, acompanha a abertura superior da pelve, passa sob o ligamento inguinal, anteriormente à articulação do quadril e alcança a coxa. O psoas menor é uma pequena parte infreqüente do psoas maior que se origina nas vértebras T12 e L1 e termina na linha arqueada do osso do quadril. Assim, o psoas menor não age sobre a coxa, mas pode auxiliar o psoas maior a fletir o tronco. As fibras do m. ilíaco originam-se na parte superior da fossa ilíaca do osso do quadril e convergem inferior e medialmente para se fundirem com o psoas maior. O iliopsoas é o mais potente flexor da coxa; se a coxa está fixada, flete o tronco sobre a coxa. O psoas maior participa também na flexão lateral do tronco. É inervação por ramos do plexo lombar (em geral L2 e L3). O músculo quadrado lombar é um músculo quadrilátero que faz parte da parede posterior do abdome. Auxilia na flexão lateral do tronco e fixa a 12ª costela. É suprido pelo nervo subcostal e por ramos do plexo lombar. O músculo diafragma (ou diafragma tóraco-abdominal) é uma lâmina músculo-tendínea que empresta apoio a vísceras torácicas na posição ereta e separa as cavidades torácica e abdominal. A cúpula direita do diafragma está em nível mais elevado que a cúpula esquerda em virtude da presença subjacente do fígado. Cada metade da porção muscular do diafragma é dividida em partes esternal, costal e lombar. Estas três partes estão inseridas no centro tendíneo que não tem inserções ósseas. A parte esternal origina-se posteriormente ao processo xifóide do esterno e dirige-se para o centro tendíneo. De cada lado entre as partes esternal e costal há um pequeno espaço, o trígono esternocostal, que dá passagem aos vasos epigástricos superiores e linfáticos. O trígono esternocostal pode ser local de uma hérnia diafragmática. A parte costal forma as cúpulas direita e esquerda do diafragma e origina-se das faces internas das seis cartilagens costais inferiores e das quatro costelas mais inferiores. As fibras inserem-se nas partes ântero-laterais do centro tendíneo. A parte lombar (ou vertebral) origina-se de dois arcos fibrosos denominados ligamentos arqueados medial e lateral. Estes ligamentos são espessamentos da fáscia sobre a parte mais superior do m. psoas maior (ligamento arqueado medial) e m. quadrado lombar (ligamento arqueado lateral) e das vértebras lombares craniais, formando dois pilares musculares, direito e esquerdo, que ascendem para o centro tendíneo. Os dois pilares unem-se anteriormente à aorta formando o hiato aórtico. A porção da parte costal do diafragma que se origina da 11ª e 12ª costelas está, em geral, separada da porção lombar por um espaço, o trígono vértebro-costal. Ele é coberto por tecido conjuntivo que separa a pleura, superiormente, da glândula adrenal e da extremidade superior do rim, inferiormente. Várias estruturas passam pelo diafragma através de aberturas que são as seguintes:
Outras estruturas atravessam o diafragma passando entre suas fibras musculares, como os n.n. esplâncnicos e o tronco simpático. Os nervos frênicos, que se originam no plexo cervical, inervam o diafragma, pleura e peritônio adjacentes. Quando se contrai, como acontece na inspiração, o diafragma arrasta o centro tendíneo em direção abdominal. Assim o volume do tórax é aumentado e a pressão endotorácica diminuída. Por outro lado, o volume da cavidade abdominal é diminuído e a pressão endoabdominal aumentada. A pressão endotorácica diminuída e a endoabdominal aumentada, que acompanham a descida do diafragma, facilitam o retorno do sangue ao coração. O diafragma está sob controle voluntário apenas por determinado período de tempo. Não é possível se prender a respiração a ponto da asfixia. Soluços são contrações espasmódicas do diafragma. Inervação A parede ântero-lateral do abdome é inervada pelos nervos tóraco-abdominais, ílio-hipogástrico e ílio-inguinal. Os nervos tóraco-abdominais são os n.n. intercostais, do sétimo ao décimo-primeiro, que recebem uma denominação especial porque são intercostais apenas numa pequena parte do seu trajeto. Logo que abandonam os espaços intercostais correm entre os mm. transverso e oblíquo interno do abdome e alcançam o m. reto do abdome. Todos estes músculos e mais o oblíquo externo são inervados por eles. O nervo T12 também recebe um nome especial, n. subcostal, por estar situado abaixo da última costela. Tem um percurso semelhante aos n.n.tóraco-abdominais, mas inerva também o m. piramidal. Estes nervos emitem ramos cutâneos laterais e anteriores. Os nervos ílio-hipogástrico e ílio-inguinal, embora sejam, comumente, descritos com o plexo lombo-sacral, a rigor, não pertencem a ele, pois se originam de L1. O ílio-hipogástrico inerva a pele da região lateral da nádega e fornece um ramo que corre entre os mm. oblíquo externo e interno para inervar a pele da região púbica. O n. ílio-inguinal, como o ílio-hipogástrico, decorre atrás do m. quadrado lombar. Ao nível da crista ilíaca, perfura o m. transverso e o m. oblíquo interno e se continua anteriormente para acompanhar o funículo espermático (ou o ligamento redondo do útero, na mulher) através do canal inguinal. Emerge do ânulo inguinal superficial e distribui-se à pele da região mais medial e superior da coxa e região pudenda. Os
músculos, ossos, junturas e a pele da porção mais mediana da parede
posterior são supridos pelos ramos dorsais dos n.n. espinhais, os
quais possuem fibras motoras, sensitivas e simpáticas. A maior parte
dos ramos dorsais divide-se em ramos medial e lateral e cada um destes
apresenta um trajeto descendente à medida que se dirige
posteriormente. Cada um se anastomosa com os nervos suprajacente e
infrajacente, formando um verdadeiro plexo na musculatura do dorso. Diafragma
da pelve O
diafragma da pelve é formado por músculos pares denominados
coccígeo, situado posteriormente e levantador do ânus,
ântero-lateral, maior e mais complexo (tabela 4). A
forma do diafragma pélvico é comparável à de um funil com dois
bicos (sexo masculino, com ânus e uretra) ou com três bicos (sexo
feminino, com ânus, vagina e uretra) e com sua borda larga presa aos
corpos dos púbis, aos m.m. obturatórios internos, às espinhas
isquiáticas e ao sacro. Contudo, a semelhança não é completa, pois
o “funil” do diafragma pélvico é incompleto, apresentando
soluções de continuidade posterior e anteriormente. Posteriormente,
os m.m. coccígeos deixam no sacro e no cóccix uma área nua entre
eles, o que em termos de contenção visceral não é problemático,
pois estes ossos fazem este trabalho de forma eficiente. Anterior e
medianamente, em particular no sexo feminino, há uma abertura em U
entre os dois levantadores do ânus, pela qual passam a uretra e a
vagina, formando o hiato urogenital. No sexo masculino esta abertura
é menor, pois por ela só passa a uretra. Em ambos os sexos, uma
segunda abertura mediana e mais posterior permite a passagem do reto. Devido
ao fato de partes do diafragma da pelve terem fixações e funções
próprias, embora não sejam entidades anatômicas totalmente
distintas, as suas descrições são, freqüentemente, complexas e
confusas. A fig. 1 mostra um esquema destas divisões. O
períneo, cuja etimologia provem dos termos gregos peri (= ao redor
de) e naion (= ânus), é a região do tronco situada inferiormente ao
diafragma da pelve. O
períneo tem forma losangular, com os mesmos limites da abertura
inferior da pelve que são a borda inferior da sínfise púbica, os
ramos do púbis e do ísquio, as tuberosidades isquiáticas, os
ligamentos sacrotuberais e o cóccix. A sínfise púbica ocupa o
ângulo anterior do losango, enquanto o cóccix se situa no ângulo
posterior e as tuberosidades isquiáticas nos ângulos laterais. Uma
linha imaginária, horizontal, traçada ao nível das tuberosidades
isquiáticas divide o períneo em regiões anterior e posterior. A
anterior é denominada trígono urogenital, por ser atravessada por
estruturas dos sistemas urinário e genital; enquanto a posterior é o
trígono anal, atravessado pelo canal anal. O
trígono anal é semelhante em ambos os sexos, mas o trígono
urogenital apresenta acentuado dimorfismo sexual. A
tabela 5 mostra um resumo dos músculos do trígono urogenital
Tabela
1 - Músculos da parede ÂNTERO-LATERAL do abdome
Tabela
2 - Músculos da parede pósterior do abdome
Tabela
3 – Músculo diafragma
Tabela 4 - Resumo do
diafragma pélvico
Fig.
1 - Esquema mostrando as divisões do diafragma da pelve
Tabela 5 - Músculos do trígono urogenital
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